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Parte III - Saúde e ambientes
3.4. Ambiente sócio-cultural
126. Problemas específicos do meio rural
Berta Nunes
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Nunes, Berta


A ruralidade tem sido definida utilizando indicadores diversos, em países diferentes tais como n.º de habitantes por aglomerado populacional, densidade populacional, distância aos grandes centros, tipo de actividades económicas, etc.. Em Portugal não se tem utilizado este conceito para agregar os indicadores estatísticos, pelo que é difícil caracterizar com precisão o conceito de rural.
No entanto o INE (Instituto Nacional de Estatística) definindo freguesias rurais como aquelas que têm menos de 2 000 habitantes, conclui que em Portugal 17% da população vive em áreas rurais, 27% em áreas suburbanas e 56% em áreas urbanas.
Na Europa, a Eurostat e a DGVI (Direcção Geral da Agricultura), definem como áreas rurais as que têm uma densidade populacional menor que 100 habitantes por quilómetro quadrado. De acordo com um estudo financiado pelo Biomed 2, a proporção de áreas rurais nos países europeus, usando esta definição varia entre 8.7 no reino Unido e 50.6 na Finlândia, sendo de 21.2 em Portugal.
O glossário internacional da WONCA para a Clínica Geral/Medicina de Família define Centro de Saúde Rural como aquele em que a maioria da população registada vive num aglomerado populacional menor que 2 000 habitantes.
As áreas rurais têm como características comuns o de serem pouco populosas, com uma população envelhecida, terem problemas de acessibilidade aos grandes centros, estando por isso relativamente isolados, com problemas de economia de escala que as tornam mais vulneráveis à perda de serviços importantes para a população, com economias instáveis com emigração frequente, dependentes da agricultura, turismo, extracção de minerais e actividades piscatórias.
Existem problemas particulares de pobreza nas zonas rurais e de uma forma geral o rendimento per capita é inferior ao das áreas urbanas sendo a taxa de desemprego superior.
Como a pobreza está fortemente associada com o aumento das necessidades de saúde, morbilidade e mortalidade, bem como com dificuldades de acesso aos serviços de saúde, estes factos podem acarretar um aumento de risco de adoecer e morrer em particular para os grupos mais vulneráveis como os idosos e as crianças.
Em Portugal a mais alta taxa de mortalidade infantil pertence aos distritos de Bragança e Vila Real (DEPS1995) distritos predominantemente rurais encontrando-se o número de partos sem assistência mais elevado nos mesmos distritos (DEPS1995).
A taxa de mortalidade geral em Portugal em 1995 segundo o mesmo organismo (DEPS) é maior nos distritos do interior marcadamente rurais e menor no litoral onde se situam os grandes aglomerados urbanos.
Deste modo para avaliar as necessidades de saúde nas áreas rurais deve-se ter em consideração a estrutura demográfica da população, os indicadores de mortalidade e morbilidade, os serviços de saúde existentes e os aspectos económicos da provisão dos serviços de saúde.
As zonas rurais no nosso país têm vindo a perder população e a envelhecer. Em 1995 as zonas rurais do interior tinham uma percentagem de população idosa (>65 anos) superior a 19% enquanto a percentagem média do continente era de 14.8%.
Esta estrutura demográfica contribui para uma maior sobrecarga de trabalho dos médicos rurais dado que os Clínicos Gerais têm listas com maior número de idosos, geralmente com maiores consumos em termos de saúde. Este facto pressupõe também maior necessidade de visitas domiciliárias dado que estes idosos têm muitas vezes limitações da mobilidade que dificultam a ida ao C. de Saúde. Dado o povoamento disperso da maior parte das zonas rurais o tempo que leva a fazer um domicílio é em regra superior ao das zonas urbanas. A dificuldade de acesso aos Hospitais Distritais e Centrais (devido às más estradas e às longas distâncias a percorrer) faz com que os Clínicos Gerais nas zonas rurais tenham de assumir mais responsabilidades nos cuidados de saúde que prestam, pelo que têm também consequentemente maiores e diferentes necessidades de formação.
Essas necessidades de formação não são de uma forma geral satisfeitas, no quadro actual, dadas as dificuldades de aceder à mesma pelas distâncias a percorrer e porque em regra há maiores dificuldades de intersubstituição entre médicos. Esta última dificuldade prende-se com o facto de os Clínicos Gerais rurais trabalharem em Centros de Saúde pequenos, com poucos médicos, e é agravada pelas dificuldades de recrutamento e retenção de médicos nas zonas rurais.
O grupo rural da WONCA, debruçando-se sobre os problemas de recrutamento de médicos (e outros profissionais de saúde) para as zonas rurais identificou as seguintes barreiras à fixação:

1. Ideia de que a medicina rural é uma medicina de segunda classe.
2. Muitos estudantes de medicina são oriundas de zonas urbanas e não têm experiência de viver e trabalhar no campo.
3. Pouca ou nenhuma exposição dos estudantes de medicina durante o curso e mais tarde no internato à medicina rural.
4. Maior isolamento profissional, falta de apoio e dificuldade na formação contínua e na progressão profissional.
5. Dificuldade em obter treino adequado para as várias tarefas do médico rural.
6. Baixo estatuto profissional do médico rural inter – pares.
7. Dificuldades no emprego do cônjuge e na educação dos filhos.

