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Parte IV – Problemas clínicos
4.8. Abordagem do paciente com problemas musculo-esqueléticos

303. Lúpus eritematoso sistémico
Ana Maria Vaz
Maria João Tiago
Sandra Vidigal Amaro

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Nogueira, R;
Silva, Eugénia

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Definição e patogenia
O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença de etiologia desconhecida na qual os tecidos e as células são lesados através da deposição de auto-anticorpos e complexos imunes patogénicos. É provável que factores genéticos, ambientais (exposição solar) e as hormonas sexuais tenham alguma importância patogénica. Existe hiperactividade das células T e B, com produção de auto-anticorpos com especificidade para determinantes antigénicos nucleares e anomalias da função das células T.
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Incidência
As mulheres representam 90% dos casos geralmente em idade fértil. Afecta 1 em cada 1000 pessoas brancas e 1 em cada 250 pessoas negras com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos.
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Importância na prática clínica
É uma doença crónica que requer a educação do doente e o seu envolvimento na doença, uma vez que se reveste de primordial importância a adopção de estilos de vida que permitam prevenir os problemas associados com a hiperlipidemia, obesidade e hipertensão arterial. É necessário ainda uma boa articulação entre o Médico de família e os seus pares dos Cuidados Secundários (Reumatologia, Nefrologia, Psiquiatria, Dermatologia...) na abordagem clínica do doente com LES a longo prazo.
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Manifestações clínicas
A evolução da doença caracteriza-se por períodos de exacerbação e de aquiescência relativa. Pode afectar praticamente qualquer sistema orgânico e possui gravidade variável. O tratamento depende dos órgãos envolvidos e da gravidade da doença. As manifestações frequentes são:

1. Sistémicas – fadiga, febre, mal-estar e perda de peso.

2. Músculo-esqueléticas – cerca de 90% dos doentes tem poliartralgias ou poliartrites (inflamatórias, simétricas e não erosivas), pode ocorrer osteonecrose (avascular, a articulação mais frequentemente atingida é a anca) e osteoporose.

3. Cutâneas – erupções (especialmente «rash» malar em borboleta), fotosensibilidade, vasculite, alopecia e úlceras orais.

4. Hematológicas – anemia (classicamente hemolítica auto-imune que se pode apresentar de uma forma aguda e severa ou crónica. Mas muitos doentes têm anemia associada à doença crónica ou à deficiência de ferro), leucopenia (raramente inferior a 1000 células/mm3), trombocitopenia, linfoadenopatias, esplenomegalia, tromboses venosas ou arteriais.

5. Cardiovasculares e pulmonares – arteriosclerose prematura (é uma das principais causas de mortalidade na perimenopausa e menopausa precoce e é a maior causa de morbilidade. Os doentes com Lúpus têm altos níveis de homocisteína, um factor de risco conhecido para arteriosclerose), pleurite, pericardite, miocardite, endocardite.

6. Renais – nefrite (ocorre em 50% dos doentes e a biopsia pode ajudar a identificar a actividade do Lúpus). 

7. Neurológicas – síndromes cerebrais orgânicas, convulsões, psicose e cerebrite, acidente vascular cerebral, mielopatia transversa e mononeurite múltipla (difícil diagnóstico, pois não há nenhum teste diagnóstico estandardizado).

8. Síndrome antifosfolipido – é um estado de hipercoagubilidade que se manifesta por tromboses venosas ou arteriais, abortos de repetição ou trombocitopenia. O diagnóstico desta síndrome requer a presença de um destes critérios mencionados acima e a presença de anticorpo antifosfolipido (que incluí o anticoagulante lúpico e o anticorpo anticardiolipina). É uma das principais causas de hipercoagubilidade adquirida na população em geral e cerca de metade dos doentes com lúpus produzem este anticorpo.
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Abordagem diagnóstica
Baseia-se na história clínica, no exame físico e na avaliação laboratorial. A presença de anticorpo anti nuclear (ANA) constitui uma característica fundamental contudo um ANA (+) não é específico de LES. A avaliação laboratorial deve incluir:
1. hemograma com plaquetas
2. velocidade de sedimentação
3. ANA e subtipos (anticorpo anti-DNA de dupla hélice (mais específico de LES), anticorpo anti-DNA de hélice simples, anti-Sm (mais específico de LES), anti-Ro, anti-La, anti-histona e anti -RNp).
4. níveis do complemento (C3, C4, CH50)
5. imunoglobulinas séricas
6. VDRL
7. TP e PTT
8. anticorpo anticardiolipina e anticoagulante lúpico, clearance de creatinina e exame citoquímico da urina
9. Electrocardiograma
10. Exames radiográficos apropriados.
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Critérios de diagnóstico
O diagnóstico de LES estabelece-se quando surgem simultânea ou seriadamente ao longo do tempo 4 dos 11 critérios abaixo mencionados:

