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Introdução
Existe evidência epidemiológica que o estado de nutrição
de um indivíduo é um determinante major do seu estado de
saúde.
A nutrição afecta quer a resistência às doenças
infecciosas, quer a susceptibilidade às doenças cardiovasculares
e ao cancro. Além disso a nutrição da grávida
pode afectar a saúde da geração seguinte.
No idoso, o seu estado de nutrição vai ser influenciado
pelas alterações fisiológicas inerentes ao envelhecimento
e por alterações socio-económicas. A população
em geral e os idosos em particular têm algumas noções
incorrectas sobre as necessidades nutricionais destes últimos.
O aconselhamento e a educação alimentar de um indivíduo
é um processo complexo na medida em que se pode questionar até
que ponto a intervenção dos profissionais de saúde
é eficaz na mudança de hábitos alimentares não
saudáveis adquiridos ao longo de anos.
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O problema
na prática clínica
Algumas modificações fisiológicas inerentes ao envelhecimento
são relevantes para o estado de nutrição do idoso,
destacando-se: a alteração da composição corporal
(diminuição da massa magra e aumento do tecido gordo); a
degradação e/ou falta de peças dentárias;
a alteração da sensibilidade gustativa (transformação
da sensação de doce em amargo e diminuição
da sensibilidade ao sal); a diminuição do olfacto (mais
marcada após a oitava década de vida); a diminuição
da capacidade secretória das glândulas anexas ao tubo digestivo;
a diminuição da produção de insulina; a diminuição
da função renal; a diminuição do metabolismo
basal; as alterações degenerativas do aparelho locomotor
(limitativas da deslocação do idoso para a aquisição
de alimentos). Todos os aspectos atrás referidos predispõem
à diminuição da ingestão calórica.
No respeitante às alterações socio-económicas
sofridas pelo idoso destaca-se a situação de reforma da
actividade profissional que implica uma diminuição da actividade
física e dos recursos económicos levando o idoso ao isolamento.
Na alimentação do idoso, além dos aspectos atrás
referidos, são igualmente condicionantes os hábitos culturais
da região em que o indivíduo habita.
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Possibilidades
de intervenção em Medicina Geral e Familiar
Além de se considerar a multiplicidade de factores que condicionam
a nutrição do idoso, há que questionar se a intervenção
dos profissionais de saúde é eficaz na mudança de
hábitos alimentares adquiridos. Alguns estudos têm tido como
objectivo avaliar o grau de influência dos conselhos dos profissionais
de saúde na mudança deste tipo de hábitos. Os resultados
obtidos têm mostrado que a mudança dos hábitos alimentares
de uma determinada população é extremamente difícil.
Alguns autores defendem que os conselhos sobre alimentação
têm que ser simples e breves para serem eficazes. Há ainda
autores que realçam a importância da utilização
de folhetos informativos como reforço do aconselhamento e educação
alimentar. Constata-se que os indivíduos aceitam com maior facilidade
a introdução de um alimento novo na sua dieta do que proibição
de alimentos usualmente utilizados.
Para realizar aconselhamento e educação alimentar no idoso
há que ter presentes as suas necessidades nutricionais. As necessidades
calóricas diárias vão diminuindo com o envelhecimento
na medida em que o exercício físico e o metabolismo basal
também vão diminuindo com o avançar da idade. Sabe-se
que após os 65 anos o decréscimo nas necessidades calóricas
de um indivíduo é de 5 a 10 % por década de vida.
Considera-se que as necessidades calóricas diárias dos indivíduos
entre 51 e 75 anos são de 2300 Kcal no homem e de 1900 Kcal na
mulher.
As RDA (Quantidades Dietéticas Recomendadas pela Food Nutrition
Board Of National Academy Of Sciences dos E.U.A) para proteínas
no idoso têm o valor de 0,8g/kg de peso/dia. Este valor é
igual ao do adulto jovem. As RDA referentes a vitaminas e minerais são
também iguais às do adulto jovem com excepção
para o ferro e o cálcio. Para o primeiro recomenda-se na mulher
idosa um valor de 10mg/dia, enquanto na mulher pré-menopausica
o recomendado é de 18mg/dia. Em relação ao cálcio
recomenda-se para a mulher idosa um valor de 1500mg/dia.
Recomenda-se que os hidratos de carbono constituam 50 a 55% valor total
da ração calórica diária do idoso. Aconselha-se
preferência pelos chamados amidos (pão, batata, arroz e feijão)
e pelos hidratos de carbono sob a forma de produtos hortícolas
frutos e cereais, os quais além de serem fornecedores de fibra
são veículo de vitaminas e minerais. Recomenda-se limitar
a ingestão de hidratos de carbono de absorção rápida.
