índice parcial
Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.2. Sexualidade e planeamento familiar
38.Contracepção oral
Gabriela Fernandes
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Sardinha, Ana

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Introdução
Os contraceptivos orais são os fármacos mais usados em todo o mundo, de entre os que requerem prescrição médica. O seu principal papel é a contracepção, tendo elevada eficácia. Nos ensaios clínicos a taxa de insucesso varia entre 0,3 e 0,5 por 100 mulheres/ano com a pílula só de progestagénios e aproxima-se dos 0% com a pílula combinada. Contudo, na prática clínica, esta taxa varia entre 3 e 20%, devido sobretudo a problemas relacionados com a ausência de cumprimento da posologia ou de recomendações quando surgem vómitos, interacção de fármacos ou metrorragias.
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Tipos de contracepção oral

1. Contraceptivos orais combinados (COC)

a) Monofásicos: são preparados de estrogénio e progestagénio em doses fixas que se tomam durante 21 dias, seguidos de um intervalo livre de 7 dias. 
Actualmente só existem comercializadas, no nosso país, formulações de baixa dosagem (micropílula), contendo entre 20-35 mg de etinilestradiol e diferentes progestativos (Quadro I). 
b) Bifásicos: a sua composição contém um progestagéneo e etinilestradiol, numa fase relativamente estrogénica durante os primeiros dias, seguidos de uma fase progestagénica até ao final da toma da pílula.
c) Trifásicos: tal como os anteriores contêm quantidades variáveis de hormonas (etinilestradiol e um progestagénio) para serem tomadas ao longo do ciclo, fazendo variar a concentração sobretudo de progestagénios. Têm um predomínio inicial de estrogénios tentando assim, imitar o ciclo hormonal normal. (Quadro I).

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Quadro I

Contraceptivos orais comercializados em Portugal

Designação comercial Composição farmacológica
  COCs MONOFÁSICOS
MARVELON DESOGESTREL (0,15mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg)
MERCILON  DESOGESTREL (0,15mg) + ETINILESTRADIOL (0,02mg)
HARMONET  GESTODENO (0,075mg) + ETINILESTRADIOL (0,02mg)
MINIGESTE  GESTODENO (0,075mg) + ETINILESTRADIOL (0,02mg)
GYNERA  GESTODENO (0,075mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg)
MINULET  GESTODENO (0,075mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg)
MICROGINON  LEVONORGESTREL (0,15mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg)
NEOMONOVAR  LEVONORGESTREL (0,15mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg)
  COCS BIFÁSICOS
GRACIAL  DESOGESTREL 
(0,025mg/0,125mg)+ETINILESTRADIOL (0,040/0,030mg)
  COCs TRIFÁSICOS 
TRI-GYNERA GESTODENO
(0,05mg/0,07mg/0,1mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg/0,04mg/0,03mg)
TRI-MINULET GESTODENO (0,05mg / 0,07mg / 0,1mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg / 0,04mg / 0,03mg)
TRINORDIOL  LEVONORGESTREL (0,05mg / 0,075mg / 0,125mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg / 0,04mg / 0,03mg)
TRIQUILAR  LEVONORGESTREL (0,05mg / 0,075mg / 0,125mg) + ETINILESTRADIOL (0,03mg / 0,04mg / 0,03mg)
  PROGESTAGÉNIOS
EXLUTON  LINESTRENOL (0,5mg)
  ANTIANDROGÉNICO
DIANE 35 ACETATO DE CIPROTERONA (2mg) + ETINILESTRADIOL (0,035mg)

