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Parte IV – Problemas clínicos
4.10. Abordagem da mulher com problemas da mama e aparelho genital
334. Hemorragia genital anormal
Maria Luísa Araújo
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Pisco, Ana Maria

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Introdução

Hemorragia genital anormal é um sinal revelador de problema de saúde da mulher, relativamente frequente na prática clínica de um médico de família.
Define-se como uma perda hemorrágica por via vaginal, que não ocorre na altura esperada, com intervalo inferior a vinte um dias ou superior a trinta e seis dias (em relação à última menstruação), que dura mais de sete dias e que surge em grande quantidade (superior a 80 ml).
Este tipo de hemorragia tanto pode ocorrer em mulheres com ciclos ovulatórios normais, como naquelas que têm ciclos anovulatórios. Neste último caso, se a hemorragia ocorrer na ausência de lesão anatómica designa-se de disfuncional.
Perante uma doente com este sinal, o objectivo inicial da avaliação do médico de cuidados de saúde primários, é o de distinguir entre uma doença funcional ou orgânica, o que irá ser determinante na orientação e terapêutica da mulher.
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Fisiopatologia e apresentação clínica

Hemorragia menstrual normal
A menstruação é uma hemorragia uterina cíclica, que aparece na mulher desde a menarca até à menopausa, como resultado da desintegração e descamação do endométrio, privado do suporte hormonal. Intervém neste mecanismo complexo, o eixo hipotálamo-hipofise-ovário (Quadro I)

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Quadro I

A Menstruação Normal
A menstruação é o resultado da interacção entre o hipotálamo, a hipófise, os ovários e o endométrio. Em resposta à gonadoliberina produzida no hipotálamo, a hipófise sintetiza a gonadotrofina A («follicle stimulating hormone» - FSH) e a gonadotrofina B («luteinizing hormone» - LH), as quais vão determinar a produção pelo ovário de estrógenos e progesterona. Durante a fase folicular (o tempo de maturação e desenvolvimento folicular) num ciclo ovulatório normal, a estimulação do endométrio pelos estrógenos causa proliferação do estroma e das glândulas e aumenta a espessura do endométrio. Após a ovulação, a produção de progesterona aumenta e inicia-se a fase luteínica. A progesterona torna compacto o estroma endometrial e surgem alterações na secreção das glândulas. Se não ocorrer uma gravidez as secreções de estrógenos e progesterona vão diminuindo. Há então descamação do endométrio e ocorre a menstruação

(Galle P. & McRae, M., 1994, p.15)

O ciclo menstrual normal, varia entre vinte um a trinta e cinco dias, dura habitualmente dois a seis dias (sendo o fluxo mais abundante nos três primeiros dias) e o volume médio das perdas é de 20 a 60 ml. O intervalo e a duração do ciclo menstrual diminuem à medida que se aproxima a menopausa.
Na sequência de uma ovulação normal e a meio do ciclo, pode ocorrer uma pequena hemorragia acompanhada de algias pélvicas. Esta situação ocorre no contexto da ruptura e libertação de um folículo e designa-se de «Mittelschmerz».

Hemorragia anormal
As causas possíveis de hemorragia anormal são múltiplas (Quadro II), variando de frequência consoante o grupo etário em questão (Quadro III).

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Quadro II

Causas de hemorragia vaginal anormal
Traumatismo
-Corpo estranho
-Traumatismo directo
Inflamação
-Vulvite
-Vaginite
-Cervicite
-Endometrite
Gravidez
-Gravidez Intra-uterina
-Gravidez ectópica
-Aborto
-Doença trofoblástica gestacional
Coagulopatia
-Trombocitopenia
-Leucemia
-Doença de von Willerbrand
Anomalia anatómica
-Lesão benigna
-Pólipo cervical
-Pólipo de endométrio
-Fibromioma
Alterações hormonais (ciclos anovulatórios)
-Disfunção/ tumor do ovário
-Disfunção/ tumor da supra-renal
-Hipertiroidismo
-Hipotiroidismo
-Hiperprolactinemia
-Doença de Cushing
Neoplasia maligna
-Vulvar
-Vaginal
-Cervical
-Endometrial
-Tubária
-Ovárica
Doença sistémica
-Renal
-Hepática

