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Parte IV – Problemas clínicos
4.13. Abordagem do paciente com problemas de saúde mental
400. Modificação dos comportamentos aditivos
João Batalheiro
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Silva, Pedro Ribeiro


O médico de família (MF) presta cuidados de saúde de forma contínua, centrados nos pacientes. Utiliza uma abordagem holística considerando a pessoa nos seus aspectos físico e psíquico, no contexto familiar e sócio-profissional onde ela se move diariamente. 
A maioria dos portugueses recorrem ao Centro de Saúde quando se sentem doentes física ou emocionalmente e quando têm problemas familiares, socioprofissionais ou mesmo judiciais.

Os Cuidados Primários de Saúde são o local ideal para a prevenção, despiste, tratamento e acompanhamento de doentes com problemas de adição.
Mesmo que o MF referencie um doente para outra especialidade, sabe que ele volta para dar notícias a solicitar a opinião do seu Médico, o qual, ao longo dos anos, estabeleceu uma relação dinâmica e interactiva com os pacientes da sua lista de utilizadores. Os pacientes reconhecem-lhe idoneidade profissional para esclarecer os seus medos, as suas dúvidas, confiando-lhe os seus problemas.
A relutância dos MF em acompanhar pessoas com problemas de adição resulta do medo de não serem competentes neste área, de não acreditarem na reabilitação destas pessoas e de considerarem que não têm tempo para perder com pessoas agressivas, manipuladoras e simuladas.

A pessoa que pede ajuda para deixar de consumir uma qualquer substância aditiva está motivada por variadíssimas razões:
- está farto de uma droga que deixou de lhe dar prazer e só lhe causa problemas de vária ordem;
- está farto de ser criticado pelos outros;
- tem problemas policiais ou judiciais.
O pedido de ajuda mesmo que simulado cria um momento oportuno para o médico actuar mostrando que está disponível desde que o paciente adira a um programa terapêutico no qual ele é o principal actor.

Definida a motivação do paciente é importante situá-lo no contexto pessoal com a substância, quantidade, frequência do consumo, local do consumo, tentando perceber as relações familiares (são estáveis? aproximam-se da rotura? a família cortou definitivamente as relações com o adito?) E socioprofissional (trabalha? está desempregado ou em risco de perder o emprego?) Saber se houve antecedentes psiquiátricos graves (p.e. esquizofrenia, doença bipolar, alterações da personalidade, doença ansiosa).

O MF treinado e com apoio do CAT ou do CRAL pode orientar e acompanhar um programa terapêutico em ambulatório. 
O tratamento do síndrome de privação físico coloca menos problemas que o síndrome de privação psicológico. Um programa terapêutico em ambulatório deve associar sempre a farmacoterapia à psicoterapia. O paciente deve ser alertado para as características crónicas do comportamento aditivo e para a necessidade de um tratamento prolongado que pode variar com o tipo de substância utilizada e com o próprio paciente. A grande dificuldade destes programas terapêuticos está no facto destas pessoas serem poli-toxicodepentes (consomem preferencialmente uma substância mas, na falta desta, aprendem a utilizar outras com função substitutiva). Outro condicionalismo reside no facto de diagnosticar problemas de psicopatologia, o que explica a necessidade para o MF de dispor de suporte de retaguarda psiquiátrico, psicológico, social e institucional.