Fonte: Simposium Terapêutico, Enciclopédia de Especialidades Farmacêuticas Portuguesas, Edições Simposium, ano XLII, 1998.
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2. Contraceptivos contendo só progestagéneos (POP) 
Também conhecidos por minipílula, os POP («Progestogen-only pill») contêm uma minidose de progestagénio (no nosso país apenas dispomos do linestrenol) que se toma diária e continuamente, sem qualquer intervalo livre. Os progestagénios usados nestas baixas doses, apenas inibem a ovulação, em 50 a 70% dos ciclos, sendo a sua acção contraceptiva exercida pela sua actuação adicional sobre o muco cervical (torna-se muito abundante, dificultando a penetração pelos espermatozóides) e sobre o endométrio (torna-se fino e produz menos glicogénio, dificultando a implantação do blastocisto). Dado que interferem de diferentes formas com a função ovárica, podem alterar significativamente os ciclos menstruais. A sua eficácia é proporcional à idade e é menor do que a dos Contraceptivos Orais Combinados. Deve iniciar-se no 1º dia do ciclo menstrual e tomar-se continuamente, sempre à mesma hora. 0 efeito contraceptivo estabelece-se 48 horas após o início da contracepção. O tempo permitido para o esquecimento deste tipo de pílula é muito mais limitado e portanto se uma toma é atrasada mais do que 3 horas, é aconselhável adoptar medidas contraceptivas adicionais durante as 48 horas seguintes.
Deve evitar-se a sua utilização nas mulheres com doença trofoblástica recente e até à negatividade da Gonadotrofina Coriónica no sangue e na urina (aumenta a probabilidade de necessidade de quimioterapia) e também nas mulheres com história de gravidez ectópica prévia uma vez que as POP podem permitir algumas ovulações. Deve ainda ter-se ainda em atenção que os quistos ováricos funcionais são mais frequentes nas utilizadoras da pílula só de progestagénios, constituindo estes assim, uma contra-indicação relativa ao uso deste tipo de pílula.
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Riscos e benefícios da contracepção oral combinada
Os COC são geralmente muito bem tolerados, sendo o risco da sua utilização comparável ou inferior ao risco da gravidez para a mulher. Os receios que ainda hoje se verificam em relação à sua utilização reportam-se a estudos feitos com preparados de alta dosagem, não se podendo extrapolar para os actualmente usados (Quadro 2).
Não existe prova do aumento de incidência de neoplasias em geral nas utilizadoras de COC e o seu uso diminui o risco de cancro do ovário (taxa de protecção de 40% nas utilizadoras) e do endométrio (taxa de protecção de 50% nas utilizadoras).
Estes fármacos podem ser prescritos para o tratamento de problemas ginecológicos, de que são exemplo, a dismenorreia, o controle da menorragia, a prevenção de quistos ováricos funcionais e o controlo da endometriose. Por vezes, nestes casos, pode ter de se recorrer a preparados de alta dosagem ou prescrever COC a mulheres que teriam contra-indicação na avaliação restrita da contracepção.

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Quadro II

Riscos e benefícios dos COC
BENEFÍCIOS RISCOS
-100% eficaz e reversível
-não interfere com a relação sexual
-algumas pílulas melhoram o acne
-regula os ciclos menstruais
-diminui a tensão pré-menstrual
-diminui a dismenorreia primária
-diminui a hemorragia menstrual e a anemia consequente
-diminui a incidência de doença inflamatória pélvica
-reduz a incidência de cancro do ovário e do endométrio
-reduz a incidência de doença benigna da mama
-reduz a incidência de quistos funcionais do ovário
-reduz a incidência de gravidez ectópica
-reduz a incidência de artrite reumatóide grave
-«spotting», amenorreia após interrupção
- náuseas
-ganho ponderal, retenção de fluidos
-cefaleias
-depressão, redução da libido
-cloasma
-aumento da incidência de tumores benignos do fígado
-aumento da incidência de hepatoma primário
-aumento possível de risco de carcinoma da mama, sobretudo quando há outros factores associados
-aumento do tromboembolismo venoso
-aumento de risco cardiovascular, sobretudo quando associado a tabagismo e certas patologias


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Contra-indicações da contracepção oral combinada
As contra-indicações absolutas são raras. A presença de uma contra-indicação relativa, significa que a pílula pode ser usada após avaliação individualizada do risco versus benefício (Quadro 3). Por vezes torna-se necessária uma vigilância clínica apropriada (por exemplo um controle tensional mais frequente). Ter em atenção que pode haver sinergismo entre duas contra-indicações relativas.

