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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.8. Saúde do idoso
93. Aconselhamento e educação alimentar  
Laurinda Leitão
José Santo Amaro
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Ribas, Mª José

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Introdução

Existe evidência epidemiológica que o estado de nutrição de um indivíduo é um determinante major do seu estado de saúde.
A nutrição afecta quer a resistência às doenças infecciosas, quer a susceptibilidade às doenças cardiovasculares e ao cancro. Além disso a nutrição da grávida pode afectar a saúde da geração seguinte.
No idoso, o seu estado de nutrição vai ser influenciado pelas alterações fisiológicas inerentes ao envelhecimento e por alterações socio-económicas. A população em geral e os idosos em particular têm algumas noções incorrectas sobre as necessidades nutricionais destes últimos.
O aconselhamento e a educação alimentar de um indivíduo é um processo complexo na medida em que se pode questionar até que ponto a intervenção dos profissionais de saúde é eficaz na mudança de hábitos alimentares não saudáveis adquiridos ao longo de anos.
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O problema na prática clínica

Algumas modificações fisiológicas inerentes ao envelhecimento são relevantes para o estado de nutrição do idoso, destacando-se: a alteração da composição corporal (diminuição da massa magra e aumento do tecido gordo); a degradação e/ou falta de peças dentárias; a alteração da sensibilidade gustativa (transformação da sensação de doce em amargo e diminuição da sensibilidade ao sal); a diminuição do olfacto (mais marcada após a oitava década de vida); a diminuição da capacidade secretória das glândulas anexas ao tubo digestivo; a diminuição da produção de insulina; a diminuição da função renal; a diminuição do metabolismo basal; as alterações degenerativas do aparelho locomotor (limitativas da deslocação do idoso para a aquisição de alimentos). Todos os aspectos atrás referidos predispõem à diminuição da ingestão calórica.
No respeitante às alterações socio-económicas sofridas pelo idoso destaca-se a situação de reforma da actividade profissional que implica uma diminuição da actividade física e dos recursos económicos levando o idoso ao isolamento. Na alimentação do idoso, além dos aspectos atrás referidos, são igualmente condicionantes os hábitos culturais da região em que o indivíduo habita.
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Possibilidades de intervenção em Medicina Geral e Familiar

Além de se considerar a multiplicidade de factores que condicionam a nutrição do idoso, há que questionar se a intervenção dos profissionais de saúde é eficaz na mudança de hábitos alimentares adquiridos. Alguns estudos têm tido como objectivo avaliar o grau de influência dos conselhos dos profissionais de saúde na mudança deste tipo de hábitos. Os resultados obtidos têm mostrado que a mudança dos hábitos alimentares de uma determinada população é extremamente difícil.
Alguns autores defendem que os conselhos sobre alimentação têm que ser simples e breves para serem eficazes. Há ainda autores que realçam a importância da utilização de folhetos informativos como reforço do aconselhamento e educação alimentar. Constata-se que os indivíduos aceitam com maior facilidade a introdução de um alimento novo na sua dieta do que proibição de alimentos usualmente utilizados.
Para realizar aconselhamento e educação alimentar no idoso há que ter presentes as suas necessidades nutricionais. As necessidades calóricas diárias vão diminuindo com o envelhecimento na medida em que o exercício físico e o metabolismo basal também vão diminuindo com o avançar da idade. Sabe-se que após os 65 anos o decréscimo nas necessidades calóricas de um indivíduo é de 5 a 10 % por década de vida.
Considera-se que as necessidades calóricas diárias dos indivíduos entre 51 e 75 anos são de 2300 Kcal no homem e de 1900 Kcal na mulher.
As RDA (Quantidades Dietéticas Recomendadas pela Food Nutrition Board Of National Academy Of Sciences dos E.U.A) para proteínas no idoso têm o valor de 0,8g/kg de peso/dia. Este valor é igual ao do adulto jovem. As RDA referentes a vitaminas e minerais são também iguais às do adulto jovem com excepção para o ferro e o cálcio. Para o primeiro recomenda-se na mulher idosa um valor de 10mg/dia, enquanto na mulher pré-menopausica o recomendado é de 18mg/dia. Em relação ao cálcio recomenda-se para a mulher idosa um valor de 1500mg/dia.
Recomenda-se que os hidratos de carbono constituam 50 a 55% valor total da ração calórica diária do idoso. Aconselha-se preferência pelos chamados amidos (pão, batata, arroz e feijão) e pelos hidratos de carbono sob a forma de produtos hortícolas frutos e cereais, os quais além de serem fornecedores de fibra são veículo de vitaminas e minerais. Recomenda-se limitar a ingestão de hidratos de carbono de absorção rápida.
No idoso, a taxa de gordura ingerida diariamente deverá ser inferior a 35% da ração calórica total. A utilização moderada de gordura monosaturada, nomeadamente o azeite, melhora o perfil lipídico do indivíduo (diminui as LDL e colesterol total). Por outro lado é recomendável evitar os alimentos contendo gorduras saturadas, nomeadamente margarina, manteiga e carnes gordas. A ingestão de alimentos contendo ácidos gordos omega-3 (frutos secos, peixe e óleo de peixe) é benéfica na medida em que este tipo de gordura diminui a agregação plaquetária e melhora a viscosidade sanguínea.
A água é o composto químico mais abundante no corpo humano. Durante o envelhecimento a sua quantidade no organismo vai diminuindo, particularmente após os 80 anos. De modo a prevenir a desidratação no idoso é aconselhável a ingestão dum valor superior a 1ml/kcal/dia.
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Erros e limitações

