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Parte III - Saúde e ambientes
3.1. Ambiente famíliar
106. Famílias monoparentais
Isabel Matos Correia
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Laginha, Teresa

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Introdução
A família tem uma história natural que a faz avançar por etapas sucessivas, durante as quais os seus membros sofrem mudanças e adoptam novos comportamentos. Estas etapas constituem o ciclo de vida familiar, que é concebido como a sequência de estádios que a família atravessa desde o seu estabelecimento até à sua dissolução.
Em cada fase do ciclo de vida a família tem que mudar para se adaptar às modificações estruturais, funcionais e de papéis a que cada etapa dá lugar, havendo, no entanto, certas deslocações no ciclo de vida familiar que são próprias e exclusivas de cada etapa, enquanto que outras podem surgir em qualquer estádio do ciclo como é o caso da “ monoparentalidade “.
A família monoparental é uma tipologia familiar que se origina após um acontecimento vital «stressante» tal como o falecimento de um cônjuge, uma separação, um divórcio ou o abandono do lar por parte de um dos cônjuges, mas também no caso da mulher grávida que não quer contrair matrimónio com o pai do seu filho, preferindo assumir sozinha a sua maternidade.
“A família monoparental tem as mesmas funções, papéis e responsabilidades da família nuclear : tem de oferecer possibilidades de desenvolvimento aos seus membros; tem de lidar com os problemas e outras crises do seu ciclo de vida, continuando, no entanto, a assegurar as funções necessárias à evolução/desenvolvimento desses membros.” 
Assim sendo, a principal função do médico de família será a de tentar ajudar a construir/reconstruir uma nova vida familiar, psicológica e emocionalmente autónoma.
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Famílias Monoparentais – que problemas na prática clínica
As famílias de hoje aparecem com variadas formas e tamanhos, sendo a família monoparental constituída por um só cônjuge e seus filhos, os quais podem estar em diversas idades, desde a infância à adolescência. Estima-se que este tipo de família represente cerca de 28% da totalidade das diversas formas de famílias, situação que triplicou desde 1970.
Segundo S. Minuchin “ em vez de nos agarrarmos ao conceito de normalidade da família nuclear intacta, temos de aceitar que, no nosso tempo e na nossa cultura uma família onde houver uma separação/divórcio é uma organização viável”.
O divórcio/ separação é uma situação de crise, de risco familiar, mas que, se adequadamente ultrapassada, pode originar um processo de maturação e crescimento individual dos seus membros, embora mais evidente para os adultos. 
Assim a família monoparental deverá ser considerada apenas como uma variante dentro do leque das estruturas familiares relativamente estáveis.
O impacto de uma separação ou divórcio sobre os filhos depende de vários factores como por exemplo a idade, a qualidade de vida familiar anterior, mas sobretudo da violência do conflito entre os pais, antes, durante ou após a separação. Face a esse conflito, a criança pode sentir-se dividida na sua lealdade para com os pais, e a sua culpabilidade, pelo que julga ser a sua responsabilidade na separação dos pais. No entanto, o principal sentimento que a criança experimenta é um sentimento de PERDA: perda da unidade familiar; perda da presença de um dos progenitores; perda de alguma segurança e a esperança que tudo volte ao normal entre os pais, podendo levar a alguma hostilidade para com o progenitor com quem ficam.
Mas se é verdade que os filhos de pais separados podem constituir um grupo de risco do ponto de vista da saúde mental, é também verdade que uma família nuclear mas disfuncional, pode ser mais prejudicial do que uma situação estável, com pais separados e num bom enquadramento familiar e social.

Nas famílias monoparentais em que as crianças são criadas sem pai desde o nascimento ou de tenra idade, as mães apresentam maior calor humano e interagem mais com os seus filhos, embora também apresentem “lutas” mais fortes, embora não mais frequentes do que nas famílias nucleares. A adaptação psicológica destas mães e o nível de stress na educação dos seus filhos é a mesma do que as das famílias com pai presente, embora as crianças estejam mais ligadas à mãe e possam ser menos independentes física e cognitivamente, o que, não constitui nenhuma desvantagem em relação ao relacionamento com a sua mãe nem ao seu bem-estar emocional e sentido de segurança. 