(Galle P. & McRae, M., 1994, p.17)

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Quadro III

Causas mais frequentes de hemorragia segundo o grupo etário
Adolescentes Idade Fértil Perimenopausa Posmenopausa
Anovulação
Gravidez
Terapêutica Hormonal
Coagulopatia
Gravidez
Anovulação
Terapêutica Hormonal
Fibromiomas
Pólipo cervical
Pólipo endometrial
Disfunção tiroideia
Anovulação
Fibromiomas
Pólipo cervical
Pólipo endometrial
Disfunção tiroideia
Lesões endometriais (Cancro do endométrio)
Terapêutica hormonal
Vaginite atrófica
Tumores da vulva, vagina e colo

(Hillard PA.1996, p. 333)

Hemorragia com ciclos anovulatórios
A hemorragia com ciclos anovulatórios surge mais frequentemente nos grupos etários extremos da vida fértil. Cerca de 20% ocorre em adolescentes (puberdade) ou então em mulheres com mais de quarenta anos (perimenopáusicas).
Este tipo de hemorragia é habitualmente manifestação de perturbação do funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, devendo ser a nossa principal causa de preocupação, o efeito da estimulação crónica dos estrógenos, a nível do endométrio, sem que haja oposição pela progesterona.
Doenças como a diabetes, o hipotiroidismo, o hipertiroidismo e a disfunção hepática podem estar associadas a anovulação.
Os padrões de hemorragia associados com a anovulação crónica, compreendem as metrorragias, as menometrorragias, a oligomenorreia e a amenorreia (Quadro IV).

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Quadro IV

Tipos de Hemorragia Uterina Anormal
Menorragia
Hemorragia uterina abundante e prolongada que ocorre com intervalos regulares
Polimenorreia
Hemorragia que aparece com intervalos regulares inferiores a vinte e um dias
Metrorragia
Hemorragia uterina acíclica, e irregular que surge sem intervalos regulares
Oligomenorreia
Hemorragia com intervalos variáveis desde trinta e seis dias até seis meses
Menometrorragia
Hemorragia uterina excessiva que ocorre com intervalos irregulares
Amenorreia
Ausência de menstruação durante seis meses ou por mais de três ciclos menstruais normais da doente
Hemorragia intermenstrual
Hemorragia que surge entre períodos menstruais regulares

(Galle P. & McRae, M., 1994, p.16)

Puberdade - nos dois primeiros anos a seguir à menarca, é frequente as jovens queixarem-se de hemorragias com um padrão muito irregular. Na sua origem está uma imaturidade do mecanismo de retro-controlo positivo, responsável pelo pico de LH a meio do ciclo. Os níveis de estrógenos são altos, frenando a produção de LH e consequente ovulação.
É principalmente neste grupo etário, que se encontram situações, que podem estar associadas a anovulação e a hemorragias anormais, tais como anorexia e bulimia nervosa, o exercício físico intenso, stress, álcool e outras drogas.

Hemorragia perimenopáusica - devido à diminuição do número de folículos ováricos, deixa de existir uma produção suficiente de estrógenos, para desencadear o pico de LH e consequente ovulação. Na ausência de produção adequada de progesterona, ocorre o fenómeno de privação. Estas hemorragias irregulares podem persistir durante meses ou mesmo anos, cessando quando termina a produção de estrógenos.
Ainda dentro do grupo, uma chamada particular de atenção, para aquelas mulheres em fase pós menopausa, e que durante anos tiveram hemorragias com ciclos anovulatórios. São mulheres cujo endométrio, esteve sujeito a uma estimulação crónica pelos estrógenos. Esta estimulação conduz inicialmente a uma hiperplasia adenomatosa, posteriormente ao aparecimento de atipias celulares e finalmente ao carcinoma do endométrio.

