1
Introdução
Hemorragia genital anormal é um sinal revelador de problema de
saúde da mulher, relativamente frequente na prática clínica
de um médico de família.
Define-se como uma perda hemorrágica por via vaginal, que não
ocorre na altura esperada, com intervalo inferior a vinte um dias ou superior
a trinta e seis dias (em relação à última
menstruação), que dura mais de sete dias e que surge em
grande quantidade (superior a 80 ml).
Este tipo de hemorragia tanto pode ocorrer em mulheres com ciclos ovulatórios
normais, como naquelas que têm ciclos anovulatórios. Neste
último caso, se a hemorragia ocorrer na ausência de lesão
anatómica designa-se de disfuncional.
Perante uma doente com este sinal, o objectivo inicial da avaliação
do médico de cuidados de saúde primários, é
o de distinguir entre uma doença funcional ou orgânica, o
que irá ser determinante na orientação e terapêutica
da mulher.
2
Fisiopatologia
e apresentação clínica
Hemorragia
menstrual normal
A menstruação é uma hemorragia uterina cíclica,
que aparece na mulher desde a menarca até à menopausa, como
resultado da desintegração e descamação do
endométrio, privado do suporte hormonal. Intervém neste
mecanismo complexo, o eixo hipotálamo-hipofise-ovário (Quadro
I)
6
Quadro
I
A
Menstruação Normal
|
A menstruação
é o resultado da interacção entre o hipotálamo,
a hipófise, os ovários e o endométrio. Em resposta
à gonadoliberina produzida no hipotálamo, a hipófise
sintetiza a gonadotrofina A («follicle stimulating hormone»
- FSH) e a gonadotrofina B («luteinizing hormone» - LH),
as quais vão determinar a produção pelo ovário
de estrógenos e progesterona. Durante a fase folicular (o tempo
de maturação e desenvolvimento folicular) num ciclo
ovulatório normal, a estimulação do endométrio
pelos estrógenos causa proliferação do estroma
e das glândulas e aumenta a espessura do endométrio.
Após a ovulação, a produção de
progesterona aumenta e inicia-se a fase luteínica. A progesterona
torna compacto o estroma endometrial e surgem alterações
na secreção das glândulas. Se não ocorrer
uma gravidez as secreções de estrógenos e progesterona
vão diminuindo. Há então descamação
do endométrio e ocorre a menstruação |
(Galle P. & McRae, M., 1994, p.15)
O ciclo menstrual
normal, varia entre vinte um a trinta e cinco dias, dura habitualmente
dois a seis dias (sendo o fluxo mais abundante nos três primeiros
dias) e o volume médio das perdas é de 20 a 60 ml. O intervalo
e a duração do ciclo menstrual diminuem à medida
que se aproxima a menopausa.
Na sequência de uma ovulação normal e a meio do ciclo,
pode ocorrer uma pequena hemorragia acompanhada de algias pélvicas.
Esta situação ocorre no contexto da ruptura e libertação
de um folículo e designa-se de «Mittelschmerz».
Hemorragia
anormal
As causas possíveis de hemorragia anormal são múltiplas
(Quadro II), variando de frequência consoante o grupo etário
em questão (Quadro III).
