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Parte IV – Problemas clínicos
4.15. Abordagem do paciente com problemas do ouvido e pertubações da audição

440. Hipoacúsia e Cofose
Maria Cristina Galvão

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Lourenço, Rui


Hipoacúsia consiste na diminuição da acuidade auditiva, enquanto cofose corresponde à surdez total.
O problema pode ser uni ou bilateral, sendo frequente que o indivíduo que tem deficit auditivo de um lado tenha também alguma perda do lado oposto.
Tem uma prevalência de 37% nos indivíduos de mais de 60 anos na Holanda e igual ou superior a 60% (dependendo dos estudos) no Reino Unido. Em Portugal diversos estudos apontam para taxas entre os 10 e 20%, com uma forte prevalência entre a população mais idosa.
A perda auditiva pode ser referida pelo próprio ou por terceiros.
Pode ser congénita ou adquirida, neste caso de instalação progressiva ou súbita, podendo haver sinais e sintomas acompanhantes (Quadro I).
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Quadro I

Sinais e sintomas de hipoacúsia

Sinais e sintomas
atraso do desenvolvimento (crianças)
isolamento
irritabilidade
acufenos
vertigens
otalgia
otorreia

A hipoacúsia pode ser de condução, sensorioneural ou a combinação de ambas.
A surdez sensorioneural resulta de doenças da cóclea, do nervo auditivo ou de lesões centrais. A surdez de condução resulta de alterações na transmissão das ondas sonoras no trajecto até ao aparelho sensorial.
Habitualmente o doente procura a consulta referindo explicitamente o deficit de acuidade auditiva. Quando se trata de hipoacúsia em crianças, são habitualmente os pais ou os professores a referir o problema e a pedir a reavaliação clínica.
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Etiologia
São múltiplas as causas de hipoacúsia. Podemos localizá-las ao nível do ouvido externo, do ouvido médio, do ouvido interno e a nível central (Quadro II).
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Quadro II

Causas de hipoacúsia
Ouvido externo Ouvido médio Ouvido interno Centrais
Malformações do pavilhão auricular Infecções agudas ou crónicas Infecções Infecções
Traumatismo Tumores Tóxicos Traumatismos
Corpos estranhos Hemorragia Traumatismos Vasculares
Rolhão de cerúmen Perfuração timpânica Vasculares Tumores
Descamação excessiva Otosclerose Mistas  
Otite externa   Tumores  
Furúnculos      
Tumores      

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Avaliação
A avaliação inicial de um doente com hipoacúsia passa, em primeiro lugar, por uma história clínica cuidadosa: instalação e evolução da perda auditiva, tempo de duração, sintomas acompanhantes, antecedentes clínicos, ingestão e contacto com tóxicos e / ou fármacos (Quadro III).
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Quadro III

Fármacos Ototóxicos
Aminoglicosidos Furosemida
Acido acetilsalicilico Nortriptilina
Bleomicina Quinino
Cloroquina Ampicilina
Eritromicina

Cloranfenicol


A observação dos pavilhões auriculares, canais auditivos e membranas timpânicas, deve ser seguida pela observação do nariz, nasofaringe e orofaringe.
Nas crianças pequenas o deficit auditivo deve ser diagnosticado precocemente, isto é, antes dos seis meses. Após essa idade, se o deficit não foi detectado e corrigido, a criança pode vir a ter problemas de aquisição de competências verbais (ao nível da linguagem e compreensão).
A criança sem problemas auditivos deve:
- entre as 4 e as 6 semanas, ter capacidade para virar a cabeça para o lado onde se ouve o som;
- aos 3 meses, localizar sons na horizontal, ao nível do ouvido;
- entre os 4 e os 6 meses, ter capacidade para ouvir o som a uma distância de 45 cm do ouvido, na horizontal;
- aos 7-8 meses, conseguir localizar sons abaixo e acima do ouvido, a uma distância de 45 cm, na diagonal;
- aos 9 meses, ser capaz de ouvir som acima e abaixo do ouvido, a 90 cm de distância;
- aos 12 meses, localizar sons acima da cabeça.
Aos 4 anos a pesquisa de deficit auditivo pode ser feita na consulta de saúde infantil utilizando testes de voz ciciada com palavras standard.

No adulto, a utilização deste tipo de teste no contexto da clínica geral tem pouco interesse.
Para diferenciar surdez de percepção de surdez de condução aplicam-se habitualmente os testes de Weber e Rinne, realizados com diapasão de 256 Hz (atenção, este diapasão é diferente do utilizado para a pesquisa de sensibilidade vibratória!).
No teste de Weber coloca-se o diapasão a vibrar na linha média do crânio e pergunta-se ao doente se ouve o som em ambos os ouvidos ou mais de um lado que do outro. Com deficit de condução unilateral o som é melhor ouvido pelo ouvido doente; com deficit de percepção unilateral o som é melhor ouvido no ouvido sem patologia (Quadro IV).
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Quadro IV

Testes de diferenciação dos tipos de surdez
  Teste de Weber Teste de Rinne
  Ouvido normal Ouvido doente Via aérea Via óssea
Surdez sensorioneural ou de percepção
+
-
superior
inferior
Surdez de condução ou de transmissão
-
+
inferior
superior

 

O teste de Rinne compara a capacidade de ouvir som transmitido através de condução aérea ou óssea. O cabo do diapasão a vibrar é colocado sobre a apófise mastoideia, enquanto o doente tapa o ouvido contralateral. Quando o doente refere que deixou de ouvir o som o diapasão é colocado ainda a vibrar junto do ouvido, devendo o doente referir se ainda ouve ou não som. Diz-se que o teste é Rinne positivo se a condução aérea persiste mais tempo, e negativo quando a condução óssea persiste por mais tempo.
Quando a hipoacúsia é preferencialmente de condução o teste é Rinne negativo, quando é de percepção é Rinne positivo.
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Terapêutica
Muitas das situações de hipoacúsia de instalação súbita e recente podem ser tratadas no âmbito da consulta de Medicina Familiar.
A surdez de condução por obstrução do canal auditivo por rolhões de cerúmen, por edema devido a otite externa aguda ou furúnculo e a otite média aguda são situações que podem ser facilmente resolvidas no âmbito da consulta.
Os outros problemas implicam habitualmente referenciação para ORL, Neurologia, Pediatria ou Audiologia, podendo em alguns casos necessitar de encaminhamento urgente (traumatismos, crianças muito pequenas, suspeita de colesteatoma ou tumores).
Na surdez de condução, porque a amplificação é mais simples, as próteses auditivas são mais eficazes. Na surdez de transmissão, pela perda de audição das frequências altas, a utilização de próteses é, por vezes, menos gratificante.
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Prevenção
A terapêutica correcta, em tempo oportuno e por período adequado, da maior parte das infecções do ouvido externo e médio pode evitar a hipoacúsia uni ou bilateral.
Nas terapêuticas prolongadas com fármacos potencialmente ototóxicos, os valores séricos devem ser cuidadosa e repetidamente avaliados e, em doentes predispostos ou com patologia prévia, se possível substituídos por outros.
A hipoacúsia por excesso de ruído pode ser evitada com a utilização de protectores auriculares adaptados a cada situação. A implementação do seu uso, embora seja da área da Medicina do Trabalho, pode no entanto ser incentivada, de forma oportunista, quando o utente com profissão de risco para surdez profissional procura a consulta de Medicina Familiar por qualquer outro motivo.