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Parte IV – Problemas clínicos
4.12. Abordagem do paciente com doenças transmissíveis

378. Brucelose
JA Marques Robalo

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Simões, José Augusto


A brucelose é uma zoonose provocada por uma bactéria aeróbia, gram-negativa, intracelular facultativa do género Brucella, responsável por uma doença com implicações importantes quer na saúde quer na economia.
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Causas
Das seis espécies identificadas, a B. melitensis, a B.suis, a B. abortus e a B. canis (cada uma com vários biovars) são as implicadas nos humanos, estando estas dependentes do reservatório animal, respectivamente ovinos, suínos, bovinos e canídeos. 
2
Epidemiologia
Segundo a Organização Mundial de Saúde, estima-se que o número real de pessoas infectadas em cada ano é superior em 10 a 25 vezes aos oficialmente publicados nos diferentes países. Existem comunidades de países do sul da Europa que apresentam mais de 77 casos por 100 000 habitantes.
A Brucelose é uma doença de declaração obrigatória.
Segundo os dados da Direcção Geral de Saúde, e não esquecendo que muito provavelmente haverá sub-notificação, a região Centro é onde se verifica um maior número de casos, seguida da região Norte. 
O sexo masculino é o mais afectado e os meses de maior incidência da doença são Abril, Maio e Junho.
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Transmissão e patogénese
A transmissão faz-se através do contacto directo com o sangue, placenta, fetos, secreções uterinas dos animais infectados (gado, ovelhas, cabras, porcos, cães e ruminantes selvagens), pelo consumo de leite e seus derivados, quando não tratados (pasteurização), por via inalatória e ainda acidentalmente no laboratório. 
A bactéria entra no organismo humano através da pele, mucosas e tubo digestivo. Atinge os gânglios linfáticos regionais e depois invade a corrente sanguínea, podendo localizar-se em todos os órgãos, nomeadamente, baço, fígado, nódulos linfáticos, coração (válvulas), articulações, testículos, ovários, próstata, pulmões e rins.
A activação imunológica do hospedeiro, particularmente através dos mecanismos da imunidade celular do tipo de hipersensibilidade retardada, é determinante para o controlo da disseminação da infecção brucélica, sendo a formação dos granulomas tecidulares inespecíficos uma das manifestações desta resposta imunitária.
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Grupos de risco
Os grupos de risco são constituídos, essencialmente, por indivíduos com contactos ocupacionais: agricultores, pastores, empregados de matadouros e talhos, veterinários e técnicos de laboratório. Esporadicamente podem ocorrer surtos epidémicos, de brucelose humana, nos consumidores de leite ou derivados lácteos não pasteurizados.
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Período de incubação
O período de incubação é muito variável, situando-se em geral entre uma e três semanas, podendo ser de vários meses.
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Sintomatologia
Num doente com um síndroma febril arrastado, não apresentando outra sintomatologia relevante, deve ser admitida a hipótese de diagnóstico de Brucelose.
O início da doença é agudo ou insidioso. Caracteriza-se por febre contínua, intermitente ou irregular, muitas vezes com agravamento vespertino, com duração variável, acompanhada de mal-estar geral, cansaço fácil, sudação profusa, anorexia, cefaleias, arrepios de frio, mialgias, perda de peso, artralgias e prostração.
Pode manifestar-se, ainda, através de infecções localizadas, supuradas, em vários órgãos ou como infecção sub-clínica ou crónica. 
As complicações osteo-articulares desenvolvem-se em 20 a 60% das situações, sendo a espondilodiscite e a sacro-íleite as manifestações articulares mais frequentes.
O envolvimento do aparelho genito-urinário verifica-se em 2 a 20% dos doentes, sendo a manifestação mais frequente a orqui-epididimite. 
Na grávida pode provocar aborto.7

Quadro I

RECOLHA DE INFORMAÇÃO

· Nome
· Sexo
· Idade
· Profissão
· Informação geográfica do trabalho / morada
· História de exposição
· Conhecimento de casos idênticos
· Grau de suspeição