7
Quadro
II
Causas
de hemorragia vaginal anormal
|
Traumatismo
-Corpo estranho
-Traumatismo directo |
Inflamação
-Vulvite
-Vaginite
-Cervicite
-Endometrite |
Gravidez
-Gravidez Intra-uterina
-Gravidez ectópica
-Aborto
-Doença trofoblástica gestacional |
Coagulopatia
-Trombocitopenia
-Leucemia
-Doença de von Willerbrand |
Anomalia
anatómica
-Lesão benigna
-Pólipo cervical
-Pólipo de endométrio
-Fibromioma |
Alterações
hormonais (ciclos anovulatórios)
-Disfunção/ tumor do ovário
-Disfunção/ tumor da supra-renal
-Hipertiroidismo
-Hipotiroidismo
-Hiperprolactinemia
-Doença de Cushing |
Neoplasia
maligna
-Vulvar
-Vaginal
-Cervical
-Endometrial
-Tubária
-Ovárica |
Doença
sistémica
-Renal
-Hepática |
(Galle
P. & McRae, M., 1994, p.17)
8
Quadro
III
Causas
mais frequentes de hemorragia segundo o grupo etário
|
Adolescentes |
Idade
Fértil |
Perimenopausa |
Posmenopausa |
Anovulação
Gravidez
Terapêutica Hormonal
Coagulopatia |
Gravidez
Anovulação
Terapêutica Hormonal
Fibromiomas
Pólipo cervical
Pólipo endometrial
Disfunção tiroideia |
Anovulação
Fibromiomas
Pólipo cervical
Pólipo endometrial
Disfunção tiroideia |
Lesões
endometriais (Cancro do endométrio)
Terapêutica hormonal
Vaginite atrófica
Tumores da vulva, vagina e colo |
(Hillard PA.1996, p. 333)
Hemorragia
com ciclos anovulatórios
A hemorragia com ciclos anovulatórios surge mais frequentemente
nos grupos etários extremos da vida fértil. Cerca de 20%
ocorre em adolescentes (puberdade) ou então em mulheres
com mais de quarenta anos (perimenopáusicas).
Este tipo de hemorragia é habitualmente manifestação
de perturbação do funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-ovário,
devendo ser a nossa principal causa de preocupação, o efeito
da estimulação crónica dos estrógenos, a nível
do endométrio, sem que haja oposição pela progesterona.
Doenças como a diabetes, o hipotiroidismo, o hipertiroidismo e
a disfunção hepática podem estar associadas a anovulação.
Os padrões de hemorragia associados com a anovulação
crónica, compreendem as metrorragias, as menometrorragias, a oligomenorreia
e a amenorreia (Quadro IV).
9
Quadro
IV
Tipos
de Hemorragia Uterina Anormal
|
Menorragia
Hemorragia uterina abundante e prolongada que ocorre com intervalos
regulares |
Polimenorreia
Hemorragia que aparece com intervalos regulares inferiores a vinte
e um dias |
Metrorragia
Hemorragia uterina acíclica, e irregular que surge sem intervalos
regulares |
Oligomenorreia
Hemorragia com intervalos variáveis desde trinta e seis dias
até seis meses |
Menometrorragia
Hemorragia uterina excessiva que ocorre com intervalos irregulares |
Amenorreia
Ausência de menstruação durante seis meses ou
por mais de três ciclos menstruais normais da doente |
Hemorragia
intermenstrual
Hemorragia que surge entre períodos menstruais regulares |
(Galle
P. & McRae, M., 1994, p.16)
Puberdade
- nos dois primeiros anos a seguir à menarca, é frequente
as jovens queixarem-se de hemorragias com um padrão muito irregular.
Na sua origem está uma imaturidade do mecanismo de retro-controlo
positivo, responsável pelo pico de LH a meio do ciclo. Os níveis
de estrógenos são altos, frenando a produção
de LH e consequente ovulação.
É principalmente neste grupo etário, que se encontram situações,
que podem estar associadas a anovulação e a hemorragias
anormais, tais como anorexia e bulimia nervosa, o exercício físico
intenso, stress, álcool e outras drogas.
Hemorragia
perimenopáusica - devido à diminuição
do número de folículos ováricos, deixa de existir
uma produção suficiente de estrógenos, para desencadear
o pico de LH e consequente ovulação. Na ausência de
produção adequada de progesterona, ocorre o fenómeno
de privação. Estas hemorragias irregulares podem persistir
durante meses ou mesmo anos, cessando quando termina a produção
de estrógenos.
Ainda dentro do grupo, uma chamada particular de atenção,
para aquelas mulheres em fase pós menopausa, e que durante anos
tiveram hemorragias com ciclos anovulatórios. São mulheres
cujo endométrio, esteve sujeito a uma estimulação
crónica pelos estrógenos. Esta estimulação
conduz inicialmente a uma hiperplasia adenomatosa, posteriormente ao aparecimento
de atipias celulares e finalmente ao carcinoma do endométrio.
