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Parte III - Saúde e ambientes
3.2. Ambiente escolar
112. Escola, família e saúde
Fernando Bolina
Isabel Bolina
Josefina Marau
Francisca Rebelo
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Reis, Isabel


A health promoting school can be likened to the girl child
It is a place where the girl child can feel safe
It is where she is treated same as the boy child
It is where she is treated with respect and dignity
It is a place where she feels she belongs
It is a place where she finds love and peace and security
When she is hungry she has a choice of nutritious food
When she is thirsty she turns on the tap and drinks clean cool water
When the sun is too hot she has a shade tree to sit under
Where the grass is green and she has a place to play
It is a place where she finds lots of friends
Where the teachers are caring and the parents are supportive
It is a place where she is excited to go to school each day
It is a place free of all sorts of harassment, be it sexual, physical or emotional
It is a place free of drugs and full of fun and lots of beautiful flowers
It is a place where she is free to love, learn and grow in every way
It is a place where she is protected from the wind, the sun, the rain and cold
Regardless of race, religion, culture, region she is nurtured as a very special person
This indeed is a health promoting school

O sucesso académico tem um valor intrínseco amplamente reconhecido em termos da vida futura do jovem. Considerável evidência suporta a influência crítica das vivências da infância e primeiros anos de escola na vida futura e, além disso, em crianças que mantêm dificuldades sustentadas nos primeiros anos, uma perda da auto-estima e uma pobre auto-confiança tornam a intervenção posterior mais difícil. É, assim, entendida pela saúde e educação a importância de uma intervenção precoce de modo a prevenir dificuldades na aprendizagem académica.
Para as crianças com problemas major físicos, sensoriais ou do desenvolvimento é óbvia a identificação e em regra precoce a intervenção. Estas situações representam, porém, uma percentagem muito pequena no importante grupo de crianças que não obtém uma escolaridade satisfatória. Desde o início da escolaridade obrigatória se experimentaram metodologias para avaliar ou quantificar o desenvolvimento na idade pré-escolar ou no início da escolaridade. Os profissionais que avaliam a população pré-escolar ou escolar devem, no entanto, estar seguros de que os benefícios da sua intervenção são superiores aos possíveis efeitos negativos. O conceito de «rastreio» à entrada para a escola para identificar factores predisponentes para o insucesso ou inadaptação escolar verificou-se inadequado. Muitas crianças com insucesso predito não falharam, enquanto outras não foram bem sucedidas apesar do sucesso previsto. E, ainda, uma previsão de insucesso pode criar, em algumas situações, como que uma profecia a cumprir. Foram as crianças inapropriadamente identificadas? Que intervenções previnem o insucesso na escola? A situação pedagógica, se põe em presença professores e alunos, num contexto social e histórico preciso, retira a sua especificidade da interacção entre esses indivíduos. Assim, o diagnóstico e a intervenção nas dificuldades de uma criança na escola só fazem sentido no contexto relacional que se estabelece em cada escola e em cada díade professor-aluno.
1
A par do aspecto académico
Definida a saúde como bem-estar bio-psico-social, a atenção a um ou outro dos componentes assume maior importância relativa de acordo com os contextos em que se situa o indivíduo.
Perante uma criança, a maioria dos profissionais limita-se a observar os aspectos biológicos, o crescimento e competências sensoriais, o desenvolvimento psico-motor e da fala. Se é fácil medir as variáveis biomédicas através de testes, se alguns adquiriram também treino em testes psicométricos capazes de medir a capacidade ou estado psíquico em determinado momento, as interacções sociais, os afectos e emoções, ainda que observáveis não são facilmente mensuráveis na consulta o que, ao médico habituado a quantificar, condiciona alguma desatenção a esta área da saúde. Pela importância que no contexto escolar assume o desenvolvimento da criança como ser social, é sobretudo a este aspecto da saúde da criança e do jovem que dedicamos este capítulo. 
2
Afectos e Emoções
Não é possível pensar o ser humano sem as componentes emocional e afectiva de estar vivo. 
Porém é recente o estudo do papel dos afectos e emoções como aspectos organizados e organizadores do funcionamento mental. Este papel primordial dos sentimentos e emoções, qualificados antigamente como a «poluição da razão», interessa hoje a investigação da psicologia, da bioquímica do cérebro, da neurologia do comportamento, da neuropsiquiatria.
Os estudos numa perspectiva de desenvolvimento suportam a ideia de que os estados de afecto positivos ou gratificantes fornecem suporte para a aprendizagem, comunicação e desenvolvimento, e de que a agressividade resulta da integração de afectos negativos ou de aversão.

