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Parte IV – Problemas clínicos
4.4. Abordagem do paciente com problemas digestivos
238. Rectossigmoidoscopia
J. Gabriel Rodrigues
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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Melo, Miguel


O exame proctoscópico deveria terminar sempre com a rectosigmoidoscopia rígida. Como na anuscopia, não é necessário preparação. Basta que o doente tenha a defecação habitual no mesmo dia do exame para que o recto fique suficientemente limpo. Os clisteres da preparação clássica têm a desvantagem de impedir a visão endoscópica porque o recto continua ainda cheio de fezes liquidas na altura do exame e impedem a observação de semiologia importante como a consistência das fezes e a existência de muco, sangue ou pus. O mesmo acontece com a administração de laxantes na véspera do exame, à noite, que se limitam apenas a fluidificar as fezes sem as expulsar completamente. Na administração de parafina por via oral, as fezes ficam aderentes à mucosa. Se houver no recto fezes de consistência normal, é fácil deslocá-las com a ponta do rectosigmoidoscópio ao mesmo tempo que se vai insuflando com cuidado ar. Nalguns casos, é preciso retirar restos de fezes com a pinça de biopsia. Um ou outro doente pode ter o recto muito cheio de fezes e a rectoscopia é impossível. Neste caso, o recto ficará suficientemente limpo para o exame após a aplicação, no consultório, de um microclíster. O doente pode também voltar noutro dia para fazer o exame, bastando aplicar um microclíster uma hora antes da observação, mantendo-o durante cinco a dez minutos e depois expelindo-o. Um clister de água morna, sem adição de sabão, faz o mesmo efeito.

Actualmente é possível usar rectosigmoidoscópios rígidos de material plástico, descartáveis, de 25 cm de comprimento e 1,7 cm de diâmetro, para adultos. Este diâmetro é suficiente para a observação endoscópica e para a realização de biopsias. Como fonte de iluminação utiliza-se um aparelho de luz fria. A posição de decúbito lateral esquerdo parece ser a menos incómoda para o doente. Este deve sentar-se primeiramente na mesa de observação, que não deve ser muito baixa, e depois deitar-se para a esquerda, mantendo os joelhos flectidos a 120 graus e projectando as nádegas tanto quanto possível para além do bordo da mesa. O tronco deverá fazer com os bordos da mesa um ângulo de cerca de 45 graus.

Após lubrificação do instrumento, o observador segurando firmemente o obturador com a sua mão direita faz a sua introdução no ânus, na direcção do umbigo, por cerca de 4-5 cm, altura em que uma diminuição da resistência indica que está no recto. O obturador é então retirado, a mão esquerda passa a segurar a extremidade do rectoscópio e aplica-se a óptica. Com o cotovelo e a parte proximal do antebraço esquerdos apoiados na nádega do doente, a ponta do instrumento é então avançada, sempre em visão directa e insuflando cuidadosamente ar, em sentido posterior ao longo da curvatura sagrada até à transição rectosigmoideia que, no adulto, se situa a cerca de 14-15 cm da margem do ânus. A insuflação excessiva de ar provoca dor devido à dilatação da parede rectal. A passagem da transição rectosigmoideia pode provocar também dor. A seguir a introdução completa do aparelho é fácil. Em muitos doentes não é possível ultrapassar a transição rectossigmoideia. Não se deve forçar a passagem do instrumento. O valor do exame, que neste caso, é apenas do recto não fica demasiadamente limitado.

A mucosa normal do recto é húmida, de cor vermelha brilhante e lisa após a insuflação de ar e vêm-se muito bem os vasos da sub-mucosa. Observam-se três pregas transversais constantes. Ao nível da transição rectosigmoideia iniciam-se as pregas radiais da mucosa lisa e brilhante. A consistência da mucosa é muito mole, elástica e resistente, de modo que com a pinça de biopsia não se conseguem normalmente obter fragmentos de mucosa, ao contrário do que acontece na superfície de um carcinoma. Nas marcas de calibração do tubo pode-se ler a altura, a partir da margem do ânus, em que se situam as alterações. A observação deve atender aos seguintes aspectos: 

Conteúdo do recto e cólon: deve-se verificar a consistência das fezes, se há muco, sangue ou pus.

Lume do intestino: em casos de megarecto idiopático, encontramos uma ampola rectal ampla. Na doença de Hirschsprung há dificuldade de introduzir o aparelho através do recto distal.

Aspecto da mucosa: nas situações inflamatórias desaparece o padrão vascular característico, a mucosa apresenta-se granular e hiperémica, sangrando ao contacto com o instrumento, podendo observar-se ulcerações.

Presença de pólipos:
de dimensões variáveis, sésseis ou pediculados.

Carcinoma colo-rectal: a maioria dos carcinomas colo-rectais tem uma forma ulcerada de bordos elevados, noutros casos o tumor é anular induzindo uma estenose. As formas protuberantes de cancro intestinal são menos frequentes.

Pode haver necessidade, no fim da rectosigmoidoscopia, de fazer biopsia. A pinça de biopsia é introduzida pelo lúmen do rectoscópio. Prende-se a mucosa e, mantendo a pinça fechada, faz-se uma tracção suave enquanto se fazem vários movimentos de rotação da pinça, até esta se desprender. O produto de biopsia é depois retirado da pinça com uma agulha e fixado em formol.
Há sempre um certo babar de sangue que não tem consequências. Caso a hemorragia seja maior, poderá ser controlada por compressão com uma pequena compressa colocada na extremidade da pinça, embebida em solução de adrenalina (1:1000).

A sigmoidoscopia flexível é realizada com um fibroscópio de 65 cm de comprimento que permite a exploração de um segmento mais longo do cólon do que a sigmoidoscopia rígida. Há também fibroscópios de 35 cm que têm a vantagem de serem menos incómodos para o doente. Está indicada no esclarecimento da fonte de rectorragias, de lesões do sigmóide suspeitas ao clister opaco e no rastreio em doentes de alto risco de carcinoma colo-rectal, isoladamente ou em conjunto com a pesquisa de sangue oculto nas fezes. A sua utilização em cuidados primários é, por razões técnicas, ainda pouco vantajosa. Os doentes que necessitem de sigmoidoscopia flexível devem ser referenciados para a gastrenterologia.
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Bibliografia
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