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Quadro III
Contra-indicações da COC
CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS CONTRAINDICAÇÕES RELATIVAS
Gravidez
Doença cerebro ou cardiovascular
Tabagismo em idade superior a 35 anos
Antecedentes ou presença de tromboflebite ou doenças tromboembólicas
Doença hepática com alteração da função hepática
Enxaqueca com aura com sintomas neurológicos focais
Diabetes mellitus com complicações vasculares
Neoplasia hormonodependente
Hemorragia uterina de etiologia não esclarecida
Hipertensão > 160/ 95 mm Hg
Amenorreia não esclarecida
Excesso de peso
Tabagismo
Varizes acentuadas
Dislipidémia
Enxaqueca sem aura
Diabetes mellitus sem complicações Vasculares
Hiperprolactinémia
Depressão grave
Hipertensão igual ou < 160/ 95

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Contracepção na adolescência
Os contraceptivos orais, devido à sua elevada eficácia e segurança, são considerados como o método anticonceptivo de eleição para as jovens sexualmente activas. Neste grupo etário são também valorizados os efeitos benéficos destes fármacos sobre a dismenorreia, as irregularidades menstruais, o acne, o hirsutismo e a prevenção da doença inflamatória pélvica.
Está demonstrado que uma gravidez na adolescência altera mais o meio hormonal e interfere mais com o crescimento do que qualquer Contraceptivo Oral. Se não houver um problema médico associado, qualquer adolescente saudável, após estabelecimento do período menstrual poderá fazer pílula, devendo ser esta a de mais baixa dosagem possível, mantendo a eficácia necessária e a segurança. Terá de se ter em conta, que na adolescência, são mais frequentes os esquecimentos e o atraso na ingestão da pílula, o que compromete a sua eficácia. A aderência melhora substancialmente quando são feitas acções educativas ajustadas com base na captação de confiança da adolescente. Há que informar sobre as reacções acessórias, nomeadamente as metrorragias que são frequentes nos primeiros meses, sobretudo se a ingestão for irregular. Deverão explicar-se os benefícios e tranquilizá-las em relação ao mito do aumento ponderal, que não se verifica com as baixas dosagens. 
A abordagem terá sempre que ser individualizada, podendo iniciar-se por uma pílula monofásica ou trifásica. Se a adolescente apresentar efeitos acessórios indesejáveis e persistentes com a pílula escolhida inicialmente deve prescrever-se uma preparação diferente.
Deve ainda alertar-se para a transmissão sexual de doenças (DST’s) e encorajar a utilização de um método de barreira associado, que protege das DST’s e reforça a protecção contra a gravidez.
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Contracepção oral na mulher peri-menopáusica
As pílulas progestagénicas de utilização contínua, apesar de serem mais efectivas neste grupo etário, têm a desvantagem de provocar irregularidades do ciclo menstrual (hemorragias e/ou amenorreias). Podem estar indicadas nas mulheres que têm complicações tromboembólicas e nas que têm efeitos secundários atribuíveis aos estrogénios. Devem ser consideradas sobretudo nas mulheres com mais de 45 anos ou nas de idade superior a 35 que têm factores de risco para uso de estrogénios (tabagismo, doença cardiovascular). Em todas as outras os COC mantêm a sua indicação. Deve-se avaliar anualmente a FSH, LH e 17 b estradiol na véspera do reinicio da pílula (último dia de descanso), para detecção laboratorial da menopausa.
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Contracepção oral no pós-parto
A pílula pode ser iniciada entre a 2ª e a 3ª semana pós-parto, garantindo assim, protecção em relação à primeira ovulação, com reduzida probabilidade de existência de factores trombóticos residuais.
0 risco de sinergismo entre a permanência das alterações de coagulação e o efeito potencialmente tromboembólico dos estrogénios, existe efectivamente nas primeiras semanas pós parto, mas os factores de coagulação voltam ao normal precocemente e até às 4 semanas de puerpério.
Na mulher que amamenta: É ainda controverso se as mulheres que estão a amamentar devem ou não usar contraceptivos contendo estrogénios. O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia e a Academia Americana de Pediatria estabeleceram que essa utilização é aceitável, mas as recomendações da F.D.A. são em sentido contrário.
Resta-nos sempre, contudo, a opção pela escolha de uma pílula contendo apenas progestagénios ou pelo acetato de medroxiprogesterona injectável, que não afectam a qualidade ou a quantidade do leite, nem a saúde do bebé que está a ser amamentado. 
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Contracepção oral pós-coital ou de emergência
A contracepção pós-coital utilizando contraceptivos orais deve ser encarada como um recurso de emergência, após uma relação sexual não programada ou de um acidente contraceptivo (ruptura de preservativo). 
Actualmente já existem preparados doseados para este fim, contendo etinilestradiol e levonorgestrel (Tetraginon®), devendo ingerir-se duas drageias numa toma e repetir 12 horas depois.
0 método é eficaz se a 1ª dose for ingerida nas 72 horas imediatas pós-exposição. Na eventualidade de ocorrência de náuseas deve ser administrado previamente um anti emético.
Mais recentemente surgiu no nosso mercado um novo contraceptivo de emergência contendo apenas levonorgestrel, 0,750 mg por comprimido (Norlevoâ). Tal como no caso anterior deve-se ingerir a 1ª dose (neste caso, um comprimido) até 72 horas após a relação sexual desprotegida e o 2º comprimido deverá ser tomado 12 a 24 horas após o 1º. 
Pontos práticos a reter
- A maioria das mulheres em idade fértil pode fazer contracepção oral
- Os contraceptivos orais podem ter indicação clínica para além da contracepção
- O risco é normalmente inferior ao de uma gravidez ou de um parto, e é tanto mais inferior quanto menos desenvolvido é o país
- Os riscos são atenuados ao fazer uma história clínica cuidadosa
- O risco tem diminuído nos últimos anos, à medida que se utilizam doses hormonais cada vez mais baixas
- Não existe prova de aumento de incidência de neoplasias em geral nas utilizadoras de COs
- A POP («progestagen-only pill») não afecta a qualidade nem a quantidade do leite materno
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Actuação face a situações específicas
1. Mulheres que vão ser submetidas a cirurgia electiva
A F.D.A. recomenda (devido ao risco aumentado de tromboembolismo) que as mulheres devem interromper a utilização da pílula nas 4 semanas precedentes à cirurgia e só voltar a retomar a sua utilização 2 semanas após a intervenção.