Os critérios para iniciar um programa terapêutico em ambulatório são:
- Motivação do paciente.
- Suporte familiar e/ou social.
- Disponibilidade do MF ou da Equipa de Saúde.
- Apoio de retaguarda CAT ou CRAL ou OUTROS.
- Conhecimento de estruturas ou instituições de apoio na comunidade, Acção Social, Centro de Emprego, Centro de Formação Profissional Alcoólicos Anónimos, Narcóticos Anónimos, etc.
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Tratamento do síndrome de privação dos opiáceos
O tratamento de eleição é aquele que usa os alfa 2 agonistas: clonidina, guanfacina que inibem a hiperactividade noradrenérgica.
- Clonidina 750 mg/dia = comp. 150mg 4 a 5 x/ dia
- Dihidergot 2,5mg 3x/dia, para prevenir e corrigir a hipotensão provocada pela clonidina.
- Cloxazolam 2 comp. 2mg ou 1 comp. 15mg 3 a 4x/dia, diminuem a ansiedade e são miorrelaxantes.
- Flurazepam, hipnoindutor ou Trazadone, antidepressivo sedante 1comp ao jantar.
- Clonixina 1 comp. 4x/ para diminuir a dor.
No 4º dia reduzir 25% da posologia do alfa agonista, 50% dos ansiolítico e analgésico.
No 6º dia reduzir 25% do alfa agonista, 50% dos outros fármacos.
Pode iniciar Naltrexone 50 mg/dia, se as transaminases forem inferiores ou iguais a 4 vezes o valor normal. Poderá manter-se clonidina meio comp. S.O.S. até 3 vezes ao dia.
Se não se usar o naltrexone, reduz-se a posologia do alfa agonista 50% e 25% do ansiolítico no 8º dia.
No 10º dia manter, se necessário, terapêutica ansiolítica ou hipnoindutora.
O Valproato de Sódio, antidepressivo ou neurolético podem ser associados se ocorrerem alterações da personalidade, patologia do humor ou psicoses diagnosticadas.
Psicoterapia: 
1º OUVIR o doente, diagnosticar o problema, a situação familiar e socioprofissional e a relação afectiva do doente com a droga. 
2º REFORÇAR A CONFIANÇA, analisar e discutir o programa terapêutico, motivando o doente para programa, reavaliando as dificuldades sentidas e como foram ultrapassadas e na negativa identificar as causas.
3º REFORÇO DA AUTONOMIA do doente que consiste no início do movimento de separação de forma compreendida e organizada.
Se o paciente falha sistematicamente as várias etapas do programa, suspeitar de patologia psiquiátrica e referenciar para o psiquiatra do CAT ou CRAL.
Outra possibilidade de terapêutica é a utilização de AGONISTA dos OPIÁCEOS - METADONA
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Agonistas Opiáceos - Metadona
A metadona é um fármaco de substituição da heroína e é induzida no CAT, podendo a dose de manutenção ser fornecida posteriormente no Centro de Saúde. Para que isso seja possível é importante estabelecer um protocolo com o CAT que fornecerá semanalmente o fármaco.
Critérios de admissão:
- Dependentes apenas de opiáceos;
- Maiores de idade;
- Com vários anos de dependência;
- Com várias tentativas falhadas com outros métodos;
- SIDA e/ou Hepatite C;
- Doenças hepáticas graves;
- Gravidez;
- Controlo de metabólitos na urina.
Provoca dependência física e psíquica sendo o desmame feito gradualmente até uma dose baixa de manutenção.
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Cocaína
Não há tratamento específico para a cocaína, as perturbações comportamentais podem ser opostas (por exemplo: agitação psicomotora/ lentificação dos movimentos) assim como os sintomas físicos (hipotensão/ hipertensão). Na intoxicação aguda o doente deve estar monitorizado porque corre o risco de morrer por causa vascular, cerebral ou gastrointestinal.
No tratamento do consumo crónico pode-se utilizar a psicoterapia e o tratamento comportamental. Se o paciente apresenta humor disfórico caracterizado por fadiga, pesadelos, aumento do apetite, lentificação ou agitação psicomotora, insónia ou hipersónia pode-se prescrever dezipramina. Esta droga melhora os sintomas nos pacientes que abusam de cocaína mas é ineficaz naqueles que misturam o consumo com a heroína. A bromocriptina é um dopamimético, diminui a ânsia durante a privação da cocaína e reduz a disforia durante a privação e desintoxicação. O flupentizol é um agonista dos receptores dopaminérgicos, tem um efeito anti depressivo em doses baixas e neurolético em doses elevadas. Parece te eficácia no tratamento do abuso e da dependência da cocaína. A buprenorfina é um agonista opiáceo, parecendo reduzir a dependência da cocaína e da heroína mas produzindo ele próprio dependência e na sua falta o doente manifesta sindroma de privação. 
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Haxixe
Não há tratamento específico para o haxixe. Podem-se associar anti depressivos neuroléticos e carbamazepina nos consumidores crónicos. Mas o programa terapêutico é fundamentalmente baseado nas técnicas psicoterapêuticas.
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Ecstasy
