índice parcial
Parte I – Relação, Comunicação e Consulta
1.2. A consulta

17. A utilização do telefone

Maria da Graça Santos

Ana Maria Moinhos

Luís Afonso

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Sousa, Jaime C.


Data de 1897 a primeira publicação (Lancet) sobre a utilização do telefone no âmbito dos cuidados médicos, usado para ouvir a respiração de uma criança com suspeita de difteria. Muitas outras publicações se lhe sucederam, demonstrando a progressiva necessidade de conhecimento fiável, que permitisse dar-lhe a melhor utilização possível.
São os países da América do Norte e Norte da Europa, que mais têm contribuído com investigação nesta área, estando a sua utilização nestes, já implementada de forma rotineira, em várias áreas da prestação de cuidados primários de saúde. Em Portugal, é um assunto ainda mal conhecido, e provavelmente para alguns «assunto mal amado», a necessitar mais investigação adaptada à nossa realidade.
O envelhecimento da população, o aumento progressivo da dimensão das listas de utentes consequência da diminuição dos recursos médicos em Medicina Geral e Familiar, a crescente preocupação com a acessibilidade, a transferência cada vez mais precoce dos cuidados do Hospital para a comunidade, a necessidade de formação contínua do médico, são entre outros, alguns dos argumentos que corroboram a necessidade de utilização criteriosa do tempo do Médico de Família (MF).
O telefone pode ser um meio de facilitar este desiderato, através da prestação de cuidados/aconselhamento telefónico, como método alternativo às consultas tradicionais.
Toda a investigação levada a cabo sobre a utilização do telefone em Cuidados Primários, evidencia-o como instrumento básico, a par do estetoscópio, sendo necessariamente considerado um serviço, incluído na diversidade de serviços disponíveis nos Centros de Saúde, facilitador de acessibilidade, com impacto positivo na satisfação dos utentes, bem como um meio eficiente de obter e prestar cuidados de saúde, poupador de tempo a utentes e profissionais , e evitando em elevada percentagem de casos, a necessidade de efectuação de visitação domiciliária, ou recurso a encontro face a face.
1
A aplicação do telefone em cuidados primários de saúde
São várias as experiências internacionais descritas, relativas à utilização do telefone, como forma de gerir a carga de trabalho diária do MF, referindo várias delas que outros membros da equipa de saúde, particularmente os de enfermagem, quando devidamente treinados em triagem telefónica, podem desempenhar papel relevante no que concerne à gestão diária do trabalho médico.
Morris et al avaliaram o impacto da triagem telefónica efectuada por profissionais de enfermagem, no estudo com a maior amostra de gestão telefónica «dos pedidos de consulta médica urgente» em Cuidados de Saúde Primários, envolvendo 1263 consultas. Constataram que destas, 26% foram geridas só por contacto telefónico com a enfermeira, sem recurso ao médico, 21% foram observados no Centro de Saúde só pela enfermeira , 45% foram à consulta médica, e 8% tiveram em simultâneo cuidados médicos e de enfermagem, donde se concluiu que este método reduziu em 47% o trabalho médico nas solicitações urgentes de consulta. Em simultâneo, foi avaliada a satisfação dos utentes que receberam exclusivamente aconselhamento da enfermeira (26%), estando a larga maioria deles (88%) satisfeita com o serviço que lhes foi prestado, facto este confirmado por muitos outros estudos realizados.
Jones et al. provaram que utilizando um sistema de triagem de enfermagem das solicitações telefónicas de consulta domiciliária, foi possível a redução a metade do número de visitas domiciliárias efectuadas pelos MF, libertando tempo para outras actividades, encontrando-se os doentes plenamente satisfeitos com este sistema . Furman afirma que no tempo gasto numa visita domiciliária, podem fazer-se 3 consultas face a face, ou atender 10 contactos telefónicos.