Síndroma do ovário poliquístico - representa uma das etiologias mais frequentes, da hemorragia anovulatória crónica. As doentes referem irregularidades menstruais e por vezes hirsutismo, obesidade, amenorreia e infertilidade. Na origem destas queixas estão, alterações do ciclo hipotalâmico que vão determinar uma produção de testosterona e androstenediona pelos ovários. Parte destes androgénios é convertida em estrona, a qual ao estimular a proliferação do endométrio, origina as irregularidades da hemorragia. Estes distúrbios dos androgénios, originam uma predisposição destas mulheres para a diabetes (Insulinoresistência), cancro do endométrio e doenças cerebrovasculares.

Gravidez
Na mulher em idade fértil, a gravidez é uma das causas mais frequentes de hemorragia uterina anormal. Esta pode aparecer associada a gravidez uterina, ectópica, a um aborto ou a doença trofoblástica da gravidez.

Terapêutica hormonal - anticonceptivos orais
A esta terapêutica estão normalmente associadas hemorragias de privação, originadas por dose insuficiente de estrógenos, ou não cumprimento da toma do medicamento.

Terapêutica hormonal - terapêutica hormonal de substituição
Nos regimes com progestativos cíclicos, a hemorragia de privação é normal e esperada, devendo ocorrer, durante o período de interrupção do progestativo.
O mesmo já não acontece, com as metrorragias que aparecem fora do período anteriormente referido. A sua ocorrência pode ser devida ao não cumprimento ou atraso na toma do medicamento, mas é fundamental excluir uma causa orgânica.
As metrorragias que aparecem durante a primeira metade do ciclo terapêutico (fase estrogénica), estão com maior frequência relacionadas, com patologia atípica do endométrio, do que aquelas que aparecem na segunda metade do ciclo (fase progestagénica).
Nos regimes estroprogestativos contínuos, metrorragias que surjam seis ou mais meses depois do início do tratamento, devem ser estudadas criteriosamente.

Fibromiomas uterinos
Os Fibromiomas uterinos são uma das causas mais frequentes da hemorragia vaginal anormal, sendo responsáveis por cerca de um terço delas. A sua localização é mais importante que a sua dimensão, pelo que os fibromiomas da sub-mucosa, ao alterarem a cavidade uterina e perturbarem a irrigação do endométrio, associam-se mais vezes a este tipo de hemorragia, que os intra-murais.

Pólipos cervicais e do endométrio
Os pólipos cervicais e do endométrio são outra das causas encontradas. Os primeiros, são frequentemente visíveis ao nível da abertura do colo, sendo eritematosos, friáveis e indolores, podendo quase sempre ser extraídos no momento da sua observação. Originam, habitualmente, coitorragias ou hemorragia intermenstrual. Os pólipos do endométrio são frequentes na menopausa, têm normalmente dimensões reduzidas e são assintomáticos. Podem ser únicos ou múltiplos, e quando necrosam, ulceram e dão origem a hemorragia intermenstrual, coitorragias e menorragias. O seu diagnóstico baseia-se na observação através da histeroscopia.

Doença inflamatória pélvica
A doença inflamatória pélvica, habitualmente caracterizada por febre, algias pélvicas e corrimento vaginal, pode originar coitorragias, hemorragia intermenstrual ou hemorragia menstrual excessiva. As queixas referidas surgem no contexto de cervicite, endometrite ou salpingite.

Dispositivos intra-uterinos
Os dispositivos intra-uterinos (DIU) por provocarem alterações na superfície do endométrio podem provocar menorragias ou hemorragia intermenstrual.