Síndroma
do ovário poliquístico - representa uma das etiologias
mais frequentes, da hemorragia anovulatória crónica. As
doentes referem irregularidades menstruais e por vezes hirsutismo, obesidade,
amenorreia e infertilidade. Na origem destas queixas estão, alterações
do ciclo hipotalâmico que vão determinar uma produção
de testosterona e androstenediona pelos ovários. Parte destes androgénios
é convertida em estrona, a qual ao estimular a proliferação
do endométrio, origina as irregularidades da hemorragia. Estes
distúrbios dos androgénios, originam uma predisposição
destas mulheres para a diabetes (Insulinoresistência), cancro do
endométrio e doenças cerebrovasculares.
Gravidez
Na mulher em idade fértil, a gravidez é uma das causas mais
frequentes de hemorragia uterina anormal. Esta pode aparecer associada
a gravidez uterina, ectópica, a um aborto ou a doença trofoblástica
da gravidez.
Terapêutica hormonal - anticonceptivos orais
A esta terapêutica estão normalmente associadas hemorragias
de privação, originadas por dose insuficiente de estrógenos,
ou não cumprimento da toma do medicamento.
Terapêutica
hormonal - terapêutica hormonal de substituição
Nos regimes com progestativos cíclicos, a hemorragia de privação
é normal e esperada, devendo ocorrer, durante o período
de interrupção do progestativo.
O mesmo já não acontece, com as metrorragias que aparecem
fora do período anteriormente referido. A sua ocorrência
pode ser devida ao não cumprimento ou atraso na toma do medicamento,
mas é fundamental excluir uma causa orgânica.
As metrorragias que aparecem durante a primeira metade do ciclo terapêutico
(fase estrogénica), estão com maior frequência relacionadas,
com patologia atípica do endométrio, do que aquelas que
aparecem na segunda metade do ciclo (fase progestagénica).
Nos regimes estroprogestativos contínuos, metrorragias que surjam
seis ou mais meses depois do início do tratamento, devem ser estudadas
criteriosamente.
Fibromiomas
uterinos
Os Fibromiomas uterinos são uma das causas mais frequentes
da hemorragia vaginal anormal, sendo responsáveis por cerca de
um terço delas. A sua localização é mais importante
que a sua dimensão, pelo que os fibromiomas da sub-mucosa, ao alterarem
a cavidade uterina e perturbarem a irrigação do endométrio,
associam-se mais vezes a este tipo de hemorragia, que os intra-murais.
Pólipos
cervicais e do endométrio
Os pólipos cervicais e do endométrio são outra
das causas encontradas. Os primeiros, são frequentemente visíveis
ao nível da abertura do colo, sendo eritematosos, friáveis
e indolores, podendo quase sempre ser extraídos no momento da sua
observação. Originam, habitualmente, coitorragias ou hemorragia
intermenstrual. Os pólipos do endométrio são frequentes
na menopausa, têm normalmente dimensões reduzidas e são
assintomáticos. Podem ser únicos ou múltiplos, e
quando necrosam, ulceram e dão origem a hemorragia intermenstrual,
coitorragias e menorragias. O seu diagnóstico baseia-se na observação
através da histeroscopia.
Doença
inflamatória pélvica
A doença inflamatória pélvica, habitualmente
caracterizada por febre, algias pélvicas e corrimento vaginal,
pode originar coitorragias, hemorragia intermenstrual ou hemorragia menstrual
excessiva. As queixas referidas surgem no contexto de cervicite, endometrite
ou salpingite.
Dispositivos
intra-uterinos
Os dispositivos intra-uterinos (DIU) por provocarem alterações
na superfície do endométrio podem provocar menorragias ou
hemorragia intermenstrual.
Carcinoma
do colo do útero e do endométrio
Em relação às etiologias malignas da hemorragia vaginal
anormal, uma referência particular ao carcinoma do colo do útero
e do endométrio. O primeiro está apenas na origem de 3%
do total das hemorragias. As coitorragias e o «spotting»,
são sinais característicos da existência de ulcerações,
que podem ocorrer em estádios mais precoces e que devem ser valorizados.