Marsh e Dawes em estudo recente, demonstraram que uma enfermeira de Cuidados de Saúde Primários a quem foi dada formação específica, pode manusear sem qualquer envolvimento médico, 86% dos problemas minor apresentados pelos utentes. Os que mais frequentemente foram geridos desta forma foram os dermatológicos, ginecológicos e de contracepção.
É nos Centros de Saúde Suecos que esta experiência é mais alargada, estimando-se em cerca de 20 milhões por ano, o número de chamadas geridas. Marklund e Bengtsson demonstraram que 40% das chamadas podem ser geridas sem necessidade de recurso a consulta médica só com aconselhamento/tranquilização, e só 44% tiveram necessidade de consulta para gestão do problema apresentado.
A resultado idêntico chegou o único estudo publicado em Portugal no qual 45% dos contactos foram considerados resolvidos, 47% dos pacientes foram à consulta de Medicina Geral e Familiar e 2% motivaram visitas domiciliárias.
Há pois evidência suficiente, de que o telefone é um instrumento de trabalho imprescindível em Cuidados de Saúde Primários, alternativo aos encontros face a face um excelente meio enriquecedor da relação médico-utente / equipa de saúde-utente, facilitando a resposta rápida a múltiplas situações (administrativas, de saúde, tranquilização e outras), libertando tempo ao médico.
Hallam, grande investigador desta área, sugere que o acesso telefónico aos Centros de Saúde/ Médicos de Família, necessita ser publicitado, e que deve haver crescente preocupação na efectuação de «guidelines» locais, para os problemas susceptíveis de serem geridos pelo telefone. Relativamente a estes, houve considerável concordância entre os 1459 MF inquiridos: problemas minor, problemas auto-limitados particularmente do tracto respiratório superior e digestivo, situações recorrentes, exacerbações de problemas crónicos previamente diagnosticados e pequenos traumatismos. Houve também concordância alargada, para os sintomas / problemas, para os quais foi considerado desadequado só o aconselhamento telefónico, a saber: dor no peito, dor abdominal, dispneia, doença em recém-nascido, hemorragia não traumática, febre alta, sintomas severos e duradouros, ou doença em doente «novo» (desconhecido do médico).
2
O ponto de vista do médico
Nos Países em que as consultas telefónicas são já rotina (USA, Suécia e Dinamarca) são coincidentes os dados de investigação no que respeita à identificação do utente típico, principais motivos de contacto, bem como soluções/encaminhamento dos problemas apresentados, (diferindo nalguns casos com a realidade portuguesa), vantagens e desvantagens deste serviço.
O utilizador mais frequentemente encontrado foi, a mulher jovem com filhos pequenos, ou a mulher idosa, pertencente a classe sócio-económica média a elevada que utiliza o seu próprio telefone para efectuar o contacto.
Da investigação (escassa) realizada em Portugal evidencia-se que são também as mulheres quem mais contacta, pertencentes a família nuclear, com nível de instrução primário, utilizando também o seu próprio telefone para o fazer.
No que concerne aos motivos de contacto, foram os relativos a doença que predominaram, variando entre 41 e 80% consoante os estudos. As doenças agudas ou crónicas em tratamento representaram a maior percentagem de motivos de contacto. Em Portugal predominaram os sintomas referentes ao sistema músculo-esquelético. É de salientar a elevada percentagem referenciada nos estudos portugueses de problemas administrativos, como motivo predominante, respectivamente 57 e 33,3%.
As soluções/encaminhamento dado aos contactos, foram unânimes em todos os estudos analisados no que se refere à necessidade de encontro face a face como principal solução, variando entre 20 e 50% - 47% em Portugal - , logo seguida do aconselhamento telefónico exclusivo – em Portugal 45%. Desta última percentagem ressalta o valor que o telefone pode ter na prática diária do MF, como poupador de tempo.
A visão dos Médicos de Família enuncia como principais vantagens do uso do telefone na sua prática diária:

