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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.2. Sexualidade e planeamento familiar

39. Dispositivo intra-uterino – aspectos práticos

Ana Sardinha

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Sardinha, Ana

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Introdução

O dispositivo intra-uterino (DIU) é um método considerado eficaz por estudos de comprovada evidência científica, nomeadamente nos Estados Unidos e Reino Unido.
Existem no entanto alguns mitos sobre este método contraceptivo, por se pensar durante muito tempo que existia ligação directa entre a utilização do DIU e doença inflamatória pélvica (DIP). Após a vasta experiência de utilização e os resultados epidemiológicos daí resultantes, concluiu-se que esse risco se concentra no primeiro mês após a sua aplicação e apenas nas mulheres expostas a doenças de transmissão sexual (DTS).
A probabilidade de gravidez em mulheres que utilizam DIU's considerados clássicos é inferior a 1% para alguns autores, e de 0,1 a 2% para outros. No que diz respeito ao DIU com levonorgestrel (Mirenaâ) o risco de gravidez é considerado tão baixo como o da esterilização feminina: menos de uma gravidez por 200 mu-lheres, por ano.
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Tipos de DIU's
DIU inerte de polietileno - não são comercializados em Portugal mas poderão aparecer mulheres que os introduziram noutro país. É importante reter que estes dispositivos não precisam de ser substituídos e funci-onam apenas como método mecânico.

DIU com cobre
- Multiload®, Gine-T®,.Nova-T®. Hoje é consensual que os DIU's com 250 Cu podem perma-necer pelo menos 5 anos e os DIU's com 380 Cu mantêm a sua eficácia durante pelo menos 10 anos, con-forme aprovado pela FDA e recomendado pela OMS.

DIU com levonorgestrel
- Mirena®. A quantidade de levonorgestrel eficaz mantém-se pelo menos durante 7 anos.
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Mecanismo de acção
Muitas teorias tentam explicar o mecanismo de contracepção dos dispositivos. A mais recente resulta de estudos que apontam o dispositivo funcionando como "corpo estranho". Assim, a par de uma acção mecâni-ca, existe uma reacção bioquímica e inflamatória não infecciosa que desencadeia libertação de prostaglan-dinas. Esta libertação tem como resultado, alteração da actividade uterina e da mobilidade tubárica, assim como um efeito directo nos espermatozoides.
O aumenta do fluxo menstrual deve-se também a uma provável acção fibrinolítica e a efeitos locais no en-dométrio.
O dispositivo com levonorgestrel tem no entanto um efeito oposto no fluxo menstrual pois, apesar de provo-car algumas irregularidades nos primeiros meses, o fluxo reduz drasticamente pelo efeito progestageneo, que induz diminuição da espessura do endométrio. Algumas mulheres desenvolvem mesmo amenorreia.
No entanto o mecanismo de acção ainda não se encontra totalmente esclarecido.
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Indicações
Mulheres fumadoras com idade > 35 anos
Mulheres com contra-indicação formal para o uso de contracepção hormonal (hipertensão, enxaqueca) - excluído o DIU com levonorgestrel.
Mulher que desejam contracepção eficaz e se esquecem de tomar a pílula e não pretendem efectuar esterili-zação.
Mulheres cujos companheiros estão ausentes por períodos irregulares de tempo.
Nulíparas que não podem ou não querem utilizar outro tipo de contracepção.
Mulheres com fluxo menstrual abundante e dismenorreia têm indicação para o dispositivo com levonorges-trel.
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Contra -indicações absolutas
Gravidez
Hemorragia não esclarecida
Neoplasia do colo uterino
Neoplasia do endométrio
Doença inflamatória pélvica (DIP)
Alterações mórficas locais (útero biseptado)
Alergia ao cobre e doença de Wilson
Portadoras de HIV ou com SIDA
Mulheres com imunosupressão
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Contra-indicações relativas
Nuliparidade
Comportamentos sexuais promíscuos
Antecedentes de gravidez ectópica
Anemias crónicas (incluindo a Talassemia e Drepanocitose)
Menorragias
Infecções cervico-vaginais
Fibromas uterinos
Doença valvular
Corticoterapia sistémica
Em qualquer uma destas contra-indicações deve ser ponderado o risco/beneficio e a eventualidade de al-guns poderem ser corrigidos.
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Aplicação prática
Antes da hipótese de aplicação do DIU, já deve ter sido explicado ao casal quais as vantagens, riscos, efei-tos secundários, eficácia e segurança deste método contraceptivo. Quer o consentimento esclarecido quer a tranquilidade e segurança transmitida à mulher por quem o aplica, são factores muito importantes para o uso bem sucedido do DIU.