Para ultrapassar estes obstáculos, o grupo rural da WONCA propõe aumentar o número de estudantes de medicina oriundos das zonas rurais, aumentar a exposição dos estudantes e mais tarde dos internos ao trabalho nas áreas rurais, desenhar programas de treino e formação contínua que respondam às necessidades identificadas dos médicos rurais, criar posições académicas com suporte financeiro para os médicos/professores de áreas rurais de forma a encorajar o ensino e a investigação sobre temas rurais, melhorar as condições de trabalho e considerar o apoio às famílias dos médicos que trabalham em zonas rurais e isoladas e desenvolver e implementar estratégias para as zonas rurais com o apoio do governo central.

Em Portugal quase tudo está por fazer nestas áreas, mas existem já algumas iniciativas interessantes nomeadamente o programa “Contacto Rural” que pressupõe a exposição dos alunos do 6º ano da Faculdade de Medicina do Porto ao trabalho em Centros de Saúde rurais e a criação de uma Faculdade de Medicina que irá instalar-se numa zona rural do interior e que se ligará aos C. de Saúde dessa zona.
Em Portugal não existe uma estratégia global para melhorar o recrutamento e a retenção de médicos (e outros profissionais de saúde) nos meios rurais bem como melhorar os cuidados de saúde prestados à população, existindo um grupo de médicos rurais, apoiado pela Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, que trabalha este e outros temas ligados a esta problemática. Este é um tema de debate relativamente recente no nosso país e esperam-se desenvolvimentos futuros.
Assim, em suma alguns problemas específicos dos médicos nas zonas rurais prendem-se com:

1. Maior dificuldade de acesso das populações aos cuidados secundários o que obriga os Clínicos Gerais a um maior leque de competências e a assumir maiores responsabilidades profissionais muitas vezes em maior isolamento que os seus colegas urbanos.
2. Uma população mais envelhecida , que consome mais cuidados de saúde e obriga a um maior número de visitas domiciliárias para prestar um apoio adequado a este grupo etário.
3. Muitos C. de Saúde rurais têm serviço de urgência, 24 h o que obriga a que os Clínicos Gerais que aí trabalham tenham de estar preparados para atender casos graves e urgentes que embora raros, pressupõem formação adequada.
4. Os Clínicos Gerais têm também frequentemente de desempenhar um papel na área da saúde pública e saúde ocupacional sem formação específica nesta área.
5. Os médicos que trabalham em C. de Saúde rurais, oriundos das áreas urbanas, confrontam-se com culturas locais diferentes das deles próprios e têm de fazer um esforço adicional de integração e conhecimento da cultura local.
6. Os Clínicos Gerais rurais têm um estatuto elevado nas comunidades que servem, mas um baixo estatuto inter-pares em consequência do seu isolamento e da distância a que se encontram dos grandes centros onde se tomam as decisões.

Para alterar esta situação é necessário aumentar a visibilidade e dar voz aos médicos rurais, aumentar a qualidade da medicina nas zonas rurais, aumentar as oportunidades de formação sobre temas pertinentes para a prática rural e promover a investigação sobre temas rurais.
É urgente investir na Telemedicina e nas novas tecnologias de informação para diminuir o isolamento dos C. de Saúde rurais, bem como investimentos para desenvolver medicina de qualidades nestas zonas. A incapacidade para fornecer serviços de qualidade nas zonas rurais, contribuirá para o aumento da desertificação, pobreza e desigualdade destas zonas, pelo que promover a equidade e a qualidade dos cuidados nas zonas rurais deve ser uma prioridade.
1
Bibliografia
A Collaborative Study of Public Health and Health Services Issues in Rural Areas, Ceri Breeze et all, Biomed 2, 1999.

DEPS (Departamento de Estudos e Planeamento de Saúde) 1995, Ministério da Saúde

INE, DCI/serviços de Coordenação, Tipologia de Urbano/Rural(para fins estatísticos), Janeiro 1997.

Nunes Berta, Clínica Geral Rural e Urbana, Diferenças e Semelhanças, Revista Portuguesa de Clínica Geral, Abril 1998, vol.15, nº1:47-56

Policy on Training for Rural Practice, WONCA, 1995

Rural General Practitioner in the United Kingdom, Occasional Paper 71, Royal College of General Practitioners, 1995