1. Exantema cutâneo em asa de borboleta
2. Lúpus Discóide
3. Fotosensibilidade
4. Úlceras orais indolores
5. Artrite (não erosiva)
6. Serosite (pleurite ou pericardite)
7. Envolvimento renal traduzido por proteinúria superior a 500 mg/24 horas ou cilindrúria
8. Alterações neurológicas traduzidas por convulsões ou psicose
9. Alterações hematológicas traduzidas por anemia hemolítica, ou linfopenia (< 1500 células/mm3) ou leucopenia (< 4000 células/mm3) ou trombocitopenia inferior a 100.000.
10. Alterações imunológicas traduzidas pela detecção de células LE ou anticorpos anti-DNA, ou anticorpos anti-Sm, ou falsa serologia para a sífilis.
11. A detecção de anticorpos antinucleares.
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Tratamento
A escolha do tratamento baseia-se no tipo e na gravidade das manifestações da doença. O objectivo consiste em controlar as crises agudas e graves e em desenvolver estratégias de manutenção para supressão dos sintomas evitando a toxicidade terapêutica.
Os agentes usados são:

1. Anti inflamatórios não esteróides (AINE) – escolher o menos gastrotóxico e nefrotóxico, pois vão ser usados a longo prazo (ibuprofeno 400-800 mg, 3-4 vezes/dia).

2. Anti-maláricos (hidroxicloroquina, 400 mg/dia)
– podem melhorar as manifestações sistémicas, cutâneas e articulares. É necessário efectuar uma avaliação oftalmológica antes e no decurso do tratamento para excluir qualquer toxicidade ocular, esta é reversível quando se pára a terapêutica.

3. Glucocorticóides sistémicos – podem ser usados para as manifestações potencialmente fatais ou gravemente incapacitantes.

4. Fármacos citotóxicos – mostram-se benéficos na glomerulonefrite activa, podem ser necessários na doença grave inadequadamente controlada com doses aceitáveis de esteróides.
a) metotrexato (7,5 mg 1/semana) – usar ácido fólico para minorar os efeitos secundários.
b) ciclofosfamida
c) azatioprina em doentes que não podem tomar ciclofosfamida

5. Anticoagulação – pode estar indicada em doentes com complicações trombóticas.
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LES e gravidez
A maioria das mulheres com LES podem engravidar, mas o risco materno fetal existe. Mulheres que necessitem de varfarina ou de ciclofosfamida não devem engravidar pelos riscos de teratogenicidade. Algumas doentes com LES que tem antiRo e antiLa positivo tem um risco acrescido do feto ter um bloqueio cardíaco congénito, embora a maioria dos bebés sobrevivam tem uma elevada morbilidade. A gravidez deverá ser vigiada com ecocardiograma fetal para detectar precocemente alguma alteração. Doentes com síndrome de anticorpo antifosfolípido tem elevado risco de aborto e podem requerer tratamento com heparina e aspirina em baixa dose.
Doentes com LES activo e doença renal ou hipertensão arterial ou as que necessitam de altas doses de prednisolona tem um elevado risco de parto de pré - termo por ruptura prematura de membranas. Nestas doentes a pré-eclâmpsia pode ser difícil de diagnosticar do envolvimento renal causado pelo LES.
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Lúpus induzido por drogas
Certos medicamentos podem causar um quadro clínico e imunológico semelhante ao LES. idiopático. Incluem-se neste grupo principalmente a procainamida, a hidralazina, a fenitoína, a isoniazida, a clorpromazida e a metildopa. Também estão descritos casos com a quinidina, os beta bloqueantes, o lítio o propiltiouracilo. As manifestações são predominantemente sistémicas, articulares e pleuropericárdicas; é raro haver manifestações neurológicas ou renais. O achado laboratorial mais importante é a presença de anticorpos antinucleares, raramente estão presentes os anticorpos anti-DNA de dupla hélice e a hipocomplementemia. A maioria dos doentes melhora quando se para o fármaco.
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Pontos-chave
1. Doença crónica com repercussões que necessita de uma boa articulação entre o médico de família, os cuidados secundários e outros profissionais de saúde.
2. 90% casos são mulheres em idade fértil.
3. O diagnóstico baseia-se na clínica e no exame físico e a serologia ajuda a confirmar o diagnóstico. É necessário a presença de 4 dos 11 critérios da Associação Americana de Reumatologia
4. ANA (+) não é específico de lúpus.
5. Sinais e sintomas que traduzem agudização do Lúpus:
- febre
- artrite
- taquicardia
- úlceras orais
- queda do cabelo
- convulsões
- dor torácica
- dispneia
- dificuldade em efectuar cálculos simples
- desorientação temporo-espacial
6. Rever a medicação do doente para fazer o diagnóstico diferencial com o lúpus induzido por drogas.
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7. Referenciar se:
Doença activa grave, com disfunção orgânica ou potencialmente fatal
Doença potencialmente reversível
Leucopenia (< 1000 cel/mm3) e trombocitopenia (< 50.000 cel/mm3) severa
Complicações trombóticas.
Imunossupressão.
Necessário altas doses de Glucocorticoides ou terapêutica endovenosa ou fármacos citotóxicos para alivio da sintomatologia
Gravidez.
8. Os doentes com lúpus têm direito a isenção de pagamento de consultas e medicamentos de acordo com a portaria 1063/94 de 2 de Dezembro.
9. Existe uma Associação de doentes com lúpus cuja morada e telefone são:

Praça Francisco Sá Carneiro n.º 11 2º esquerdo Lisboa
Telefone: 218464483
Fax: 218464484
Número verde (Grátis): 0800 200231
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