Carcinoma do colo do útero e do endométrio
Em relação às etiologias malignas da hemorragia vaginal anormal, uma referência particular ao carcinoma do colo do útero e do endométrio. O primeiro está apenas na origem de 3% do total das hemorragias. As coitorragias e o «spotting», são sinais característicos da existência de ulcerações, que podem ocorrer em estádios mais precoces e que devem ser valorizados. O rastreio desta neoplasia, é uma prioridade a nível dos cuidados de saúde primários.
O carcinoma do endométrio surge normalmente em mulheres pós-menopáusicas (apenas 20% estão associados a mulheres que ainda menstruam), podendo as doentes referir perdas hemorrágicas mais abundantes que o habitual, ou um corrimento aquoso com pequena quantidade de sangue.
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Diagnóstico diferencial

As causas da hemorragia vaginal anormal são múltiplas, como se pode observar no Quadro II.
Perante uma doente com este sinal e após a exclusão da existência de corpo estranho ou traumatismo, devemos basear o diagnóstico diferencial na etiologia ovulatória, anovulatória ou gravídica.
As jovens que iniciam a puberdade e as mulheres perimenopáusicas, com queixas de menstruações irregulares, terão certamente uma hemorragia disfuncional (anovulatória). Numa mulher em idade fértil, há que numa primeira fase excluir uma gravidez e verificar se existe ou não ovulação. Habitualmente estaremos perante uma perturbação anovulatória, mas a patologia pélvica e a neoplasia são também hipóteses a considerar. Em mulheres pós-menopáusicas, a maior parte das hemorragias são originadas por fibromiomas uterinos, sendo o cancro do endométrio responsável por 25% das hemorragias.
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Avaliação

Anamnese
Perante uma mulher com uma hemorragia vaginal anormal é fundamental a colheita completa dos dados clínicos da doente. É imprescindível, obter uma informação cuidada e pormenorizada do ciclo menstrual normal (duração, frequência e intensidade das perdas), e tentar perceber, como é que a doente compara com as perdas habituais, a hemorragia presente.
Devem ser questionados dados, que nos possam orientar para o despiste de doenças sistémicas, em especial as da tiroideia, do rim, do fígado, bem como manifestações das coagulopatias. Outra questão a não esquecer é inquirir a doente sobre a ingestão de anticoagulantes ou de drogas que possam originar hiperprolactinemia (antidepressivos e a-metildopa). Se os anticonceptivos orais ou a terapêutica hormonal de substituição estiverem a ser utilizados, deve-se prestar atenção à dose de estrógenos administrada, e à regularidade das tomas, visto a hemorragia em questão, poder ser de privação.
Questões sobre a existência de coitorragias, dispareunia, corrimento vaginal, febre, dores pélvicas, traumatismo e utilização do DIU, devem também ser colocadas. Não esquecer nunca os factores de risco para o carcinoma do colo e do endométrio.
Se a mulher estiver em idade fértil, é importante ser questionada, sobre a existência de relações sexuais não protegidas, e de queixas que nos possam fazer suspeitar de uma gravidez, tais como enjoos matinais e ingurgitamento mamário.
Se os períodos menstruais se mantiverem regulares, apesar de se verificar um aumento da intensidade ou duração das perdas, ou ainda se houver referência a perdas inter-menstruais, então é provável estarmos perante uma hemorragia com ciclos ovulatórios. A favor desta etiologia teremos também sintomatologia pré-menstrual como algias pélvicas, tensão mamária edemas e alterações do humor.
Quando a hemorragia tiver características anovulatórias (irregularidade das perdas ou mesmo períodos de amenorreia), queixas de infertilidade hirsutismo e obesidade, podem fazer-nos suspeitar da existência de ovários poliquísticos. Perante uma história de hirsutismo, virilização e infertilidade, devemos colocar a hipótese de hiperandrogenismo. Se estas queixas surgiram subitamente, podemos estar perante um tumor funcionante produtor de androgénios, com a localização nas supra-renais ou ovários. O aspecto cushingóide e a galactorreia sugerem um aumento do cortisol e prolactina.