Sob o título Não Nascemos Todos Iguais em Direitos Teresa Ferreira, pedopsiquiatra, descreve como nos vemos diariamente perante «pacientes» que nos primeiros anos de vida são prisioneiros de afectos negativos intensos e impeditivos de um crescimento harmónico, mas ainda incapazes de usar a palavra para poder expressá-los, muitos porque ainda não adquiriram a linguagem como meio comunicativo... vemos bem as «marcas» que perduram na personalidade serem contínuas e precoces, marcas de uma vivência traumática de afectos violentos e destrutivos ou do isolamento e apagamento afectivo dentro de famílias onde predominam os interesses narcísicos e egoístas dos personagens adultos.
A sociedade reage a agressões no corpo com sinais externos de maus-tratos... a cegueira é quase total para as agressões psíquicas sistemáticas e quotidianas. Reagem depois aos «sintomas»... quando se manifestam na turbulência, violência, toxicodependência dos jovens. Esquece-se que tudo começou cedo – bem cedo, na vida do jovem que age a sua violência contra ele, contra o mundo todo.

É artificialmente que distinguimos o desenvolvimento em intelectual, emocional e psico-motor. A organização da função motora tem uma dimensão emocional e uma dimensão cognitiva. A actividade intelectual processa-se num contexto relacional em que as emoções e os afectos têm um papel essencial. Temos, pois, que todo o processo de desenvolvimento é indissociável do processo de socialização.
A criança tem na família o primeiro lugar de socialização e são estes primeiros contactos sociais que marcadamente influenciam o seu desenvolvimento social e emocional. É especialmente na família, no período pré-escolar, que a criança desenvolve o comportamento social, a linguagem, a capacidade de aprender com os adultos, o interesse por saber ler e escrever.

O recém-nascido interage marcadamente com o meio ambiente, nomeadamente com os seres humanos próximos, e é não só parceiro activo na interacção mãe-criança, mas é muitas vezes o «primum movens» da relação através dos sinais sociais que emite pelos sons, expressão da face e movimentos do corpo. 
Segundo Erikson, o alicerce de todo o seu desenvolvimento futuro é o sentimento básico de confiança que a criança adquire ao sentir que é aceite e amada. Este sentimento não se desenvolve independentemente das outras manifestações do desenvolvimento, como a organização dos movimentos, o aprender a reconhecer as pessoas e os objectos, o andar, o falar... o sentimento de confiança é o «sabor» que a criança guarda de todas estas experiências quando são satisfatórias.
Ler é atribuir significados. É a mãe, atribuindo significado aos seus mais pequenos gestos, falando ao bebé, respondendo às vocalizações que ele emite aos dois ou três meses, que o leva progressivamente a modular os sons até à fase linguística, à volta do ano de idade, em que a criança usa a palavra.

Ao crescer, a criança vê reconhecer a sua individualidade e reconhece-se a si própria como agente das suas acções. Movendo-se da posição de estar inteiramente dependente do mundo dos adultos para a convicção de ser capaz de realizar inúmeras actividades por si só, vai adquirindo um sentimento de progressiva autonomia. O vocabulário continua a enriquecer na medida em que o meio verbal em que a criança vive for mais rico; as crianças gostam de ouvir incansavelmente as histórias que lhes agradam e essa é uma ocasião importante de uma actividade de linguagem; a partir do momento em que a tipografia aparece sobre uma página, cria-se então um triângulo criança-livro-adulto que tem um papel insubstituível na sensibilização para a leitura.
Aos três ou quatro anos, o corpo em desenvolvimento é continuamente activo, a inteligência em desenvolvimento é intensamente curiosa, o ser social em desenvolvimento procura relações de afecto com os outros. Se os adultos respondem com agressividade ou negligência a esta curiosidade exploratória, o perigo é o de que a criança crie culpa sobre a sua curiosidade e dúvida sobre a adequação dos seus objectivos, o que pode cercear o seu sentido de iniciativa e o desenvolvimento de uma auto-estima positiva.

