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Parte I – Relação, Comunicação e Consulta
1.1. Relação e comunicação médico-paciente e médico-família

8. Aspectos éticos em Medicina Geral e Familiar
Antónia Lavinha

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Brandão, Jorge


Manter uma relação ética com os outros é estar sempre disposto a conceder-lhes a palavra e a pôr em palavras o que exigimos deles, o que oferecemos ou o que neles é passível de crítica. A ética não é uma disposição inata nem um impulso espontâneo, mas sim uma conquista. Não pretende ser uma descrição positiva do comportamento, mas propõe um ideal. Na prática diária da medicina cada um dos nossos pacientes convida-nos a uma relação interpessoal única, distinta da de outro, mais ou menos difícil e intensa. Dada a quantidade de consultas que temos diariamente reconhecemos a necessidade de reflectir aprender e manejar alguns conceitos éticos básicos. O conhecimento da ética não nos obriga a actuar eticamente, mas estimula a reflexão, permite emitir juízos de valor mais correctos, aumenta a sensibilidade para detectar problemas morais e melhora a capacidade para tomar decisões. Existem textos base que todo o médico deverá conhecer: o Juramento de Hipócrates, o Código de Ética e Deontologia Médica e a Declaração de Genebra.
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Decidir...

Nem em Medicina nem em Ética é possível decidir com absoluta certeza. Chegamos apenas ao provável. Cabe actuar com prudência. Devemos aprender a tomar decisões incertas, mas racionais. Para tanto convém que conheçamos os princípios morais «absolutos» implicados na relação médico-paciente.
Autonomia - capacidade de actuar com conhecimento de causa e sem qualquer tipo de coacção externa.
«Primo no nocere» - procurar sempre o bem do paciente e ter sempre em mente a obrigação de não o prejudicar.
Justiça - todos os Homens são iguais em direitos e merecem total consideração e respeito.

A decisão em ética clínica pode depender:
1. Do problema em si mesmo
2. Das suas características médicas
3. Dos factores humanos ,valores em jogo e prioridades entre eles
4. Dos conflitos originados
5. Dos critérios empregues

As decisões podem ser tomadas segundo:
1. Consequências originadas por cada caso
2. Princípios éticos
3. Diferentes procedimentos que tenham em conta as máximas morais que condensam a sabedoria prática dos sinais
4. Hábitos (virtudes) e atitudes (carácter) que deve possuir e usar um bom médico (benevolência, veracidade, respeito, equidade, justiça, amizade, discrição, honestidade...)

As questões mais tradicionais como por exemplo o aborto e a manipulação genética surgem mais noutras especialidades. No entanto encontramos diariamente na Medicina Geral e Familiar situações que nos convidam a demonstrar se estamos a trabalhar segundo princípios éticos.
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Será que somos honestos?

Relação com Indústria Farmacêutica
Nenhum condicionante externo deveria modificar a livre prescrição. A questão dos incentivos, de que todos necessitamos, não pode pesar na nossa decisão. Temos que considerar o custo da nossa prescrição. O contrário, por enquanto, é eticamente inadmissível (inexistência de formulário nacional...)

Implicações éticas da investigação
Convém considerar algumas situações que ameaçam os princípios éticos da investigação. Inventar um projecto e os seus resultados, modificar os dados de um estudo para obter as conclusões desejadas, incluir um paciente num protocolo de investigação apenas a troco de algum incentivo, publicar projectos de investigação repetidos, aceitar figurar como autor em trabalhos em que não participou ou em que a participação foi mínima, são ainda situações correntes que devem ser evitadas.
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Será que somos discretos?

Segredo profissional
Os comentários acerca dos pacientes que seguimos devem apenas ser feitos em sessões clínicas ou em locais resguardados. O conhecimento por outrem da história clínica não deverá prejudicar o paciente ou fazer com que ele perca a confiança no seu médico de família.

Interrupções da consulta
Devemos evitar as várias interrupções que ocorrem durante os períodos de consulta. Elas distorcem gravemente a pedra angular da relação médico-paciente: a comunicação. É nosso dever delinear estratégias para evitar as interrupções da consulta. Sugestões: estabelecer um horário para interrupções; pendurar uma bolsa na parte de fora da porta do gabinete de consulta onde os recados vão sendo depositados; outras igualmente funcionais e criativas.
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Somos sempre verdadeiros?

Eticamente mentir nunca se justifica. No entanto, em medicina, usamos a mentira com alguma frequência. Sem uma informação verdadeira é impossível obter o consentimento informado e tomar decisões firmes e participadas, seguindo o princípio da autonomia. Não é fácil mas o paciente acredita na verdade das nossas actuações. É isso que devemos exigir de nós próprios. Por exemplo, para dar más notícias são necessários:
1. Sensibilidade
2. Respeito
3. Sinceridade
4. Amabilidade
5. Prudência
6. ... e Tempo!
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Ajudando a morrer.
Não nos sentimos preparados para assumir a responsabilidade de ajudar a morrer. Ou preferimos pensar que não estamos, ou que não é tarefa nossa. Mas o paciente é nosso até ao final. É necessária uma legislação clara, mas não é suficiente. Falar da morte talvez diminua a sensação de que este tema é tabu. Uma atitude serena sobre a nossa própria morte favorecerá a relação e a comunicação com um paciente que esteja a precisar de ajuda para morrer.
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E o paciente tem opinião?
Só romperemos o Segredo profissional em caso de prejuízo para o próprio ou para terceiros sendo estas as situações mais conflituosas. Situações há que não podem ser omitidas e que nos obrigam a actuar. Raramente perguntamos a opinião ao paciente sobre o que vamos fazer com ele. Nem sempre temos em conta:
1. Crenças
2. Costumes
3. Nível económico
4. Social
5. cultural

quando tentamos modificar o seu estilo de vida; para adequar prescrições e recomendações aquele paciente específico e não a outro. Devemos tentar tratar da mesma forma os pacientes pouco cumpridores e difíceis, dedicando-lhes tempo e atenção de acordo com as suas necessidades.
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Ouvir
Ouvir é imprescindível. Uma atitude arrogante, paternalista e altiva não ajudará qualquer das partes envolvidas nesta relação tão «sui generis». Se não conhecermos as expectativas, medos, crenças de saúde, conhecimentos sobre a doença de que padecem, dificilmente poderemos satisfazer as necessidades dos pacientes que nos procuram.
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Convite à reflexão.
A ética não pretende ser um manual de comportamento, mas é um saber necessário e conveniente. A prudência, a maturidade de espírito, a honestidade, uma sólida formação humanística e uma atitude crítica e pensada perante os nossos actos são imprescindíveis para uma medicina eticamente válida. Com certeza não é preciso lembrar que para além de qualquer outro interesse está a saúde e o bem-estar dos nossos pacientes, que nos escolheram, e ao serviço dos quais escolhemos livremente estar.