2. Hemorragias («spotting») na fase inicial do ciclo menstrual 
Esta situação pode sugerir que a quantidade de progestagénio do contraceptivo oral é excessivo para essa mulher. Nestes casos, deve-se escolher um fármaco cuja dose de estrogénio relativamente à dose de progestagénio esteja aumentada.

3. Hemorragias ocorrendo na fase final do ciclo menstrual
Geralmente resultam de altos níveis de estrogénios e, nestes casos, deve escolher-se uma pílula com predomínio progestagénico, como por exemplo, uma pílula sequencial, que na fase final do ciclo tem uma maior quantidade relativa de progestagénio.

4. Síndroma do ovário poliquístico, acne, alopécia androgénica e hirsutismo 
O principal efeito benéfico nestas situações é causado pelo estradiol. A associação aos novos progestagénios (desogestrel ou gestodene) pode trazer um benefício adicional. A pílula contendo acetato de ciproterona (anti-androgénico) é indicada nas formas mais acentuadas de acne e de outras doenças androgeno-dependentes da mulher. Não deve aliás ser prescrita exclusivamente como anticoncepcional fora do contexto acima enunciado.

5. Antecedentes de problemas tromboembólicos, flebite, varizes acentuadas
O risco de tromboembolismo venoso está directamente relacionado com a dose de estrogénio do anticoncepcional. Em 1995/96, quatro estudos observacionais lançaram polémica, ao concluir que o risco de tromboembolismo venoso nas utilizadoras de uma pílula de baixa dosagem estrogénica e contendo como progestagénio o desogestrel ou o gestodene seria 2 vezes superior relativamente ao risco das mulheres utilizadoras de pílulas igualmente com baixas doses de estrogénio, mas contendo o levonorgestrel como progestagéneo. Ainda hoje continua a polémica sobre a possibilidade de algum tipo de viés nestes estudos. Enquanto não se dispõe de maior evidência neste campo, parece sensato não prescrever uma pílula contendo desogestrel ou gestodene a qualquer mulher apresentando algum grau de risco de tromboembolismo venoso (possível trombofilia hereditária em familiar de 1º grau, varizes acentuadas, obesidade, imobilidade). Em situações de maior risco temos a opção pela pílula contendo apenas progestativo, que não interfere nos mecanismos da hemostase. 