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Meios complementares de diagnóstico
Na Brucelose, o hemograma apresenta uma contagem de leucócitos normal ou diminuída, verificando-se linfocitose relativa e trombocitopenia.
O valor da velocidade de sedimentação é variável podendo apresentar um ligeiro aumento e a proteina C reactiva é positiva.
O diagnóstico da Brucelose efectua-se:
1 – ou através do isolamento da Brucella spp na hemocultura, mielocultura e mais raramente na cultura de tecidos ou outros fluidos orgânicos.
Na fase aguda da doença as hemoculturas permitem o isolamento do agente em 10 a 70% dos casos, dependendo da espécie envolvida (B. melitensis isolada mais frequentemente) e da duração dos sintomas (quanto mais longo for o período entre o início dos sintomas e os exames culturais mais difícil é o isolamento do agente);
2 – ou através do aumento de pelo menos quatro vezes do título de anticorpos (>= 1:160).
As provas de aglutinação em lâmina (reacção de Hudlesson) e em tubo (reacção de Wright) quantificam a proporção de anticorpos aglutinantes no soro do doente, na presença de uma suspensão padronizada de B. abortus inactivada pelo fenol.
Uma reacção de Hudlesson ou de Wright com título superior ou igual a 1:160 é considerada positiva, podendo presumir-se o diagnóstico de Brucelose em doentes com manifestações clínicas e história epidemiológica compatível.
Nalgumas situações os testes de aglutinação podem ser falsamente negativos, devido ao efeito prozona, que se desenvolve em consequência da presença de anticorpos “bloqueadores” das classes IgG e IgA. O efeito prozona pode ser eliminado através do prosseguimento das diluições até 1:1280 ou mais.
A reacção de Rosa de Bengala, a reacção com 2-mercaptoetanol, a de imunofluorescência e a reacção de fixação de complemento contra a Brucella são outros testes utilizados para o diagnóstico desta afecção.
Alerta-se que em cerca de 7 a 10% dos doentes as reacções de aglutinação de Hudlesson e Wright podem manter-se com títulos elevados durante dois anos ou mais após o tratamento com sucesso da Brucelose, não sendo por isso possível e seguro assumir-se a reactivação da doença ou o insucesso terapêutico, exclusivamente, com base nestes exames.
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Tratamento
A prescrição de um só antibiótico não é recomendado no tratamento da brucelose porque a taxa de recidiva pode atingir valores superiores a 50%.
A Brucella localiza-se intracelularmente, tal como o Mycobacterium tuberculosis, necessitando de associação de antibióticos, administrados durante várias semanas para que a terapêutica seja eficaz.
A utilização da rifampicina e da estreptomicina, antibióticos usados no tratamento da tuberculose, levanta algumas preocupações relacionadas com o problema da multi-resistência verificada com o Mycobacterium tuberculosis.
A combinação de dois ou três medicamentos aumenta a eficácia do tratamento.10


Quadro II
Esquema terapêutico na brucelose
ESQUEMA TERAPEUTICO NA BRUCELOSE - ADULTOS
TRATAMENTO  MEDICAMENTOS DOSE DIÁRIA Nº DE DIAS
1 DOXICICLINA
+
RIFAMPICINA
+/OU
ESTREPTOMICINA
100 a 200 mg

600 a 1200 mg

1 g
21
2 TRIMETOPRIM -SULFAMETOXAZOL
+
RIFAMPICINA
+/OU
ESTREPTOMICINA
320 mg
1600 mg

600 a 1200 mg

1g
21
3(STANDART) TETRACICLINA
+
ESTREPTOMICINA
2 g

1 g
42

21

Períodos maiores de tratamento poderão ser necessários para a cura das recidivas, osteomielites e meningites.
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Complicações
Recidivas – 5%
Infecções localizadas – 20 a 85% (artrite, bursite, osteomielite, tenossinovite, endocardite, tromboflebite, meningite, pneumonite, hepatite, colecistite).
12
Prevenção e controlo
O controlo efectivo da transmissão da Brucelose humana depende da eliminação da doença nos animais.
As medidas de prevenção incluem: 
1 – Educação do público em geral para não consumir leite ou derivados preparados a partir de leite não pasteurizado.
2 – Educação da população com maior risco de contrair Brucelose – agricultores, criadores de gado, trabalhadores de talhos e matadouros, pastores, veterinários... – esclarecendo as vias de transmissão e promovendo a utilização de equipamentos adequados de modo a reduzir-se ao mínimo a exposição ao agente.
3 – Cooperação entre as autoridades da Saúde Pública da medicina humana e veterinária de modo a serem identificadas as zonas com animais doentes e serem reforçadas as medidas de esclarecimento para a população.
4 – Pasteurização do leite de vaca, cabra ou ovelha e dos derivados lácteos. Se a pasteurização não for possível, a fervura do leite é eficaz na prevenção da transmissão da doença.
5 – A utilização de meios de protecção e de descontaminação e o processamento adequado de material contaminado, emitido por animais infectados – placentas, fetos, carcaças de animais mortos ou abatidos...
6 – Aplicação da regulamentação para vigilância e controlo interno e internacional da circulação de animais, nomeadamente dos animais doentes.