No entanto, vários estudos apontam que as crianças dos 4 aos 9 anos de famílias monoparentais, que sofreram o afastamento de um dos progenitores, estão em maior risco para terem problemas de adaptação, do que as crianças da mesma idade de famílias com os dois progenitores biológicos: são crianças hiperactivas e com problemas de relação com as outras crianças da mesma idade. Parecem também apresentar dificuldades emocionais e um comportamento menos amável e gentil, sobretudo os rapazes.
A “qualidade”/tipo de relacionamento com a sua mãe/pai e os seus irmãos mais velhos parece estar correlacionada com a adaptação da criança e o seu comportamento social, pelo que, quanto mais queixas houver por parte da mãe/pai como: motivos de irritação, frequentes “braços de ferro”, desagrado com o barulho e com a desarrumação efectuada pela criança, pior é a relação entre elas/eles. 

Também em relação aos adolescentes parece haver alterações significativas. A adolescência é por si só uma época turbulenta, marcada por intensas mudanças físicas e psicológicas em que os jovens começam a integrar no seu Eu, identificações passadas, experiências e competências presentes e ainda futuras aspirações. Nesta fase o sexo feminino parece ser particularmente vulnerável aos factores stressantes em relação ao sexo masculino, especialmente no que diz respeito a depressão e a alterações de comportamento alimentar como a anorexia e a bulimia.
Estudos abrangendo o grupo etário dos 12-19 anos, revelam que os adolescentes de famílias monoparentais apresentam mais problemas emocionais incluindo pouca estima, mais sintomas de ansiedade e solidão, mais humor depressivo e pensamentos de suicídio do que os adolescentes de famílias nucleares.
Também em relação ao sexo têm sido encontradas diferenças: enquanto que o sexo masculino apresenta menos problemas emocionais nas famílias monoparentais do que nas reconstruídas, o sexo feminino parece ter mais problemas emocionais nas famílias monoparentais do que nas reconstruídas, sendo a prevalência de tentativas de suicídio dos adolescentes das famílias monoparentais e reconstruídas três vezes superior para o sexo feminino e apenas metade para o sexo masculino, em relação aos adolescentes das famílias nucleares. Por sua vez o sexo masculino está também mais exposto ao consumo de drogas e álcool enquanto o sexo feminino prefere a companhia de um parceiro e inicio de actividade sexual.
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Famílias monoparentais – abordagem e avaliação diagnóstica
A família como subsistema social aberto em constante interacção com o meio, recebe, presta apoio e compartilha recursos, constituindo uma parte importante da prática familiar. Quando numa família existem crises ou disfunções familiares com graves alterações na homeostasia familiar, estas são capazes de originar manifestações clínicas em alguns dos seus membros.
As patologias psicosociais, motivadas por crises familiares as quais são desencadeadas por acontecimentos vitais «stressantes», têm a gravidade da crise, ou seja, são dependentes da gravidade do acontecimento vital e da existência dos apoios sociais existentes para fazer frente a esse evento indo condicionar um aumento da utilização dos serviços de saúde 
Também a natureza da vida familiar anterior vai influenciar a vida das crianças. Os conflitos crónicos no seio da família bem como um relacionamento familiar frio e distante parecem predispor a um comportamento infantil delinquente e anti-social, e, se mantidos os conflitos para além da relação ocasionam nas crianças um intenso desassossego e confusão. No entanto também o oposto, esconder o conflito das crianças, pode levar a um sentimento de mal-estar por parte destas pelo facto de parecer não haver motivo para estarem tristes ou furiosos. 

As famílias monoparentais que estão numa tentativa de adaptação rápida ás mudanças das suas vidas (e das suas crianças) vão necessitar de:
· tempo para se adaptarem à nova situação, o que inclui a vivência do “luto” da relação perdida, tendo em atenção que a adaptação das crianças pode não ocorrer ao mesmo tempo dos pais;
- fazer um levantamento das suas disponibilidades/forças para poder planear o futuro;
- viver o presente..., porque o passado está passado;
- deixar as crianças partilharem as situações, porque elas podem e gostam de aceitar responsabilidade, verdade e honestidade;
- deixar entrar outras pessoas nas suas vidas, sem necessariamente ser para casar;
- desenvolver os seus interesses e aproveitar para fazer o que gostariam de fazer e ao mesmo tempo fazer arranjar novos amigos;
- tomar conta da sua própria vida, aceitando a responsabilidade pelo que possa acontecer na sua vida, dali para a frente;
- e de se lembrarem que tudo irá melhorar, dando hipótese de receber a ajuda dos outros.