6. Anemia de células falciformes
Durante vários anos, a doença homozigótica foi colocada entre as contra-indicações absolutas para contracepção oral combinada. Contudo estudos revistos por Sergeant (1985) na África Ocidental e Caraíbas sugerem que esta doença deve ser considerada apenas uma contra-indicação relativa fraca, especialmente quando comparada com o risco de uma gravidez nesta patologia. Parece-nos contudo sensato optar nestas situações pela pílula progestativa ou progestativos injectáveis. 

7. Mulheres fumadoras

O tabagismo é uma contra-indicação relativa ao uso de COs. Devemos ter em conta que alguns dados epidemiológicos indicam que o risco relativo de uma fumadora usando a micropílula ter um enfarte de miocárdio é menor quando esta contém desogestrel ou gestodene. Devem, portanto, preferir-se as pílulas de “3ª geração” em mulheres com algum factor de risco (como o tabaco) para doença arterial.

8. Hipertensão arterial
Apenas a hipertensão não controlada é uma contra-indicação absoluta para o uso de COs. Sendo a hipertensão arterial um factor de risco para doença arterial, deve preferir-se uma micropílula contendo gestodene ou desogestrel, que tem a vantagem acrescida de um bom perfil lipídico. 
As fórmulas contraceptivas contendo apenas progestagénios não afectam a pressão arterial e podem ser a opção nos casos de hipertensão induzida pela pílula combinada.

9. Diabetes mellitus
Só a diabetes insulino-dependente com doença macrovascular é uma contra-indicação absoluta para o uso de fármacos anticoncepcionais.
Em geral, quanto maior for a dose e a potência do progestagénio, maior a alteração no metabolismo da glucose. Contudo, sendo a diabetes um factor de risco para doença cardiovascular, a maioria dos autores aconselha neste caso a pílula contendo apenas progestagénio, caso a mulher não queira ou não possa optar por outro método. A micropílula contendo desogestrel e apenas 20 mg de EE (etinilestradiol) é uma opção razoável, entre nós, na diabetes não complicada, desde que por períodos limitados, em doentes jovens, não fumadoras.

10. Dislipidémia
A dislipidémia é uma contra-indicação relativa ao uso de COs. As formulações contendo EE combinado com os novos progestagénios (desogestrel, gestodene e norgestimato) foram associadas com aumento significativo dos níveis de colesterol HDL, diminuição significativa nos níveis de colesterol LDL, pequena alteração nos níveis de colesterol total e aumento substancial nos níveis de triglicéridos, sendo de momento as que oferecem um melhor perfil lipídico. 

11. Enxaqueca
Diferentes estudos demonstraram haver um aumento de risco de AVC em mulheres com enxaqueca utilizadoras de COs. Os escassos dados epidemiológicos sugerem que o risco de AVC aumenta nas utilizadoras de pílula que sofrem de alguns tipos particulares de enxaqueca e daí considerar-se uma contra-indicação absoluta para o seu uso, a enxaqueca cuja aura apresente sintomas neurológicos focais, estado de enxaqueca e enxaqueca em tratamento com ergotamínicos. Nestes casos uma das opções possíveis é a pílula progestativa.