1- poupar tempo ao utente e ao profissional libertando tempo para outras actividades;
2- fortalecer a relação médico-utente;
3- diminuir a necessidade de visitas domiciliárias;
4- diminuir a pressão sobre o sistema de marcação de consultas;
5- diminuir o absentismo laboral, os custos com deslocações e o tempo de espera dos utentes;
6- tranquilizar o utente face a qualquer dúvida surgida;
7- aumentar a acessibilidade, sendo de primordial importância nas populações mais isoladas;

enumerando como desvantagens ou inconvenientes:
1- as interrupções frequentes;
2- a falta de privacidade;
3- o abuso por parte de alguns utentes, motivando contactos desnecessários;
4- colheita de dados imprecisa e registos clínicos deficitários ou inexistentes;
5- o utente não ser observado.

Infere-se pois, que as vantagens excedem largamente as desvantagens/inconvenientes.
A maioria dos MF ingleses não aceita chamadas durante a consulta, reservando tempo específico para este atendimento o que nalguns Centros de Saúde portugueses também é prática comum.
Curiosamente, no que se refere à primeira das desvantagens enumeradas, Nick Carr sugere o recurso a alguns «truques», que as podem transformar de incómodas em «instrumentos terapêuticos». Assim, antes de atender o telefone que toca, devem fixar-se as últimas palavras do utente presente na consulta, palavras essas com que será reiniciado o diálogo pós interrupção. Será assim um indício de que o seu médico o conservou na memória durante a interrupção. Sortirá o mesmo efeito para o utente, quando no decurso de uma consulta difícil ou em fase importante desta, ouvir o seu médico dizer à telefonista, que não pode atender a chamada naquele momento.
Dearden et al, em estudo recente sobre a visão dos utentes relativamente às interrupções das consultas, concluíram que a maioria dos utentes não se sentiu afectada por elas. 
Relativamente à última desvantagem enumerada, nenhum dos estudos efectuados, trouxe evidência de que a utilização do telefone implique mais erros no diagnóstico e conduta terapêutica, do que os encontros directos.
3
O ponto de vista do utente
A larga maioria dos utentes inquiridos nos estudos apresentados na literatura, referem apreciar o facto de poderem contactar o seu médico pelo telefone, o que lhes proporciona segurança, comodidade, e funcionando mesmo nalguns casos como motivo de escolha do profissional.
O elevado grau de satisfação dos utilizadores deste serviço, atingindo nalguns estudos percentagens de 91,4%, são referidos como devidos a: 
1- aumentar a acessibilidade ao médico;
2- evitar consultas e deslocações desnecessárias;
3- libertar tempo ao médico para consultas face a face;
4- ser tranquilizador;
5- poupar tempo ao utente e ao médico;
6- ser mais cómodo para o utente, principalmente idosos e mães de crianças pequenas.
4
Pontos a reter
Serviço importante a disponibilizar e divulgar nos Centros de Saúde;
Impacto positivo na satisfação dos utentes;
Agiliza a gestão do tempo do MF;
Reduz a necessidade de visitas domiciliárias;
Tranquiliza o utente;
Alivia a pressão sobre o sistema de marcação de consultas;
Necessidade de educação dos utentes, quanto à pertinência e importância dos contactos telefónicos;
Necessidade de formar outros técnicos de saúde para atendimento telefónico, além do MF, criando normas/protocolos de triagem consensuais.
5
Bibliografia
Bastos C, Rocha MA, Romeiro ML, Libório MT. Telefone em Medicina Geral e Familiar. Caracterização de contactos telefónicos no C.S. de Oeiras. Rev. Port. Clin. Geral 1997; 14: 188-97.

Brown A, Armstrong D. Telephone consultations in general practice: na additional or alternative service? Br J Gen Pract 1995; 45: 673-5.

Dearden A, Smithers M, Thapor A., Interruptions during general practice consultations - the pacients’ view. Fam Pract 1996; 13 (2): 166-9.

Furman S. The telephone in Family Practice. S Afr Med J 1983; 63: 321-2.

Hallam L, Patient acess to General Practicioners by Telephone: the Doctor’s View. Br J Gen Pract 1992; 42: 186-9.

Hallam L. You’ve Got a Lot to Answer for Mr Bell. A Review of the use of the Telephone in Primary Care. Fam Pract 1989; 6: 47-57.

Heagarty MC . From house calls to telephone calls. Am J Public Health 1978; 68: 14-5.

Jones K, Gilbert P, Little J, Wilkinson K. Nurse triage for house call requests in a Tyneside General Practice: pacients’ view and effect on doctor workload. Br J Gen Pract 1998; 48: 1303-6.

Letter to The Editor. Lancet 1879; 29 November ;819.

Marklund B, Bengtsson C. Medical Advice by Telephone at Swedish Health Centres: Who Calls and What are the Problems? Fam Pract 1989; 6: 42-6.

Marsh GN, Dawes ML. Establishing a minor ilness nurse in a busy General Practice. BMJ 1995; 310: 778-80.

Morris G, Huddart T, Henderson B. Thelephone triage of acute ilness by a practice nurse in General Practice: outcomes of care. Br J Gen Pract 1998; 48: 1141-5.

Nagle JP, McMahon K, Barbour M et al. Evaluation of the use and usefulness of telephone consultations in one general practice. Br J Gen Pract 1992; 42: 190-3.

Nagle JP, McMahon K, Barbour M et al.Patient satisfaction with the acessibility to a Group Pratice. J Management Med 1991; 5: 18-26.

Nick Carr MA. Six second therapy. Australian Fam Phys 1998; 27 (4): 233.

Studiford JS, et al. The telephone in primary care. Prim Care 1996 ; 23 (1) : 83-102.

Tavares JF. O telefone. Diário do Orientador. Porto 1991; 81-9.

Virji AN. Usefulness of Telephone Consultations in General Practice *Editorial* Br J Gen Pract 1992; 42: 179-80.