No idoso, a taxa de gordura ingerida diariamente deverá ser inferior
a 35% da ração calórica total. A utilização
moderada de gordura monosaturada, nomeadamente o azeite, melhora o perfil
lipídico do indivíduo (diminui as LDL e colesterol total).
Por outro lado é recomendável evitar os alimentos contendo
gorduras saturadas, nomeadamente margarina, manteiga e carnes gordas.
A ingestão de alimentos contendo ácidos gordos omega-3 (frutos
secos, peixe e óleo de peixe) é benéfica na medida
em que este tipo de gordura diminui a agregação plaquetária
e melhora a viscosidade sanguínea.
A água é o composto químico mais abundante no corpo
humano. Durante o envelhecimento a sua quantidade no organismo vai diminuindo,
particularmente após os 80 anos. De modo a prevenir a desidratação
no idoso é aconselhável a ingestão dum valor superior
a 1ml/kcal/dia.
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Erros
e limitações
Os profissionais de saúde que fazem aconselhamento alimentar a
idosos deparam-se com algumas limitações de ordem prática,
nomeadamente:
- a dificuldade em mudar hábitos alimentares perpetuados ao longo
de décadas. É preciso ter presente que este tipo de hábitos
não se alteram bruscamente. Para corrigir o plano alimentar dum
idoso é necessário conhecer a história alimentar
desse indivíduo e, a partir dos hábitos apresentados, tentar
introduzir gradualmente as modificações pretendidas. Regra
geral, são ineficazes as tentativas de várias alterações
em simultâneo. Sabe-se que é melhor aceite a introdução
dum alimento novo na dieta dum indivíduo do que a abolição
dum alimento já anteriormente utilizado. Devido a este facto, nenhum
alimento deve ser proibido mas sim reservado para ocasiões especiais.
- os problemas económicos de alguns idosos que condicionam o aconselhamento
alimentar e obrigam a um pedido de apoio ao Serviço Social.
- a impossibilidade de alguns idosos se deslocarem para a aquisição
de alimentos e/ou a incapacidade de realizarem a sua confecção,
implicam a utilização de recursos comunitários. Nalguns
locais do nosso país, é possível minorar este problema
com a distribuição domiciliária de alimentos confeccionados,
efectuada por centros comunitários.
Os técnicos de saúde ao efectuarem aconselhamento alimentar
a idosos, têm que corrigir alguns erros cometidos frequentemente
por estes últimos, destacando-se:
- o escasso aporte alimentar que alguns idosos fazem, baseados no conceito
errado de que quanto mais velho for um indivíduo menos deve comer.
Sabe-se, que apesar das necessidades calóricas diminuírem
com o envelhecimento, as necessidades em nutrientes são semelhantes
no idoso e no adulto jovem.
- o reduzido número de refeições diárias e
o jejum nocturno prolongado. Este hábito deve ser desencorajado,
recomendando-se 5 a 6 refeições ao longo do dia, com intervalos
médios de 3 a 4 horas, não sendo aconselhável um
jejum nocturno superior a 10 horas.
- o abuso do sal, a que não são alheios aspectos culturais
e as alterações da sensibilidade gustativa do idoso. A utilização
de ervas aromáticas no tempero dos alimentos ajuda a reduzir o
consumo de sal na alimentação.
- a reduzida ingestão de líquidos, que pode ser corrigida
aconselhando o idoso a ingerir diariamente um litro de água simples
ou aromatizada, mesmo na ausência de sede. Deve igualmente salientar-se
o benefício da ingestão de alimentos líquidos tais
como leite e sopa.
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Pontos
práticos a reter
As necessidades em nutrientes são semelhantes no idoso e no adulto
jovem.
As necessidades calóricas vão diminuindo com o envelhecimento.
No idoso a alimentação é influenciada pelas alterações
fisiológicas do envelhecimento e pelas alterações
sócio-económicas inerentes à situação
de reforma.
Os hábitos alimentares não se alteram bruscamente.
No aconselhamento e educação alimentar é imprescindível
ter sempre em consideração a história alimentar do
indivíduo.
Os conselhos alimentares para serem eficazes têm que ser simples
e breves.
Só uma alimentação variada garante que não
haja deficiência de nutrientes essenciais e por outro lado evita
excessos. Além disso a variedade na alimentação torna-a
mais agradável e menos monótona.
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