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Parte IV – Problemas clínicos
4.3. Abordagem do paciente com problemas respiratórios
186. Gripe
José Augusto Simões
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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Silva, ML

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Introdução
A gripe é uma doença viral aguda, caracterizada por início súbito, tosse, calafrios, febre, prostração e fraqueza, mialgias e dores generalizadas, sinais físicos respiratórios não significativos para além da vermelhidão da mucosa nasal e faríngea. É uma afecção geralmente benigna e não tem tratamento específico, apesar de algumas propostas terapêuticas recentes como o zanamivir e o oseltamivir.
A gripe é causada por um Myxovirus Influenza, de que se conhecem 3 tipos – A, B e C, constituídos por um core de nucleoproteína contendo um genoma de ARN, e uma membrana lipídica com dois tipos de glicoproteínas dispostas em espículas. O tipo A, o mais bem conhecido, é classificado por dois antigénios, hemaglutinina (H) e neuraminidase (N), inclui no género humano três subtipos – H1N1, H2N2 e H3N2.
A principal característica epidemiológica destes vírus é a sua grande variabilidade antigénica. Mutações frequentes levam ao aparecimento de variantes que se descrevem pelo local de isolamento, número de cultura e ano [ex.: Shangdong/9/93 (H3N2)]. Conhecem-se 3 reservatórios naturais do vírus – o homem, o porco e o pato selvagem, estando demonstrada a transmissão entre as espécies.
A transmissão é feita por contágio directo, através das gotículas expelidas pela boca e pelo nariz e, portanto, através do ar contaminado, particularmente entre pessoas aglomeradas em espaços confinados.
O período de incubação é curto, de 24 a 72 horas, podendo alargar-se a cinco dias.
A maior contagiosidade ocorre nas 24 horas que precedem o aparecimento de manifestações clínicas. O período de contagiosidade é, nos adultos, de três a cinco dias, podendo ir até sete dias nas crianças muito jovens.
A susceptibilidade é universal, sendo normalmente o homem o reservatório da infecção humana. A infecção confere imunidade específica para o tipo de vírus infectante.
A gripe constitui um importante problema de Saúde Pública pela rapidez da sua disseminação e pela gravidade das duas eventuais complicações, especialmente a pneumonia bacteriana, designadamente nas pessoas de idade ou debilitadas por doenças crónicas.
A gripe manifesta-se todos os anos sob a forma de casos isolados e de surtos, ocorrendo ocasionalmente epidemias de grande dimensão ou mesmo pandemias, como as que tiveram lugar em 1889, 1918 (“gripe espanhola”), 1946, 1957 (“gripe asiática”) e 1968 (“gripe de Hong Kong”).
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Epidemiologia
A vigilância epidemiológica da doença está em Portugal a cargo do Centro Nacional de Gripe (CNG) do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
A cooperação entre o CNG, a Direcção-Geral da Saúde, as Administrações Regionais de Saúde e os médicos, nomeadamente a Rede de Médicos-Sentinela, possibilita uma vigilância integrada, incluindo as componentes clínica e laboratorial.
A vigilância baseada no diagnóstico clínico permite alertar rapidamente os Serviços de Saúde para a ocorrência dos casos de síndrome gripal, o que facilita a sua caracterização epidemiológica, nomeadamente a distribuição no tempo, no espaço e em função das características individuais.
Além do diagnóstico clínico, outro requisito da vigilância da gripe é o isolamento e a rápida identificação dos vírus circulantes, visto que a única medida para combater uma epidemia de gripe é a sua prevenção através da vacinação e esta, para ser eficaz, deverá incluir as variantes antigénicas em circulação em cada época. A recolha de produtos do doente para diagnóstico laboratorial é fundamental para a caracterização das estirpes em circulação e mais prevalentes.
É possível, através dos dados da vigilância e mediante estudos epidemiológicos, caracterizar satisfatoriamente a actividade gripal em Portugal, nos últimos anos.
Constata-se que durante as últimas épocas a actividade gripal foi moderada, não tendo sido detectado nenhum surto epidémico importante (Gráficos 1 e 2).
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Gráfico 1
Estimativas das taxas de incidência semanais do síndrome gripal 1990-1995

(por 100 000 habitantes). Fonte: Rede Médicos-Sentinela,DGS
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Gráfico 2
Estimativas das taxas de incidência semanais do síndrome gripal 1990-1995
(gráfico contínuo) por 100 000 habitantes. Fonte: Rede Médicos-Sentinela,DGS.