O médico de família afim de dar resposta eficaz a estes problemas psicosociais, deve adquirir conhecimentos sobre: demografia familiar; ciclo de vida da família, análise das funções da família e do apoio social e sobretudo deve “aceitar” que por detrás de cada indivíduo e dos seus sintomas existe uma família em crise ou disfuncional que necessita de apoio e compreensão.
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Famílias monoparentais – como intervir

A intervenção terapêutica deve facilitar a expressão dos sentimentos contraditórios que o elemento da família experimenta, e ajudá-lo a compreender que a não-aceitação, a zanga, a depressão, são fases evolutivas do processo e não definitivas.

A intervenção do médico de família em relação ao pai, visa sobretudo manter o contacto com ele, evitar tomar partidos e fazer-lhe ver a importância que continua a ter para as crianças de modo a manter-se activo em vez de evitar o contacto com as crianças.
Em relação à mãe há que ajudá-la de modo a não quebrar as fronteiras, evitando por um lado demasiada tolerância levando a um envolvimento excesso com as suas crianças e consequente quebra de disciplina ou pelo contrário evitando a intolerância para com o comportamento infantil ou expectativa em excesso do apoio e ajuda das crianças. As fronteiras existentes antes da separação devem ser as mesmas após a separação, de modo a manter nas crianças a noção de segurança e de conforto. 

Assim ,há que ensinar a mãe/ pai das famílias monoparentais a:
- não se sentirem culpados pelas coisas que não fazem;
- priorizar e cumprir os compromissos;
- delegar o máximo das actividades, mesmo com crianças pequenas;
- não se sobrecarregarem com trabalho, que pode ser efectuado noutra altura;
- serem firmes com as crianças, não tentando substituir o outro progenitor através da oferta de uma prenda;
- usar o seu tempo livre não só para dar atenção ás crianças, mas também para si próprios e para a sua privacidade;

Em relação às crianças o seu sentimento de perda está muito empolgado: perda da unidade familiar, perda da segurança, perda do bem estar económico, perda da sua casa, perda da companhia da mãe que tem de ir trabalhar. A criança perde num curto espaço de tempo, muito do seu suporte emocional que a ajudaria a “aguentar” as alterações.
A intervenção terapêutica deve ajudar as crianças de modo a poderem falar acerca dos seus sentimentos de tristeza, confusão e revolta ou ódio de modo a poderem reencontrar o seu equilíbrio, muitas vezes alterado pelo receio de que o problema com os pais tenha sido provocado por algo que tivessem feito ou dito. 
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Situações a referenciar
Há no entanto, verdadeiras situações de risco que deve levar à referenciação destas famílias para um apoio psicoterapêutico: 
- a vulnerabilidade da criança;
- a depressão da mãe/pai, tornado excessivamente dependente do filho;
- a abdicação da mãe/pai da sua função parental de suporte e controlo;
- a falta de estabilidade emocional da figura parental, tornado-a menos capaz de apoiar os filhos 
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Pontos práticos a reter
O médico de família ao trabalhar com famílias monoparentais, necessita de observar algumas regras, nomeadamente: 
- tentar manter contacto com os dois progenitores, se possível;
- ajudar os progenitores a manterem as fronteiras; 
- ouvir todos os membros da família;
- não tomar partido;
- não dar conselhos;
- facilitar a expressão dos sentimentos contraditórios;
- referenciar a especialista quando detectar situações de risco que ultrapassem a sua actuação 

Algumas questões para reflexão e investigação:
- será que as famílias monoparentais vivem as várias fases do ciclo de vida do mesmo modo ou de um modo diferente das outras famílias, nomeadamente das famílias nucleares?
- será a idade dos progenitores das famílias monoparentais um factor influenciador nos problemas bem como na resolução dos mesmos?
- qual a influência dos factores sociais, económicos e culturais nas famílias monoparentais? Actuarão de modo diferente neste tipo de famílias?
- o comportamento dos filhos das famílias monoparentais parece variar com a idade. Será que o número de irmãos bem como o respectivo sexo irá influenciar (positiva / negativamente) estes comportamentos?

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