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Parte V - Situações de urgência ou de crise
5.2. Vítimas de acidente ou violência

519. Avaliação do doente traumatizado
Adelino Dinis

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Robalo, J.


Nas situações de urgência deve dar-se prioridade em 1º lugar à preservação de vida, em 2º lugar ao órgão e em 3º lugar à função

A participação do Médico de Clínica Geral nas situações em que há vítimas de sinistros é inevitável, podendo ser chamado a prestar os primeiros socorros no local da ocorrência ou nos serviços do Centro de Saúde (S.A.P., S.A.U ou mesmo na consulta). Cabe-lhe, também, na comunidade um papel de formador e organizador dos cuidados imediatos no local do acidente, em colaboração e articulação com as equipas das ambulâncias e os serviços do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
O conteúdo deste trabalho foi baseado nas orientações deste Instituto.
As vítimas de traumatismos graves, apresentam-se em condições que vão desde a estabilidade até ao risco de vida.
Com um tratamento rápido e adequado é possível a sobrevivência, sendo de esperar que estes doentes, sejam avaliados e tratados a nível dos Cuidados de Saúde Primários, antes da sua transferencia, rápida mas acima de tudo segura para o hospital.

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Quadro I

Objectivos a respeitar nos cuidados ao politraumatizado

1. Manter o doente vivo
2. Não provocar novas lesões ou agravar as existentes
3. Entregar o doente nas melhores condições possíveis no serviço que o possa tratar adequadamente

A resposta deve ser organizada e rápida, o que exige preparação prévia e treino: 
-começando com à imediata identificação e tratamento das lesões potencialmente fatais
- exame primário, prosseguindo o diagnóstico e o tratamento das lesões, menos importantes
- exame secundário.

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Quadro II

Grandes causas de morte rápida

1. Destruição dos centros vitais encefálicos
2. A sincope circulatória (neuro-miocárdica ou vagal)
3. A sincope respiratória (de origem central ou asfixia)
4. A hemorragia massisa (com colapso cardiovascular e anoxia anémica)

A avaliação inicial deve ser feita de forma, que não só sejam tratadas as lesões potencialmente fatais nos primeiros minutos, como também não fique nenhuma lesão por diagnosticar quando terminar a avaliação.
O tratamento imediato ao diagnóstico das lesões, potencialmente, fatais não faz parte desta secção, serão contudo referidas as medidas de “suporte básico de vida”.
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Exame primário
A primeira prioridade, na observação do doente traumatizado é procurar alterações que põem a vida em risco, a partir da avaliação dos sinais vitais (consciência, ventilação e circulação) determinar temperatura e pressão arterial:

a) Estado de consciência

b) Ventilação

c) Circulação
Hemorragias 
Sinais de choque

6Quadro III

Prioridades

1. Estabelecer uma via aérea e assegurar a ventilação. (proteger a coluna cervical)
2. Manter circulação e, eventualmente, iniciar a terapêutica do choque!

Estado de consciência – Rapidamente, verificar se a vítima responde a estímulos chamando pelo nome (se possível) e batendo-lhe, suavemente, nos ombros. Suspeitar sempre de lesões craneo-encefálicas quando a vítima está inconsciente e é um acidentado!

Ventilação – Verificar se as vias aéreas estão permeáveis, proceder à sua abertura e pesquisar a existência de movimentos ventilatórios (ver, ouvir, sentir). Nas vítimas inconscientes em decúbito dorsal a queda da língua para a orofaringe, poderá dificultar a passagem do ar para os pulmões, pelo que deve ser feita a hiperextensão da cabeça com elevação do maxilar inferior . Se há suspeita de lesão cervical fazer a tracção do maxilar sem hiperextensão do pescoço. A pesquisa dos movimentos ventilatórios, faz-se mantendo a abertura das vias aéreas, colocando a face junto ao nariz e boca da vítima, vendo se existem movimentos toraxicos e abdominais, ouvindo e sentindo a entrada e saída de ar pela boca e nariz da vítima (durante 5 segundos), se não ventilar, iniciar imediatamente a ventilação artificial.
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Quadro IV

Actuação para controlo da via aérea

1. Aspiração, tubo de gurdel, mascara de bolso, mascara e balão, entubação traquial, O2 em alto débito
2. Na suspeita de lesão cervical, aplicar colar cervical ou na sua falta toalha enrolada ao pescoço e plano duro

As manobras de Reanimação Cardio-Respiratória (R.C.R.) tem prioridade sobre outras intervenções, não há que perder tempo em caso de paragem cardio-respiratória, iniciar a ventilação artificial, boca a boca ou boca nariz, com mascara de bolso ou mascara balão, fazendo 2 insuflações e partir para a avaliação da circulação. 

CIRCULAÇÃO - Inicia-se rapidamente pela avaliação do pulso, em caso de vítimas inconscientes, pesquisa-se sempre o pulso carotideo durante 10 segundos.
A paragem respiratória e cardíaca implica a aplicação imediata das manobras de R.C.R.(Abertura das vias aéreas, ventilação artificial e compressões toraxicas)
Uma actuação imediata e eficiente na Paragem Cardio-Respiratória, no 1º minuto as hipóteses de sobrevivência são de 98%, no 4º minuto são já de 50% e no 6º minuto de 11%.

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Quadro V

Actuação básica

A vítima não responde a estímulos está inconsciente
Coloca-la em decúbito dorsal sobre superficie dura e plana e fazer a abertura das vias aereas.
Se respira espontaneamente e tem pulso
Colocá-la em posição lateral de segurança, vigiar
Se não respirar mas há pulso
Fazer ventilação artificial – 1 insuflação em cada 5 segundos, em adultos, vigiar o pulso
Se não respira nem há pulso
Fazer 15 compressões seguidas de 2 insuflações se há um renimador ou 5 compressões seguidas de 1 insuflação se há dois reanimadores.