No período que envolve os anos da escola a criança aprende o prazer de ser reconhecida pelas coisas que produz, desenvolve o sentimento da sua capacidade de trabalho produtivo e auto-expressivo. É nesta idade que em todas as sociedades inicia o treino para vir a fazer parte do mundo de trabalho dos adultos. Se a criança falha no desenvolvimento da noção de ser capaz de uma actividade produtiva bem sucedida, perde a confiança no valor das suas capacidades para aprender e para fazer.
Estudos longitudinais relativos à aprendizagem na escola, como os de Dave, Bloom, Wolf e Hanson, indicam que o que os adultos fazem no decorrer das suas interacções com a criança no lar é a determinante principal do seu desenvolvimento, e não o nível económico dos pais ou o seu nível de educação.
Alguns lares realizam bem a sua função, enquanto outros a cumprem de modo precário, e provavelmente muitos destes teriam a possibilidade de realizar um trabalho bem mais adequado se os pais fossem advertidos dos efeitos que têm as suas interacções com os filhos.
3
A Escola
A criança tem na escola o segundo lugar de socialização e são estes segundos contactos sociais que marcadamente influenciam a sua noção de ser capaz de uma actividade produtiva e auto-expressiva bem sucedida. É na escola que os seus êxitos ou insucessos se tornam públicos, oficiais, já que, mesmo sem exames ou graduações, a avaliação está continuamente presente nas expressões verbais ou não verbais da professora, e na comparação com o que fazem os outros.
A evidência sugere que o baixo rendimento na escola, a desmotivação, o mau comportamento e o abandono escolar são em grande parte devidas a percepções negativas do aluno sobre o seu valor e as suas capacidades, surgindo o insucesso na escola, na maioria dos casos, não como resultado de pouca inteligência ou deficiência física, mas porque o aluno tem a percepção de si próprio como inapto para o trabalho académico.
A escola deverá oferecer á criança condições para organizar os conhecimentos que recebe a partir da sua experiência anterior, da sua realidade própria. Alguns professores realizam bem a sua função, enquanto outros não entendem o efeito insidioso e cumulativo dos seus julgamentos negativos no auto-conceito académico do aluno e provavelmente muitos teriam a possibilidade de realizar um trabalho bem mais adequado se fossem advertidos da importância de uma interacção valorizadora da criança, privilegiando as actividades em que está interessada e é competente, de modo a permitir que adquira a noção de ser capaz de bons resultados académicos.
4
Os Cuidados de Saúde
A criança ou adolescente tem nos serviços de saúde cuidados de prevenção da doença e promoção da saúde.
Porém a intervenção tem sido prejudicada pelo tácito acreditar que a doença e normalidade são entidades separadas. O reconhecimento de que a saúde e a doença se inscrevem num mesmo contínuo e de que cada indivíduo, ao longo do seu percurso de vida, se move neste contínuo em função da interacção de múltiplos determinantes da saúde, permite um melhor entendimento destes processos.
A prevenção primária tem sido confundida com a procura do diagnóstico precoce ou a intervenção nas situações de alto risco. Se este cuidado providencia ajuda aos indivíduos mais susceptíveis ou expostos, o seu espectro é limitado pela subjacente falsa ideia de que o problema está confinado a uma distinta minoria e pode ser isolado da população geral. 
Deste modo o esforço de intervenção tem incidido quase exclusivamente nas minorias desviantes (deficiências ou graves perturbações do comportamento ou da aprendizagem). Este procedimento pode ser atractivo para o público e para os políticos, porque afirma a normalidade e inocência da maioria, mas para a prevenção é um fracasso.

De acordo com Rose, é uma questão de simples aritmética: um grande número de pessoas expostas a um pequeno risco em regra gera muito mais casos do que um pequeno número exposto a um grande risco.
A atenção dos serviços de saúde deve mover-se para uma estratégia de intervenção generalizada junto das figuras parentais e no contexto familiar ou junto das figuras docentes e no contexto escolar, não apenas reactiva aos sinais e sintomas apresentados, mas também proactiva, oferecendo cuidados antecipatórios.
As situações adversas a um adequado desenvolvimento da criança previnem-se e o bem-estar social da criança promove-se desde a concepção, evitando a gravidez não desejada ou o chamado bebé funcional, ao longo da vigilância da gravidez, fazendo os pais falar da sua família de origem, da sua infância, do que esperam do bebé ou como imaginam o seu bebé, na observação na vigilância de saúde infantil ou em qualquer contacto com a criança, procurando conhecer o seu bem-estar emocional, os ritmos do sono e alimentação e como o pai e a mãe jogam, passeiam, contam histórias, ou, pelo contrário, se queixam de que não têm tempo ou paciência para este filho.
O exame global dos cinco ou seis anos situa-se no contínuo desta intervenção proactiva e, quando necessário, reactiva. Tão importante como verificar de novo a acuidade visual, a fala, o que a criança desenha e como desenha ou se move, é também verificar a sua autonomia, a sua confiança em si e nos outros, e a antecipação afectiva que pais e filho fazem da escola, as suas expectativas, alegrias e medos.
Os primeiros anos de escola são cruciais na carreira académica de um indivíduo e os pais podem ser ajudados a interagir com a escola, potenciando os efeitos benéficos de professores adequados ou reagindo aos efeitos deletérios da agressividade física ou emocional na escola.