O rastreio desta neoplasia, é uma prioridade a nível dos
cuidados de saúde primários.
O carcinoma do endométrio surge normalmente em mulheres pós-menopáusicas
(apenas 20% estão associados a mulheres que ainda menstruam), podendo
as doentes referir perdas hemorrágicas mais abundantes que o habitual,
ou um corrimento aquoso com pequena quantidade de sangue.
3
Diagnóstico
diferencial
As causas da hemorragia vaginal anormal são múltiplas, como
se pode observar no Quadro II.
Perante uma doente com este sinal e após a exclusão da existência
de corpo estranho ou traumatismo, devemos basear o diagnóstico
diferencial na etiologia ovulatória, anovulatória ou gravídica.
As jovens que iniciam a puberdade e as mulheres perimenopáusicas,
com queixas de menstruações irregulares, terão certamente
uma hemorragia disfuncional (anovulatória). Numa mulher em idade
fértil, há que numa primeira fase excluir uma gravidez e
verificar se existe ou não ovulação. Habitualmente
estaremos perante uma perturbação anovulatória, mas
a patologia pélvica e a neoplasia são também hipóteses
a considerar. Em mulheres pós-menopáusicas, a maior parte
das hemorragias são originadas por fibromiomas uterinos, sendo
o cancro do endométrio responsável por 25% das hemorragias.
4
Avaliação
Anamnese
Perante uma mulher com uma hemorragia vaginal anormal é fundamental
a colheita completa dos dados clínicos da doente. É imprescindível,
obter uma informação cuidada e pormenorizada do ciclo menstrual
normal (duração, frequência e intensidade das perdas),
e tentar perceber, como é que a doente compara com as perdas habituais,
a hemorragia presente.
Devem ser questionados dados, que nos possam orientar para o despiste
de doenças sistémicas, em especial as da tiroideia, do rim,
do fígado, bem como manifestações das coagulopatias.
Outra questão a não esquecer é inquirir a doente
sobre a ingestão de anticoagulantes ou de drogas que possam originar
hiperprolactinemia (antidepressivos e a-metildopa). Se os anticonceptivos
orais ou a terapêutica hormonal de substituição estiverem
a ser utilizados, deve-se prestar atenção à dose
de estrógenos administrada, e à regularidade das tomas,
visto a hemorragia em questão, poder ser de privação.
Questões sobre a existência de coitorragias, dispareunia,
corrimento vaginal, febre, dores pélvicas, traumatismo e utilização
do DIU, devem também ser colocadas. Não esquecer nunca os
factores de risco para o carcinoma do colo e do endométrio.
Se a mulher estiver em idade fértil, é importante ser questionada,
sobre a existência de relações sexuais não
protegidas, e de queixas que nos possam fazer suspeitar de uma gravidez,
tais como enjoos matinais e ingurgitamento mamário.
Se os períodos menstruais se mantiverem regulares, apesar de se
verificar um aumento da intensidade ou duração das perdas,
ou ainda se houver referência a perdas inter-menstruais, então
é provável estarmos perante uma hemorragia com ciclos ovulatórios.
A favor desta etiologia teremos também sintomatologia pré-menstrual
como algias pélvicas, tensão mamária edemas e alterações
do humor.
Quando a hemorragia tiver características anovulatórias
(irregularidade das perdas ou mesmo períodos de amenorreia), queixas
de infertilidade hirsutismo e obesidade, podem fazer-nos suspeitar da
existência de ovários poliquísticos. Perante uma história
de hirsutismo, virilização e infertilidade, devemos colocar
a hipótese de hiperandrogenismo. Se estas queixas surgiram subitamente,
podemos estar perante um tumor funcionante produtor de androgénios,
com a localização nas supra-renais ou ovários. O
aspecto cushingóide e a galactorreia sugerem um aumento do cortisol
e prolactina.
Exame
objectivo
Além de um exame geral cuidado, é essencial o exame ginecológico
para despistar a existência de erosão, friabilidade da mucosa
vaginal, cervical, massas anexiais, uterinas, dor localizada e leucorreia.