Preferencialmente deve ser colocado com a mulher menstruada (no 2º ou 3º dia do período menstrual), por duas ordens de razão:
- existe de algum modo a garantia da não existência de gravidez;
- estando o colo uterino ligeiramente mais aberto, além de ser menos doloroso para a mulher, é mais fácil a introdução quer do histerómetro quer do dispositivo.
No pós- parto o dispositivo pode ser aplicado às 6 semanas, pois está provado que não existe maior risco de infecção pélvica, e existe um menor risco de perfuração com a vantagem de ser um método que não interfe-re na amamentação. Há, no entanto, estudos que evidenciam bons resultados com inserção pós-parto ime-diata ou pós-aborto (10 min. após a expulsão da placenta).
Deve ser feito um exame ginecológico com toque bimanual para avaliar o tamanho e posicionamento do útero, e da possível existência de qualquer anomalia física que invalide a aplicação do DIU.
Aplica-se o espéculo, que deve ser irrecuperável, e quando se visualiza o colo fixa-se o espéculo; limpa-se o colo com uma compressa embebida numa solução anti-séptica, observando bem quer as paredes vaginais quer o colo uterino.
De imediato fixa-se o colo, aplicando uma pinça de garras (Pozzi) na região superior do mesmo (o corres-pondente às 12 horas), não esquecendo que a mulher deve ser avisada do que se está a fazer, para que a colaboração seja a melhor possível.
Com o colo fixo, faz-se tracção com uma das mãos, na direcção do aplicador, no sentido da horizontalização do útero tentando corrigir a sua anteroversão, e com a outra mão introduz-se o histerómetro no orifício ex-terno do colo; deve sentir-se uma ligeira resistência na passagem do orifício interno do colo e sem forçar muito para não criar falsos trajectos, introduz-se o restante para aferir o tamanho e orientação da cavidade uterina, que normalmente tem entre os 6 a 8 cm.
O DIU deve então ser preparado dentro da cânula de acordo com o tipo que estamos a utilizar (GINO T®, MULTILOAD® etc.), medindo-o pelo resultado da histerometria.
A introdução deve ser imediata, com a técnica adequada ao tipo de DIU em causa, ficando apenas no exte-rior do orifício externo do colo o filamento (fios).
Os fios devem ser cortados a cerca de 2-3 cm do orifício externo do colo, avisando a mulher que caso os sinta ao lavar-se os deve empurrar para cima.
Limpa-se novamente com uma compressa embebida na solução anti-séptica, e após retirar o espéculo efectua-se o toque bimanual.
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Complicações na inserção
- Lipotimia por reacção vagal
- Hemorragia no ponto de fixação da pinça de garras
- Dores violentas ou espasmo do colo uterino
- Perfuração quer com histerómetro quer com o próprio dispositivo

No caso de suspeita de perfuração com o histerómetro não deve ser aplicado o DIU; no caso da suspeita ser após a colocação do DIU, deve a mulher ser posta ao corrente da situação e requerer de imediato uma eco-grafia para localização do mesmo.

Durante algum tempo pensou-se ser importante o uso profilático de antibioterapia (azitromicina) aquando da inserção dos DIU's, mas todos os estudos apontam no sentido de que não há qualquer vantagem no seu uso. As mulheres candidatas ao uso deste método desde que bem seleccionadas não têm risco acrescido de infecções do tracto genital.
No entanto, segundo alguns autores essa atitude pode tornar-se questionável em países onde a prevalência de DTS's como a Chlamydia trachomatis e da Neisseria gonorreia é substancialmente mais elevada.
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Vigilância («follow-up»)
A primeira consulta subsequente à colocação do DIU deverá ser efectuada às 4 a 6 semanas, ou seja, deve-rá ocorrer um ciclo menstrual até nova consulta.
A frequência das restantes vigilâncias dependerá da disponibilidade da mulher, sendo o ideal de 6 em 6 meses; caso não seja possível então deverá ser anual.
Em qualquer uma destas vigilâncias deve ser efectuado o toque bimanual e o exame ginecológico com es-péculo.
Os fios devem estar visíveis, e no caso de haver queixas do casal em relação ao seu comprimento devem ser cortados.
As citologias são efectuadas de acordo com o esquema geral, não usando para a colheita o "citobrush", mas sim a cotonete e a espátula.
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Efeitos secundários
Dor pélvica intensa e persistente - deve levar à extracção do DIU, caso seja insuportável.

Período menstrual mais abundante - deve manter-se vigilância (anemias) e tranquilizar a mulher, procurando não ser intempestivo.

Corrimento vaginal - o aumento da secreção mucoide não deve confundir-se com leucorreia; é importante esclarecer a mulher sobre esta diferença.

«Spotting» - apenas existirá no inicio e desaparecerá espontaneamente com o tempo.
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Complicações
Expulsão
Ocorre com mais frequência nos 3 primeiros meses após a sua colocação e em nulíparas. A taxa de expul-são diminui com a idade, paridade e tempo de utilização.
Infecção Pélvica
Pode ocorrer por falta de assepsia no momento da inserção ou porque a mulher adquiriu entretanto uma doença sexualmente transmissível - deve ser retirado o DIU.
Gravidez
Quando confirmada a gravidez intra-uterina, e se se pretende que evolua, deve ser retirado o DIU o mais precocemente possível.
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Vantagens
Eficaz
Reversível
Pouco dispendioso
Vigilância eventualmente anual
Não interfere no acto sexual
Não interfere na libido
Não interfere na amamentação
Não tem efeitos sistémicos (excepto o DIU com levonorgestrel)
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