Exame objectivo
Além de um exame geral cuidado, é essencial o exame ginecológico para despistar a existência de erosão, friabilidade da mucosa vaginal, cervical, massas anexiais, uterinas, dor localizada e leucorreia.
Nas mulheres em idade fértil, sinais como ingurgitamento mamário, aumento da pigmentação areolar, congestão do colo e aumento de dimensões uterinas, são sugestivos de gravidez.
Sinais tais como equimoses, petéquias, esplenomegalia, podem-nos fazer suspeitar da existência de diátese hemorrágica.
Sinais como hirsutismo, virilização, galactorreia, bócio, pele seca, cabelo quebradiço, lentificação de reflexos e aspecto cushingóide podem-nos pôr na pista de uma hemorragia com causa anovulatória.
Se se suspeitar da existência de um adenoma hipofisário a realização de uma campimetria visual é importante.

Exames complementares de diagnóstico
Numa abordagem inicial, de qualquer tipo de hemorragia vaginal anormal, os exames a pedir serão o hemograma, para a determinação da hemoglobina, do hematócrito e das plaquetas. Por vezes, se a história clínica for sugestiva, pedir um estudo mais completo da coagulação (tempo de hemorragia, tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina). Nas mulheres em idade fértil, não esquecer nunca a possibilidade da existência de uma gravidez, pelo que deverá também ser solicitado, o doseamento da subunidade b da gonadotrofina coriónica (b-HCG), por ser o exame mais sensível.
Caso esteja indicado deverá fazer-se o estudo da função hepática e renal.
Se houver queixas de leucorreia, e no exame objectivo se tiver constatado dor à mobilização do colo e áreas anexiais é obrigatório a realização de um exsudado cervico-vaginal e da velocidade de sedimentação.
Dentro dos exames laboratoriais, e perante uma doente com ciclos anovulatórios, a avaliação hormonal, pode ainda ser solicitada pelo médico de família. No período perimenopáusico o doseamento da FSH pode ser diagnóstico. Se o valor for superior a 40 UI/ml, é eminente a falência ovárica. Perante a hipótese de diagnóstico de síndroma do ovário poliquístico a relação LH/FSH superior a 2.1 é característica.
Quando no exame objectivo se detectaram sinais de hirsutismo ou virilização, podemos também solicitar o doseamento da testosterona. Se o valor for superior a 600 nmol/l (190 ng/ml) e o aparecimento daqueles sinais tiver sido súbito, é obrigatório o rastreio de um tumor funcionante do ovário ou da supra-renal. Neste caso o valor da 17-hidroxiprogesterona é determinante para o diagnóstico. Se o valor da testosterona estiver aumentado, e for superior a 350 nmol/l (100 ng/ml), pedir o doseamento da insulina sérica em jejum, porque se pode detectar uma insulinoresistência (> 180 p mol/l).
Os exames para verificar a existência de ovulação, incluem a medição da temperatura basal, o doseamento da progesterona sérica, uma semana antes da data prevista para o início do ciclo menstrual e uma biopsia do endométrio a realizar antes do início da menstruação, para se observar a actividade secretória do endométrio
Note-se que estes exames ultrapassam muitas vezes a avaliação em cuidados de saúde primários.

A colpocitologia é também um exame muito útil, principalmente naquelas mulheres em que o exame ginecológico nos revelou alterações do colo, ou naquelas mulheres que na história clínica apresentem factores de risco para a neoplasia do colo do útero.
O pedido da realização de uma ecografia pélvica, principalmente a realizada com sonda vaginal, será ainda um auxiliar precioso.
A biopsia, a curetagem ou a aspiração do endométrio, ou ainda a curetagem do endocolo, são muitas vezes necessários para o diagnóstico das causas de hemorragia. Estes e outros métodos invasivos de diagnóstico (colposcopia, histeroscopia, histerossalpingografia e laparoscopia), não são passíveis de serem realizados a nível dos cuidados de saúde primários.
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Terapêutica