Nas mulheres em idade fértil, sinais como ingurgitamento mamário,
aumento da pigmentação areolar, congestão do colo
e aumento de dimensões uterinas, são sugestivos de gravidez.
Sinais tais como equimoses, petéquias, esplenomegalia, podem-nos
fazer suspeitar da existência de diátese hemorrágica.
Sinais como hirsutismo, virilização, galactorreia, bócio,
pele seca, cabelo quebradiço, lentificação de reflexos
e aspecto cushingóide podem-nos pôr na pista de uma hemorragia
com causa anovulatória.
Se se suspeitar da existência de um adenoma hipofisário a
realização de uma campimetria visual é importante.
Exames
complementares de diagnóstico
Numa abordagem inicial, de qualquer tipo de hemorragia vaginal anormal,
os exames a pedir serão o hemograma, para a determinação
da hemoglobina, do hematócrito e das plaquetas. Por vezes, se a
história clínica for sugestiva, pedir um estudo mais completo
da coagulação (tempo de hemorragia, tempo de protrombina
e tempo parcial de tromboplastina). Nas mulheres em idade fértil,
não esquecer nunca a possibilidade da existência de uma gravidez,
pelo que deverá também ser solicitado, o doseamento da subunidade
b da gonadotrofina coriónica (b-HCG), por ser o exame mais sensível.
Caso esteja indicado deverá fazer-se o estudo da função
hepática e renal.
Se houver queixas de leucorreia, e no exame objectivo se tiver constatado
dor à mobilização do colo e áreas anexiais
é obrigatório a realização de um exsudado
cervico-vaginal e da velocidade de sedimentação.
Dentro dos exames laboratoriais, e perante uma doente com ciclos anovulatórios,
a avaliação hormonal, pode ainda ser solicitada pelo médico
de família. No período perimenopáusico o doseamento
da FSH pode ser diagnóstico. Se o valor for superior a 40 UI/ml,
é eminente a falência ovárica. Perante a hipótese
de diagnóstico de síndroma do ovário poliquístico
a relação LH/FSH superior a 2.1 é característica.
Quando no exame objectivo se detectaram sinais de hirsutismo ou virilização,
podemos também solicitar o doseamento da testosterona. Se o valor
for superior a 600 nmol/l (190 ng/ml) e o aparecimento daqueles sinais
tiver sido súbito, é obrigatório o rastreio de um
tumor funcionante do ovário ou da supra-renal. Neste caso o valor
da 17-hidroxiprogesterona é determinante para o diagnóstico.
Se o valor da testosterona estiver aumentado, e for superior a 350 nmol/l
(100 ng/ml), pedir o doseamento da insulina sérica em jejum, porque
se pode detectar uma insulinoresistência (> 180 p mol/l).
Os exames para verificar a existência de ovulação,
incluem a medição da temperatura basal, o doseamento da
progesterona sérica, uma semana antes da data prevista para o início
do ciclo menstrual e uma biopsia do endométrio a realizar antes
do início da menstruação, para se observar a actividade
secretória do endométrio
Note-se que estes exames ultrapassam muitas vezes a avaliação
em cuidados de saúde primários.
A colpocitologia
é também um exame muito útil, principalmente naquelas
mulheres em que o exame ginecológico nos revelou alterações
do colo, ou naquelas mulheres que na história clínica apresentem
factores de risco para a neoplasia do colo do útero.
O pedido da realização de uma ecografia pélvica,
principalmente a realizada com sonda vaginal, será ainda um auxiliar
precioso.
A biopsia, a curetagem ou a aspiração do endométrio,
ou ainda a curetagem do endocolo, são muitas vezes necessários
para o diagnóstico das causas de hemorragia. Estes e outros métodos
invasivos de diagnóstico (colposcopia, histeroscopia, histerossalpingografia
e laparoscopia), não são passíveis de serem realizados
a nível dos cuidados de saúde primários.