12. Mulheres que tomam anti-epiléticos: 
As mulheres epilépticas medicadas com anti-epiléticos indutores enzimáticos (carbamazepina, fenitoína, felbamato e provavelmente a primidona) devem usar contraceptivos orais contendo pelo menos 50 µg de estrogénios, do tipo monofásico, uma vez que as flutuações hormonais que se verificam com os trifásicos podem precipitar as crises epiléticas. Em Portugal não existem pílulas com esta dosagem no mercado, mas podemos indicar a ingestão simultânea de uma pílula de 30mg e outra de 20 mg de EE. Se mesmo assim ocorrer «spotting» na 1ª fase do ciclo, a partir do 2º ciclo de uso contraceptivo, então deve aumentar-se a dose de estrogénio uma vez que este sangramento pode ser interpretado como um sinal incipiente de falência contraceptiva. A «clearance» mais rápida dos estrogénios nas mulheres que tomam estes anti-epiléticos reduz a probabilidade de efeitos acessórios indesejáveis. Finalmente devemos chamar a atenção para a possibilidade do uso de um anti-epilético não indutor enzimático, como é o caso do valproato de sódio, lamotrigina ou gabapentina.
Algumas mulheres epilépticas têm um aumento da frequência das convulsões na altura das menstruações e nestes casos a estratégia hormonal para melhorar o controlo das convulsões compreende um aumento dos níveis de progesterona e/ou uma redução dos níveis de estrogénios. Nesta óptica o acetato de medroxiprogesterona pode ser uma alternativa eficaz na dose de 150 mg cada 10 semanas.

13. Náuseas persistentes
A náusea está relacionada com o efeito estrogénico. Se o contraceptivo oral provoca náusea persistente deve alterar-se a hora do dia em que se toma a pílula, ingeri-la juntamente com uma refeição ou mudar para uma pílula com menor quantidade de estrogénios (20 mg de etinilestradiol). Pode ser útil administrar um anti emético, previamente à ingestão da pílula. Se mesmo assim o contraceptivo continua a não ser tolerado, pode mudar-se para uma pílula progestativa.

Pontos práticos a reter
- De acordo com os dados actuais, existe a necessidade de fazer a distinção entre factores de risco para doença venosa e doença arterial e escolher de acordo com eles o contraceptivo oral mais indicado (escolhendo uma micropílula contendo ou não um progestagénio de 3ª geração).
A contracepção por progestativos pode ser a opção mais correcta na presença concomitante de determinados problemas: antecedentes tromboembólicos, diabetes mellitus, hipertensão arterial, intolerância aos estroprogestativos (náuseas), hemorragias ocorrendo na fase final do ciclo menstrual e enxaqueca com aura com sintomas neurológicos focais.
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Vigilância clínica da contracepção oral
As mulheres utilizadoras de contraceptivos orais devem estar sujeitas a um seguimento regular, devendo a sua programação estar de acordo com os recursos locais e a disponibilidade de profissionais de saúde.
Na primeira avaliação devem anotar-se as eventuais contra-indicações, o uso de medicação que possa interferir com a eficácia (rifampicina, barbitúricos, alguns antiepilepticos), a história ginecológica, o perfil ponderal e a tensão arterial. O consumo de tabaco deve ser desincentivado e os efeitos da pílula cuidadosamente explicados. Deve-se explicar à mulher a conduta a seguir relativamente a possíveis esquecimentos ou ocorrência de vómitos. O início do método não depende necessáriamente da realização de um exame ginecológico, embora este deva ser programado. À excepção de casos muito pontuais, são desnecessários quaisquer exames laboratoriais.
A segunda consulta deverá ser realizada no prazo de 3 meses após o início da terapêutica hormonal anticonceptiva, com o objectivo de despistar a ocorrência de hipertensão arterial e de efeitos colaterais, esclarecer qualquer dúvida da utente e fazer os reajustamentos que se mostrem necessários. Deverão então ser realizados os exames mamário e pélvico, incluindo colheita de material para colpocitologia.
Após a segunda consulta deverá ser adoptado um programa anual que permita avaliação do peso, a medição da tensão arterial, o exame ginecológico e a detecção de massas mamárias. Apenas em casos de risco cardiovascular ou história familiar de diabetes devem ser realizados testes laboratoriais. A colpocitologia e a mamografia serão realizadas segundo os protocolos aconselhados para o grupo etário e deve ser encorajado o auto-exame mamário.

Pontos práticos a reter
- Na 1ª consulta, a prescrição dum AO não depende da realização dum exame ginecológico.
- A 2ª consulta deverá ser realizada 3 meses depois, e as seguintes anualmente.
- Salvo casos de risco, os exames laboratoriais são desnecessários.
- O rastreio do cancro ginecológico será realizado segundo os protocolos habituais.
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