A abordagem terapêutica de uma hemorragia vaginal anormal, depende como é óbvio da causa que lhe está subjacente. Quando a hemorragia tem uma causa orgânica, a natureza desta determina o tratamento a efectuar, devendo factores como o stress, o exercício físico intenso, perda acentuada de peso e outros, serem corrigidos para se obter sucesso terapêutico.
O nosso objectivo, será parar a hemorragia, corrigir a anemia, caso exista, prevenir futuros episódios e complicações à distância.
Nas mulheres em idade fértil, antes de se iniciar qualquer tratamento, deve ser excluída, obrigatoriamente, a existência de uma gravidez. Não devemos também, iniciar terapêutica nas mulheres perimenopáusicas com uma hemorragia disfuncional, sem antes ser efectuada uma curetagem ou uma biopsia do endométrio.
A abordagem terapêutica de uma hemorragia vaginal anormal, pode ser médica ou cirúrgica.

Terapêutica médica

Hemorragia anovulatória crónica - Uma adolescente, ou uma mulher em idade reprodutiva, com uma hemorragia anovulatória crónica, tem indicação para efectuar terapêutica hormonal com um anticonceptivo oral combinado, cujo conteúdo de estrógenos seja de 35 mg. Na sequência de uma hemorragia fará um comprimido três vezes ao dia durante sete dias. Com este tratamento, a hemorragia provavelmente irá desaparecer, ao fim de 12 a 24 horas, surgindo mais abundante no final desta terapêutica. Após um intervalo de 7 dias sem qualquer tratamento a doente deverá iniciar um ciclo de 21 dias com um comprimido diário. Este tratamento, deverá ser mantido durante 3 a 6 meses, findo os quais a mulher deverá ser reavaliada. Em alternativa a esta terapêutica, e principalmente nas mulheres perimenopáusicas, que tenham contra-indicações para o uso da pílula (fumadoras e risco cardiovascular), a hemorragia anovulatória crónica pode ser tratada, com ciclos de medroxiprogesterona na dose de 10 mg/dia, nos últimos 10 a 12 dias de cada mês. Durante este tratamento, e particularmente nas mulheres jovens, as ovulações podem recomeçar, pelo que periodicamente se deve suspender a terapêutica durante um a dois meses, para averiguar o reinício dos ciclos normais. As doentes com actividade sexual, devem ser informadas da necessidade de utilização de meios anticoncepcionais alternativos se não desejarem engravidar.
Mulheres que apresentem este tipo de hemorragia, e desejem engravidar, recomenda-se a terapêutica com um agente estimulante da ovulação, como o citrato de clomifeno.

Hemorragia anovulatória aguda - Se a hemorragia for aguda, a dose de medroxiprogesterona a administrar será de 10 mg/dia durante 10 dias ou uma dose única de 100 mg de progesterona por via IM. A hemorragia deverá cessar 24 a 48 horas após o início da terapêutica, e deverá haver fluxo menstrual quando se completam os 10 dias de terapêutica.

Hemorragia com ciclos ovulatórios - Neste caso o tratamento médico, pode ser feito ciclicamente com anticonceptivos orais, progestagénios, análogos da GnRH, androgénios, inibidores da síntese das prostaglandinas e agentes anti-fibrinolíticos.

Anticonceptivos orais - Existem várias formulações no mercado, estando esta terapêutica mais indicada para as mulheres em idade fértil. São fáceis de ser utilizados, não são caros e são normalmente bem tolerados. Têm como efeitos secundários, náuseas, vómitos, distensão abdominal, alterações do peso e do cabelo.

Progestagénios - Entre outros a medroxiprogesterona pode ser utilizada na dose de 10 a 20 mg/dia desde o 16º ao 25º dia do ciclo menstrual. É uma terapêutica barata, mas que obriga à utilização de outros métodos anticonceptivos, se a mulher não desejar engravidar. Tem como efeitos acessórios, o aumento de peso, náuseas, distensão abdominal, alterações do humor, ansiedade e depressão.