Na época 93/94 a actividade gripal registou, na semana 50, um pico na taxa de incidência ligeiramente superior ao das restantes épocas.
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Vacinação
As vacinas anti-gripais contêm as estirpes cuja circulação se prevê venha a ocorrer em cada ano e conferem um certo grau de protecção contra a doença.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda para cada época as estirpes que as vacinas anti-gripais trivalentes devem conter, por exemplo para a época de 2000-2001 foram:
A/Moscow/10/99 (H3N2) – “like strain”
A/New Caledonia/20/99 (H1N1) – “like strain”
B/Beijing/184/93 – “like strain”
As vacinas estão à venda nas farmácias e são comparticipadas pelo Serviço Nacional de Saúde. Uma dose da vacina deve ser imunogénica para os indivíduos de todas as idades, com excepção das crianças mais jovens. As crianças que tenham indicação para efectuarem a vacinação anti-gripal, devem receber duas doses de vacina, com intervalo, entre as doses, de pelo menos 4 semanas. Não se recomenda a vacinação em crianças abaixo dos 6 meses de idade. A vacina anti-gripal somente tem como contra-indicação a hipersensibilidade dos indivíduos às proteínas do ovo.
De acordo com as recomendações da OMS, não se aconselha a vacinação da população em geral.
As formas graves da doença observam-se principalmente entre pessoas de idade ou debilitadas por afecções crónicas, por serem particularmente vulneráveis e poderem ter complicações derivadas da própria infecção gripal ou resultantes de exacerbações da doença crónica subjacente.
A vacina é uma arma eficaz para proteger as pessoas nestas circunstâncias, pelo que o CDC (Centers of Disease Control and Prevention) aconselha a vacinação, de preferência, nos primeiros meses do Outono, aos seguintes grupos:
a) Adultos com 50 ou mais anos de idade;
b) Profissionais de saúde;
c) Indivíduos que contactem com doentes crónicos debilitados ou outras pessoas de alto risco (p.ex.: prestadores de cuidados em lares);
d) Indivíduos de idade ³ 6 meses que tenham doenças crónicas cardiovasculares ou pulmonares (incluindo asma);
e) Indivíduos de idade ³ 6 meses com doenças crónicas metabólicas (incluindo diabetes mellitus), disfunção renal, hemoglobinopatias, imunossupressão ou imunodeficiência;
f) Mulheres no 2º ou 3º trimestre de gravidez;
g) Indivíduos dos 6 meses aos 18 anos de idade que recebam tratamento prolongado com ácido acetil-salicílico (risco de desenvolvimento do síndrome de Reye no pós-gripal).
As contra-indicações à vacinação anti-gripal são:
1. Alergia a ovos;
2. Doença febril aguda;
3. 1º trimestre da gravidez.
Ter em atenção que, em princípio, qualquer pessoas de idade ³ 6 meses que manifeste desejo de reduzir a probabilidade de vir a contrair gripe, pode ser vacinada. No entanto, parece ser prudente evitar a vacinação em indivíduos que tenham tido Síndrome de Guillain-Barré numa vacinação anterior, mas pensa-se que a maior parte dos indivíduos com história desse síndrome, que tenham risco de severas complicações no caso de contraírem gripe, beneficiarão, mesmo assim, consideravelmente da vacinação.
Após a vacinação anti-gripal, têm sido observados resultados falsos positivos em testes serológicos, usando o método de ELISA, para pesquisa de HIV1, Hepatite C e, em especial, HTLV1.
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Terapêutica
Até há pouco tempo a terapêutica etiológica da gripe era, apenas para a Gripe a vírus influenza A, com a Amantadina e a Rimantadina; assim, na maioria das situações, a terapêutica era apenas sintomática, e como tal orientada sobretudo no sentido de aliviar as queixas do doente, utilizando-se analgésicos, anti-inflamatórios, soro fisiológico e vaoconstritores nasais, sedantes da tosse, hidratação e repouso.
Recentemente surgiram dois novos produtos, que se apresentam como específicos para a gripe: o zanamivir e o oseltamivir, que são os primeiros de uma nova classe terapêutica, a dos inibidores selectivos da neuraminidase dos virus influenza; e que inibem quer as neuraminidases dos vírus A quer dos vírus B, que são essenciais para replicação viral. O tratamento com zanamivir deve ser iniciado o mais precocemente possível, nas 48 horas seguintes ao início dos sintomas, e é administrado por inalação na dose de 10 mg duas vezes ao dia e durante cinco dias, encontra-se comercializado em Portugal. Já foram relatados casos (1/10.000) de doentes com história prévia de patologia respiratória (asma, DPOC) em que ocorreu broncospasmo agudo e/ou diminuição da função respiratória, após a utilização de zanamivir. O tratamento com oseltamivir é similar, mas a sua adminstração é por via oral. No entanto, o custo/benefício destas novas terapêuticas é ainda controverso, pois o seu benefício traduz-se na redução média de um dia no alívio dos sintomas.
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