5
Terapêutica
A abordagem terapêutica de uma hemorragia vaginal anormal, depende
como é óbvio da causa que lhe está subjacente. Quando
a hemorragia tem uma causa orgânica, a natureza desta determina
o tratamento a efectuar, devendo factores como o stress, o exercício
físico intenso, perda acentuada de peso e outros, serem corrigidos
para se obter sucesso terapêutico.
O nosso objectivo, será parar a hemorragia, corrigir a anemia,
caso exista, prevenir futuros episódios e complicações
à distância.
Nas mulheres em idade fértil, antes de se iniciar qualquer tratamento,
deve ser excluída, obrigatoriamente, a existência de uma
gravidez. Não devemos também, iniciar terapêutica
nas mulheres perimenopáusicas com uma hemorragia disfuncional,
sem antes ser efectuada uma curetagem ou uma biopsia do endométrio.
A abordagem terapêutica de uma hemorragia vaginal anormal, pode
ser médica ou cirúrgica.
Terapêutica
médica
Hemorragia
anovulatória crónica - Uma adolescente, ou uma mulher em
idade reprodutiva, com uma hemorragia anovulatória crónica,
tem indicação para efectuar terapêutica hormonal com
um anticonceptivo oral combinado, cujo conteúdo de estrógenos
seja de 35 mg. Na sequência de uma hemorragia fará um comprimido
três vezes ao dia durante sete dias. Com este tratamento, a hemorragia
provavelmente irá desaparecer, ao fim de 12 a 24 horas, surgindo
mais abundante no final desta terapêutica. Após um intervalo
de 7 dias sem qualquer tratamento a doente deverá iniciar um ciclo
de 21 dias com um comprimido diário. Este tratamento, deverá
ser mantido durante 3 a 6 meses, findo os quais a mulher deverá
ser reavaliada. Em alternativa a esta terapêutica, e principalmente
nas mulheres perimenopáusicas, que tenham contra-indicações
para o uso da pílula (fumadoras e risco cardiovascular), a hemorragia
anovulatória crónica pode ser tratada, com ciclos de medroxiprogesterona
na dose de 10 mg/dia, nos últimos 10 a 12 dias de cada mês.
Durante este tratamento, e particularmente nas mulheres jovens, as ovulações
podem recomeçar, pelo que periodicamente se deve suspender a terapêutica
durante um a dois meses, para averiguar o reinício dos ciclos normais.
As doentes com actividade sexual, devem ser informadas da necessidade
de utilização de meios anticoncepcionais alternativos se
não desejarem engravidar.
Mulheres que apresentem este tipo de hemorragia, e desejem engravidar,
recomenda-se a terapêutica com um agente estimulante da ovulação,
como o citrato de clomifeno.
Hemorragia
anovulatória aguda - Se a hemorragia for aguda, a dose de medroxiprogesterona
a administrar será de 10 mg/dia durante 10 dias ou uma dose única
de 100 mg de progesterona por via IM. A hemorragia deverá cessar
24 a 48 horas após o início da terapêutica, e deverá
haver fluxo menstrual quando se completam os 10 dias de terapêutica.
Hemorragia
com ciclos ovulatórios - Neste caso o tratamento médico,
pode ser feito ciclicamente com anticonceptivos orais, progestagénios,
análogos da GnRH, androgénios, inibidores da síntese
das prostaglandinas e agentes anti-fibrinolíticos.
Anticonceptivos
orais - Existem várias formulações no mercado,
estando esta terapêutica mais indicada para as mulheres em idade
fértil. São fáceis de ser utilizados, não
são caros e são normalmente bem tolerados. Têm como
efeitos secundários, náuseas, vómitos, distensão
abdominal, alterações do peso e do cabelo.
Progestagénios
- Entre outros a medroxiprogesterona pode ser utilizada na dose de 10
a 20 mg/dia desde o 16º ao 25º dia do ciclo menstrual. É
uma terapêutica barata, mas que obriga à utilização
de outros métodos anticonceptivos, se a mulher não desejar
engravidar. Tem como efeitos acessórios, o aumento de peso, náuseas,
distensão abdominal, alterações do humor, ansiedade
e depressão.