Análogos da GnRH - Actuam reduzindo os níveis de estrogénios, e utilizam-se na dose de 3,6 miligramas por via subcutânea, todos os 28 dias. É uma terapêutica ainda pouco estudada, e à sua utilização prolongada, associa-se amenorreia e hipoestrogenismo. Estes efeitos, condicionam o aparecimento de osteoporose e de queixas semelhantes ás verificadas no climatério. Para contrariar este efeito, pode-se utilizar ciclicamente estrógenos, o que no entanto vai encarecer ainda mais a terapêutica.

Androgénios - O danazol é um androgénio sintético, que actua suprimindo a ovulação e inibindo a síntese e libertação da LH e FSH. É habitualmente usado, na dose de 100 a 200 mg/dia durante 2 a 3 meses. É uma terapêutica cara, que pode originar queixas gastrointestinais, cefaleias, alterações do peso, acne, hirsutismo, alterações da voz, diminuição da libido, vaginite atrófica, afrontamentos, cãibras, edema e «spotting».

Inibidores da síntese das prostaglandinas - A concentração de PGE2 e PGF2a , aumenta progressivamente no endométrio durante o ciclo menstrual. O seu papel sobre a vascularização do endométrio é bem conhecida, o mesmo não se poderá dizer sobre a repercussão que têm sobre a homeostase do endométrio. Pensa-se que estas drogas actuam alterando o balanço entre TxA2 (Vasoconstritor pro-agregante plaquetário), e PGI2 (vasodilatador e anti-angregante plaquetário), condicionando desta forma a agregação e desgranulação plaquetária, e aumentando a vasoconstrição uterina em mulheres com menorragia.
Esta terapêutica visa, não só a diminuição das perdas (estando descritas reduções na ordem dos 20% a 40%), como também o alívio da dismenorreia. É uma terapêutica útil e de primeira linha nas menorragias, associadas aos dispositivos intra-uterinos (DIU).
As drogas que se podem utilizar, são a indometacina, o ibuprofeno, ou naproxeno, mas a mais estudada tem sido o ácido mefenâmico. A dose habitual é de 500 mg três vezes ao dia, com início no 1º dia da menstruação até as hemorragias desaparecerem. Os efeitos secundários mais comuns são os gastrointestinais, estando contra-indicados na insuficiência renal e na doença péptica.

Agentes anti-fibrinolíticos - Terapêutica que pode ser utilizada quando o tratamento com estrógenos e progestagénios está contra-indicada, ou não está a ser eficaz. Pode reduzir as perdas, em cerca de 50% durante o tratamento. O ácido tranexânico é o produto mais estudado, principalmente na Grã-Bretanha, utilizando-se na dose de 1,5 mg três vezes ao dia durante 3 dias. Esta terapêutica está contra-indicada nas mulheres com trombo embolismo.

Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico, está apenas indicado nos casos em que a terapêutica médica falhou e também naquelas mulheres em que não se coloca a questão da fertilidade no futuro. A histerectomia é a cirurgia tradicionalmente utilizada. Actualmente e em alternativa, pode fazer-se a ablação do endométrio utilizando o laser. Esta técnica tem como complicações, a perfuração do útero, a hemorragia e problemas relacionados com a absorção dos meios de distensão uterina.
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Casos a referenciar

Toda a mulher que apresente hemorragia abundante, com sinais de depleção do volume intravascular, suspeita de gravidez, gravidez ectópica, aborto recente, tem indicação absoluta para ser referenciada para instituição hospitalar.
Mulheres com hemorragia anormal, nas quais o exame ginecológico detectou uma massa, a colpocitologia esteja anormal, apresentem factores de risco para o carcinoma do colo e do endométrio e estejam no período peri e pós-menopáusico, devem ser referenciadas para a consulta de ginecologia.
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