Os profissionais de saúde que fazem aconselhamento alimentar a idosos deparam-se com algumas limitações de ordem prática, nomeadamente:
- a dificuldade em mudar hábitos alimentares perpetuados ao longo de décadas. É preciso ter presente que este tipo de hábitos não se alteram bruscamente. Para corrigir o plano alimentar dum idoso é necessário conhecer a história alimentar desse indivíduo e, a partir dos hábitos apresentados, tentar introduzir gradualmente as modificações pretendidas. Regra geral, são ineficazes as tentativas de várias alterações em simultâneo. Sabe-se que é melhor aceite a introdução dum alimento novo na dieta dum indivíduo do que a abolição dum alimento já anteriormente utilizado. Devido a este facto, nenhum alimento deve ser proibido mas sim reservado para ocasiões especiais.
- os problemas económicos de alguns idosos que condicionam o aconselhamento alimentar e obrigam a um pedido de apoio ao Serviço Social.
- a impossibilidade de alguns idosos se deslocarem para a aquisição de alimentos e/ou a incapacidade de realizarem a sua confecção, implicam a utilização de recursos comunitários. Nalguns locais do nosso país, é possível minorar este problema com a distribuição domiciliária de alimentos confeccionados, efectuada por centros comunitários.
Os técnicos de saúde ao efectuarem aconselhamento alimentar a idosos, têm que corrigir alguns erros cometidos frequentemente por estes últimos, destacando-se:
- o escasso aporte alimentar que alguns idosos fazem, baseados no conceito errado de que quanto mais velho for um indivíduo menos deve comer. Sabe-se, que apesar das necessidades calóricas diminuírem com o envelhecimento, as necessidades em nutrientes são semelhantes no idoso e no adulto jovem.
- o reduzido número de refeições diárias e o jejum nocturno prolongado. Este hábito deve ser desencorajado, recomendando-se 5 a 6 refeições ao longo do dia, com intervalos médios de 3 a 4 horas, não sendo aconselhável um jejum nocturno superior a 10 horas.
- o abuso do sal, a que não são alheios aspectos culturais e as alterações da sensibilidade gustativa do idoso. A utilização de ervas aromáticas no tempero dos alimentos ajuda a reduzir o consumo de sal na alimentação.
- a reduzida ingestão de líquidos, que pode ser corrigida aconselhando o idoso a ingerir diariamente um litro de água simples ou aromatizada, mesmo na ausência de sede. Deve igualmente salientar-se o benefício da ingestão de alimentos líquidos tais como leite e sopa.
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Pontos práticos a reter

As necessidades em nutrientes são semelhantes no idoso e no adulto jovem.
As necessidades calóricas vão diminuindo com o envelhecimento.
No idoso a alimentação é influenciada pelas alterações fisiológicas do envelhecimento e pelas alterações sócio-económicas inerentes à situação de reforma.
Os hábitos alimentares não se alteram bruscamente.
No aconselhamento e educação alimentar é imprescindível ter sempre em consideração a história alimentar do indivíduo.
Os conselhos alimentares para serem eficazes têm que ser simples e breves.
Só uma alimentação variada garante que não haja deficiência de nutrientes essenciais e por outro lado evita excessos. Além disso a variedade na alimentação torna-a mais agradável e menos monótona.

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