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Parte IV – Problemas clínicos
4.13. Abordagem do paciente com problemas de saúde mental
398. Alterações da personalidade
Isabel Silva Melo 
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Silva, Pedro Ribeiro


As alterações da personalidade em Medicina Geral e Familiar podem ser identificadas com o recurso à Classificação Internacional “ CIP – 2 definida “.
Os critérios de diagnóstico para inclusão nesta rubrica são:
- Padrão de comportamento de inadaptação profundamente marcado e reconhecível pelos vinte anos de idade e presente pelo menos há cinco anos.
- Doente ou pessoas do seu ambiente sofrendo consideravelmente com o seu comportamento.
A classificação dos diferentes tipos de alterações da personalidade deverá efectuar-se, recorrendo à classificação mais utilizada em psiquiatria que é a “ DSM – IV “, 4ª edição da Associação Americana de Psiquiatria. Esta classificação descreve dez tipos de personalidades reunidas em três grupos.
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GRUPOS  TIPOS DE PERSONALIDADE
A - Paranóide 
- Esquizóide 
B - Dissocial
- Estado limite ou “ borderline “
- Histriónico
- Narcisista 
- Evitante
- Dependente
- Obsessiva
-compulsiva 


A caracterização destes tipos de alterações de personalidade será efectuada mais correctamente se forem utilizados os critérios enunciados seguidamente.
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Grupo A
Caracterizado por pessoas com um comportamento misterioso ou excêntrico. 
Paranóide
Deverá apresentar pelo menos quatro dos critérios seguintes:
- Suspeitas de ser prejudicado pelos outros, sem fundamentos válidos;
- Dúvidas injustificadas acerca da lealdade dos amigos e dos colegas;
- Medo injustificado de fazer confidências por recear que estas possam ser usadas contra ele, com malevolência;
- Interpretação de acontecimentos banais com atribuição de significado ameaçador;
- Incapacidade de desculpar faltas de respeito, insultos ou injúrias;
- Suspeitas e reacções a pressupostos ataques ao seu carácter;
- Dúvidas injustificadas sobre a fidelidade da esposa ou parceiro sexual.

Esquizóide
Deverá apresentar pelo menos três dos critérios seguintes:
- Ideias delirantes;
- Alucinações de vários tipos mas mais frequentemente auditivas;
- Crenças e ou superstições inadequadas ao meio cultural em que está inserido;
- Pensamentos e linguagem excêntrica;
- Pensamentos paranóides ou de suspeita;
- Emoções exageradas e não adequadas às situações;
- Comportamento e aparência excêntrica;
- Falta de amigos ou de familiares próximos;
- Ansiedade social excessiva associada a medos paranóides mais do que a julgamentos negativos sobre si mesmo e que não diminui com o convívio.
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Grupo B
Caracterizado por pessoas com comportamentos emotivos, impulsivos ou erráticos.
Dissocial
Deverá apresentar pelo menos três dos critérios seguintes:
- Desrespeito permanente pelas normas e comportamentos sociais pelo que pratica, sucessivamente, actos puníveis por lei;
- Fraudes com recurso a testemunhos falsos, uso de pseudónimos e uso dos outros em proveito próprio;
- Incapacidade de planear o futuro;
- Irritabilidade fácil com comportamentos agressivos documentados por envolvimento repetido em agressões físicas;
- Negligência com a sua segurança e com a dos outros;
- Irresponsabilidade em relação à manutenção dum emprego permanente e ao pagamento dos encargos financeiros;
- Inexistência de remorsos após ter prejudicado ou maltratado outras pessoas;
Estado limite «Borderline»
Deverá apresentar pelo menos cinco dos critérios seguintes:
- Medo de encarar as separações e as perdas de pessoas;
- Existência de relações interpessoais intensas e instáveis caracterizadas por idealizações e depreciações extremas;
- Impulsividade em pelo menos duas áreas que possam levar a um eventual prejuízo pessoal tais como dívidas, sexo, excesso de alimentação, uso de substâncias prejudiciais e condução com desrespeito pelas normas de segurança;
- Comportamento auto-mutilante e / ou suicida;
- Instabilidade afectiva devido a marcada reactividade aos acontecimentos;
- Sentimentos crónicos de vazio;
- Raiva intensa injustificada e difícil de controle levando a agressões contínuas;
- Ideias paranóides transitórias relacionadas com a agitação.
Histriónico
Deverá apresentar pelo menos cinco dos critérios seguintes:
- Insatisfação em situações em que não seja o centro das atenções;
- Comportamento provocador ou sedutor no relacionamento interpessoal;
- Dramatização rápida de vários tipos de emoções;
- Uso persistente da aparência física para chamar a atenção;
- Uso de linguagem com intenção de impressionar;
- Facilidade de sugestão pelos outros ou pelas circunstâncias;
- Classificação das relações interpessoais com maior intimidade do que a existente.
Narcisista
Deverá apresentar pelo menos cinco dos critérios seguintes:
- Noção exagerada do seu próprio valor;
- Preocupação com o sucesso sem limites;
- Crença na sua individualidade especial e que só pode ser entendido por pessoas especiais ou de alto nível social ou cultural;
- Necessidade de admiração excessiva;
- Necessidade de tratamento especial mesmo que este não se justifique;
- Aproveitamento dos outros para levar a cabo os seus objectivos;
- Incapacidade de identificar os sentimentos ou necessidades dos outros;
- Inveja dos outros ou pensa que os outros tem inveja dele;
- Comportamentos e atitudes arrogantes.
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Grupo C
Caracterizado por pessoas com comportamento receoso e ou ansioso.
Evitante
Deverá apresentar pelo menos quatro dos critérios seguintes:
- Dificuldades em exercer actividades profissionais que envolvam relações interpessoais por receio de críticas, não aprovação ou rejeição;
- Gosto de relacionamento só com pessoas que o apreciem;
- Constrangimento nas relações íntimas por receio de humilhações;
- Preocupação com as críticas e rejeições sociais;
- Inibição nos relacionamentos pessoais devido a sentimentos de inadequação;
- Baixa auto-estima;
- Relutância em aceitar desafios por receio de falhar.
Dependente
Deverá apresentar pelo menos cinco dos critérios seguintes:
- Dificuldade em tomar as decisões diárias sem ouvir os conselhos dos outros;
- Necessidade que os outros assumam as responsabilidades próprias;
- Dificuldade em discordar das opiniões dos outros por receio de desaprovação;
- Dificuldade em iniciar um projecto pessoal ou profissional por falta de confiança nas suas capacidades;
- Sujeição aos outros com o fim de obter suporte físico e psíquico;
- Dificuldade de estar sozinho por receio de incapacidade de auto-realização;
- Procura rápida de nova companhia de suporte quando termina uma relação;
- Preocupação não justificada de ser abandonado.
Obsessivo-compulsiva
Deverá apresentar pelo menos quatro dos critérios seguintes:
- Preocupação constante com detalhes, regras e organização de tal forma que não efectua as actividades mais importantes;
- Perfeccionismo que impede a finalização da tarefa;
- Dedicação excessiva ao trabalho com afastamento de outras actividades e do convívio com outras pessoas;
- Inflexível em relação a valores morais e éticos;
- Incapaz de desfazer-se de objectos usados ou sem valor sentimental;
- Relutância em trabalhar com os outros sem submissão deles às suas regras;
- Incapacidade de gastar dinheiro por receio que possa necessitar dele se acontecer um problema grave;
- Rigidez e obstinação nas atitudes e comportamentos.
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Diagnóstico diferencial
As alterações da personalidade são condições relativamente permanentes que condicionam comportamentos diferentes observáveis diariamente. Só são relevantes se prejudicarem o bem-estar do próprio, as relações pessoais, o desempenho profissional ou se levam à dependência do álcool e/ou das drogas.
No âmbito da consulta de Medicina Geral e Familiar o mais importante é que seja efectuado o diagnóstico diferencial com as seguintes situações:

Doença psiquiátrica
Existência de sintomas mentais diferentes dos característicos da respectiva alteração da personalidade, confirmados por uma observação cuidada e o testemunho de pessoas conhecidas. Investigar os seguintes problemas de saúde psiquiátrica:
- Depressão major
- Distimia 
- Ansiedade 
- Somatização 
- Alterações do comportamento alimentar
- Abuso de substâncias prejudiciais 
- Demência
- Psicoses

Doença orgânica cerebral
A sua incidência em pessoas com alterações da personalidade é semelhante à da restante população. Por isso, ter especial cuidado no despiste da sua existência principalmente se as alterações da personalidade surgidas forem de aquisição recente e após a adolescência.
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Plano terapêutico
- Estabelecimento dum relação empática médico-utente e adequada às características da alteração da personalidade anteriormente diagnosticada.
- Esclarecimento sobre os sinais de alerta que necessitem dum maior acompanhamento.
- Aconselhamento sobre as possibilidades terapêuticas existentes caso seja detectada a progressão para doença psiquiátrica.

Se surgirem dificuldades na condução da entrevista durante a consulta deverá usar as seguintes técnicas psicoterapêuticas:
- Confrontação - consiste num comentário, feito pelo médico, para chamar a atenção do paciente sobre a interferência do seu comportamento com os cuidados médicos.
- Clarificação - consiste num pedido do médico ao paciente para esclarecer melhor as orientações dadas anteriormente com o objectivo de detectar dúvidas ou erros.
- Interpretação - consiste em comentários que integrem os conhecimentos a adquirir pelo paciente que foram abordados na confrontação e na clarificação.
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Bibliografia 
Barraclough J. e Gill D. Bases da psiquiatria moderna. 1997

Daniel JC. The psychiatric review of symptoms: a screening tool for Family Physicians. 
American Family Physicians: vol 58, nº7, Novembro 1998

Greg McKeough. Personality disorders and how toi deal with them. American Family Physician: vol.25, N.º 10, Outubro 1996 

Pacheco JCS. Bases psicoterapêuticas na prática clínica. Prémio Bial de Medicina Clínica 1988

Rakel R. textbook of Family practice. 5ª edição