Análogos
da GnRH - Actuam reduzindo os níveis de estrogénios,
e utilizam-se na dose de 3,6 miligramas por via subcutânea, todos
os 28 dias. É uma terapêutica ainda pouco estudada, e à
sua utilização prolongada, associa-se amenorreia e hipoestrogenismo.
Estes efeitos, condicionam o aparecimento de osteoporose e de queixas
semelhantes ás verificadas no climatério. Para contrariar
este efeito, pode-se utilizar ciclicamente estrógenos, o que no
entanto vai encarecer ainda mais a terapêutica.
Androgénios
- O danazol é um androgénio sintético, que actua
suprimindo a ovulação e inibindo a síntese e libertação
da LH e FSH. É habitualmente usado, na dose de 100 a 200 mg/dia
durante 2 a 3 meses. É uma terapêutica cara, que pode originar
queixas gastrointestinais, cefaleias, alterações do peso,
acne, hirsutismo, alterações da voz, diminuição
da libido, vaginite atrófica, afrontamentos, cãibras, edema
e «spotting».
Inibidores
da síntese das prostaglandinas - A concentração de
PGE2 e PGF2a , aumenta progressivamente no endométrio durante o
ciclo menstrual. O seu papel sobre a vascularização do endométrio
é bem conhecida, o mesmo não se poderá dizer sobre
a repercussão que têm sobre a homeostase do endométrio.
Pensa-se que estas drogas actuam alterando o balanço entre TxA2
(Vasoconstritor pro-agregante plaquetário), e PGI2 (vasodilatador
e anti-angregante plaquetário), condicionando desta forma a agregação
e desgranulação plaquetária, e aumentando a vasoconstrição
uterina em mulheres com menorragia.
Esta terapêutica visa, não só a diminuição
das perdas (estando descritas reduções na ordem dos 20%
a 40%), como também o alívio da dismenorreia. É uma
terapêutica útil e de primeira linha nas menorragias, associadas
aos dispositivos intra-uterinos (DIU).
As drogas que se podem utilizar, são a indometacina, o ibuprofeno,
ou naproxeno, mas a mais estudada tem sido o ácido mefenâmico.
A dose habitual é de 500 mg três vezes ao dia, com início
no 1º dia da menstruação até as hemorragias
desaparecerem. Os efeitos secundários mais comuns são os
gastrointestinais, estando contra-indicados na insuficiência renal
e na doença péptica.
Agentes
anti-fibrinolíticos - Terapêutica que pode ser utilizada
quando o tratamento com estrógenos e progestagénios está
contra-indicada, ou não está a ser eficaz. Pode reduzir
as perdas, em cerca de 50% durante o tratamento. O ácido tranexânico
é o produto mais estudado, principalmente na Grã-Bretanha,
utilizando-se na dose de 1,5 mg três vezes ao dia durante 3 dias.
Esta terapêutica está contra-indicada nas mulheres com trombo
embolismo.
Tratamento
cirúrgico
O tratamento cirúrgico, está apenas indicado nos
casos em que a terapêutica médica falhou e também
naquelas mulheres em que não se coloca a questão da fertilidade
no futuro. A histerectomia é a cirurgia tradicionalmente utilizada.
Actualmente e em alternativa, pode fazer-se a ablação do
endométrio utilizando o laser. Esta técnica tem como complicações,
a perfuração do útero, a hemorragia e problemas relacionados
com a absorção dos meios de distensão uterina.
10
Casos
a referenciar
Toda a mulher que apresente hemorragia abundante, com sinais de depleção
do volume intravascular, suspeita de gravidez, gravidez ectópica,
aborto recente, tem indicação absoluta para ser referenciada
para instituição hospitalar.
Mulheres com hemorragia anormal, nas quais o exame ginecológico
detectou uma massa, a colpocitologia esteja anormal, apresentem factores
de risco para o carcinoma do colo e do endométrio e estejam no
período peri e pós-menopáusico, devem ser referenciadas
para a consulta de ginecologia.
11
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Weissman
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women. American Family Phisician. 1998; 53 (6); 2065-2072.
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