Os utilizadores de ecstasy têm um perfil diferente do toxicodependente clássico, sendo a idade média de dezoito anos, possuindo estudos médio/superior e mantendo uma boa estabilidade laboral. O consumo é feito ao fim-de-semana de Sexta-feira à tarde a Domingo de manhã. Poderão consumir outros produtos tais como haxixe, cocaína e, nos últimos anos, tem-se vindo a verificar um aumento progressivo no consumo de álcool. Não recorrem às consultas, surgindo principalmente nas urgências com intoxicação aguda que deve ser tratada numa unidade de cuidados intensivos face ao risco de ocorrência de arritmias cardíacas graves e de edema cerebral. Chegam às urgências em desidratação grave.
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Álcool
No tratamento dos alcoólicos é importante distinguir os grandes bebedores dos alcoólicos dependentes. O alcoólico dependente refere síndrome de privação e compulsão para a bebida. 
Todos os pacientes devem ser interrogados sobre os hábitos alcoólicos numa consulta de Medicina Geral e Familiar.
Os pacientes que abusam de bebidas alcoólicas aparecem na consulta com queixas gastrointestinais, depressão, disfunção familiar ou sócio-laboral, problemas sexuais, traumatismos (acidentes de viação, domésticos ou laborais) e neuropatia periférica. É frequente sofrerem de perturbações de pânico. O MF deve identificar o problema e ajudar o doente a expressar os seus sentimentos para com a bebida alcoólica. Existe um questionário de execução rápida - CAGE, o qual tem uma sensibilidade de 84%, especificidade de 95% e um valor preditivo de 45%.
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CAGE:
1- Alguma vez sentiu necessidade de Cortar com a bebida?
2- Alguma vez se sentiu Aborrecido por outros o criticarem de beber?
3- Alguma vez se sentiu Culpado por beber?
4- Alguma vez teve de beber de manhã para recuperar dos nervos ou duma dor de cabeça?
Se o paciente responder afirmativamente a duas perguntas o teste é positivo. Deve ser informado dos riscos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas: acidentes de viação, deterioração das actividades da vida diária, alterações do humor, desconcentração e insónia.
Considerando uma unidade de bebida equivalente a 45 ml de licores, 150 ml de vinho, 90 ml de aperitivos, 360 ml de cerveja, um bebedor moderado deve ingerir por dia 3 bebidas (sexo feminino) ou 4 bebidas (sexo masculino).
Deve ainda saber em que fase do modelo da mudança comportamental se encontra o doente, se este considerara mudança de hábitos ou se planeia mudar de hábitos a curto prazo pode disponibilizar-se para o apoiar através de um programa terapêutico a elaborar com o doente. Avaliam padrões de bebida 2 a 4 unidades por dia, comparam o consumo diário do doente com as normas de segurança par conduzir veículos, relacionam o álcool com insónia, depressão, fadiga, desconcentração, assumem um compromisso. Nesta fase o médico deve propor uma abstinência de duas a três semanas para determinar se os pacientes são candidatos para a redução estratégica da ingestão alcoólica, distinguir o bebedor crónico do alcoólico dependente, durante este período reflectem e descobrem situações que os levam a beber mais, criando estratégias para evitá-lo. Na consulta seguinte o médico deve rever estratégias para evitar a intoxicação aguda como: não beber de manhã, beber durante as refeições, beber pequenas quantidades de cada vez, alternar bebidas alcoólicas com bebidas não alcoólicas. Propor o registo diário das bebidas, pedir marcadores laboratoriais, gama GT e VGM, propor um calendário regular de consultas. Se o paciente recair e não conseguir atingir os objectivos, o médico deve suspeitar de psicopatologia e referenciar para um psiquiatra ou para uma consulta de alcoologia. Se o paciente estiver deprimido pode prescrever anti depressivos, se referir crises de pânico utilizar a buspirona ou tranquilizantes de acção prolongada, cloxazolam ou diazepam. 
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Nicotina
O tratamento de eleição da dependência da nicotina é a substituição desta sob a forma de pastilhas ou adesivos.
Pastilhas de nicotina com 2 e 4 mg: dose diária 2 mg cada 15 ou 30 minutos ou 4 mg por hora durante três meses. Pode provocar sindroma de privação. Neste caso utilizar durante mais seis meses diminuindo a posologia. 
Pensos com nicotina: colocar de manhã 21 ou 22 mg durante pelo menos 4 a 6 semanas, reduzindo à sexta semana para 14 mg por dia e à quarta semana para 7 mg por dia. Não origina síndrome de abstinência. 
Os doentes que não quiserem a terapêutica de substituição poderão ser medicados com clonidina durante 4 a 8 semanas, um comprimido duas a três vezes por dia. Provoca boca seca, sedação, obstipação e hipotensão postural com efeito «rebound». Em alternativa, prescrever buspirona que é um serotoninérgico com acção ansiolítica, dando três a quatro comprimidos por dia durante quatro a oito semanas, o que não cria habituação nem síndrome de privação. Se o doente apresentar queixas sugestivas de doença bipolar ou depressão referenciar a um psiquiatra. 
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Benzodiazepinas
O tratamento é difícil, podendo prescrever-se buspirona durante quatro a oito semanas associando, se necessário anti depressivos ou neuroléticos sedativos. A psicoterapia é fundamental para o sucesso terapêutico destes pacientes.
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