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Quadro VI

Actuação complementar

Controle de hemorragias, acesso venoso e soros, monitorização cardíaca, monitorização da p.a., oximetria de pulso.

Hemorragias - As hemorragias externas são facilmente reconhecidas, podendo ser pulsáteis se tem origem em artérias, continua se tem origem em veias e em toalha se tem origem em capilares. As hemorragias internas são mais difíceis de reconhecer, sendo de suspeitar em doentes não estabilizados, com saída de sangue pelos orifícios naturais, respiração rápida superficial e difícil, pulso rápido e fraco, pele pálida ou suada, hipotermia, sede, zumbidos, ansiedade e agitação, estado de inconsciência.Suspeitar de hemorragia interna nas vítimas de traumas com forte impacto abdominal, quedas de altura superior à do corpo da vítima, feridas penetrantes, lesões toraxcicas com suspeita de fractura de costelas, politraumatisados graves com suspeita de fracturas de grandes ossos, fémur, bacia.

Sinais de choque - Deverão sempre ser pesquisados e prevenidos em todos os acidentados que tenham hemorragias graves, lesões por esmagamento, fracturas simples e complicadas, amputações, queimaduras ou qualquer ferida grave.

São sinais de choque:
1. Alterações do estado de consciência
2. Dificuldade em ventilar
3. Pulso rápido e fraco
4. Lábios pálidos ou cianosados
5. Pele das extremidades pálida ou cianosada
6. Temperatura baixa com suores frios
7. Náuseas, vómitos e secura das mucosas
8. Sede
9. Olhos baços e sem brilho
10. Hipotensão

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Quadro VII

Actuação

Tratar as causas, controlar as hemorragias, tratar as feridas, imobilizar as fracturas, manter a permeabilidade das vias aéreas, o2, posicionar a vítima (decúbito dorsal, sem nada sob a cabeça e membros inferiores elevados a 30º), conservar a temperatura do corpo, hidratar, vigiar sinais vitais

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Exame secundário
Destina-se a procurar de forma ordenada as alterações sem risco de vida imediato mas que necessitam de tratamento. Este exame nunca deve retardar o transporte de modo adequado das vítimas quando necessário!

Procurar que o transporte não constitua um factor de agravamento ou impedimento de instituição de terapêutica!

No exame secundário devemos considerar a recolha de informação dirigida em saber o que aconteceu à vítima, identificar a sua queixa principal, conhecer os seus antecedentes pessoais (doenças, medicação, alergias,…)

Durante esta observação manter a coluna cervical alinhada. 

Inspeccionar e palpar cada área do corpo de forma sistemática, dando prioridade às que não se apresentam normais.

Inspeccionar a área do tórax e auscultar.

Inspeccionar o abdómen e a cintura pélvica.

Inspeccionar as extremidades e os membros, palpar o pulso, pesquisar a sensibilidade e a função motora, alterações da coloração da pele e temperatura.

Verificar o alinhamento e pontos dolorosos da colona vertebral para proceder a uma passagem segura para o plano duro ou maca “coquilhe”. 

Avaliar e registar os sinais vitais, não só no local do 1º socorro como durante o transporte: ventilação e pulso (frequência, amplitude e ritmo). T.A., temperatura.

Repetir a avaliação e o registo dos sinais vitais em cada 15 minutos para os doentes estáveis e cada 5 minutos para os doentes que não estejam estabilizados.
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Alteração dos sinais vitais em consequência do trauma
1. Ventilação rápida e superficial, pode sugerir lesões da cabeça, pescoço e tórax.

2. Pulso rápido e fraco pode sugerir choque

3. Alteração da P.A., nos traumatismos craneo-encefálicos, os valores da pressão sistólica podem estar elevados. 

4. Pelo contrário, nas situações de choque, os valores da P.A. apresentam-se habitualmente baixos. 

5. Temperaturas elevadas, poderão surgir em traumatismos craneo-encefálicos graves.

6. Temperaturas baixas, surgem quando existem traumatismos medulares ou em vítimas de choque.

7. A abordagem das consequências dos traumatismos a nível dos diferentes órgãos, nomeadamente:

Lesões Craneo-Encefálicas
Lesões Vertebro-Medulares
Lesões dos tecidos Moles
Lesões do tórax
Lesões Abdominais
Fracturas Osteo-articulares

O seu tratamento inicial, mobilização e transporte serão tratados em outros capítulos.
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Bibliografia
Brent Q. Hapen, Keith J.Karren. Prehospital emergency care and crisis intervention. Englewood (Colorado): Morton Publishing ; 1997.

C. Josh Eaton. Essential of immediate medical care. London: Churchill Livingstone; 1992. p 375 – 86.

Lidia Pusada, Harold H. Osborn. Medicina de urgência para o médico interno. Lisboa: Gauge; 1989. p. 141 – 83.

Manual de suporte avançado de vida. Lisboa: Conselho Português de Ressuscitação; 1996.

Mark C.Henry, Edward R. Stapleton. E.M.T. Prehospital care. Philadelfia (Pensylvania): W.B. Saunders; 1995.

R. Stoppa, M. Caron. Conduit á tenir devant un polytraumatisme. Paris: E.M.C. 1977. 24117 A10. p. 1 – 16.

Textos de apoio do curso de formação para formadores na área de socorrismo e emergência médica. Angra do Heroísmo (Açores): I.N.E.M./ S.R.P.C. dos Açores; 1998.

Agradecimento:
Ao Dr. Figueiredo Lima, Serviço de Anestesiologia do Hosp. De Santa Maria e coordenador da disciplina de Anestesiologia da FML, pela revisão do texto e aconselhamento.