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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.3. Gravidez parto e puerpério

45. Avaliação e gestão do risco pré-natal

Clélia Saraiva

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Nogueira, Rui


A avaliação do risco durante a gravidez permite a detecção e tratamento precoce de complicações que possam induzir aborto espontâneo, parto pré-termo, morte fetal e aumento da morbilidade neo-natal. Entre os factores de risco temos de ter em conta quer factores psicológicos, quer a situação socioprofissional da mulher, os seus hábitos de vida, a sua idade, a história clínica e obstétrica, a forma como surgiu a gestação e se esta determinou alterações físicas ou psicológicas induzidas pela gravidez.
Após a confirmação de diagnóstico de gravidez é fundamental avaliar os sentimentos da mulher, as suas expectativas face ao decurso da gravidez e ao parto e a aceitação do filho. É necessário conhecer:
1. Se foi uma gravidez planeada e desejada, ou se pelo contrário é uma gravidez geradora de «stress» e de grande ansiedade e quais os motivos que estão na origem de tal situação.
2. Avaliar a saúde mental e a existência de hábitos nocivos, tais como o consumo habitual de medicamentos, álcool, tabaco, ou outras drogas.
A gravidez pode ser muitas vezes o ponto de partida para a criação de estilos de vida saudáveis. O médico de família deve perceber que o reconhecimento de uma gravidez é um período importante na vida da mulher, mesmo quando ela não é desejada, que pode representar um forte motivo para correcção e abandono de hábitos nocivos e modificação de comportamentos.
Na 1ª consulta, caso não tenha sido efectuado um exame pré-concepcional, é fundamental a abordagem psico-social da mulher para que se possa desenhar um plano de aconselhamento e vigilância adequada à situação da grávida e do casal.
Após a avaliação psicológica é preciso investigar a existência de factores de risco biológicos.
É da maior importância que a grávida tenha preparado a sua gravidez, tendo efectuado um exame pré-concepcional. Se este foi realizado e se a avaliação biofísica não apresenta alterações permite-nos saber que a concepção ocorreu nas melhores condições. O exame pré-concepcional tem como finalidade a correcção atempada, antes da gravidez de alterações biológicas e psicológicas, permitindo que quando a mulher deseja engravidar não ponha em risco o seu bem-estar e o do feto (por exemplo uma mulher portadora de diabetes deve iniciar insulina antes de engravidar e a concepção deve ocorrer quando o perfil glicémico tiver atingido níveis de bom controle).
Determina-se o Grau de Risco da grávida pela aplicação da Tabela de Goodwin modificada (ver Quadro I).

1
Quadro I

Tabela de Goodwin modificado

História Reprodutiva
Idade  <= 17 e  40 >
18-29 
30-39 
= 3
= 0
= 1
Paridade 
1 – 4 
>= 5 
= 1
= 0
= 3
História obstétrica anterior
Aborto habitual >= (3 consecutivos) 
Infertilidade 
Hemorragia post-parto/dequitadura manual 
RN >= 4000 g 
Pré-eclampsia/eclampsia 
Cesariana anterior 
Feto morto/ morte neo-natal 
Trabalho de parto prolongado ou difícil 
= 1
= 1
= 1
= 1
= 1
= 2
= 3
= 1
Patologia associada
Cirurgia ginecológica anterior 
Doença renal crónica 
Diabetes gestacional 
Diabetes Mellitus 
Doença cardíaca 
Outras desordens médicas
(bronquite crónica, lúpus, etc.)
Índice de acordo com a gravidade
= 1
= 2
= 1
= 3
= 3


= (1 a 3)


A Tabela de Goodwin associa os diversos factores patológicos que condicionam a evolução da gravidez, monitorizando toda a gestação e orientando o clínico na sua actuação. Integra a história reprodutiva da mulher avaliando factores como a idade, a paridade e a história obstétrica anterior (por exemplo uma grávida muito jovem ou de idade avançada ou que tenha uma história de infertilidade, aborto habitual ou feto morto/morte neo-natal, deve ser imediatamente enviada a uma consulta de genética). Avalia a existência de patologia associada que influencie quer o período de concepção quer o desenrolar da gestação tais como: hipertensão, diabetes, doenças crónicas, hábitos nocivos, etc. Quantifica a evolução da gravidez actual, pontuando segundo o índice de gravidade as diferentes situações patológicas que podem surgir associadas ao decurso de uma gravidez.
A soma dos diferentes índices permite classificar a gravidez em:

Baixo risco  0 – 2
Médio risco  3 – 6
Alto risco  >= 7

A avaliação do grau de risco permite determinar o local de vigilância e programar o n.º de consultas e exames a efectuar.
Toda a grávida de baixo risco deverá ser vigiada no Centro de Saúde e enviada a consulta de Referência Hospitalar entre a 36ª e a 40ª semana de gestação.
Toda a grávida de médio ao alto risco que iniciar vigilância no Centro de Saúde deverá ser enviada a consulta de especialidade após a 1ª consulta.
Consideram-se também de alto risco todas as grávidas toxicodependentes, adolescentes, e em situação de risco psico-social, por exemplo a gravidez resultante de violação ou de abuso sexual.
A comunicação entre os cuidados primários e secundários faz-se através do Boletim de Saúde da Grávida que deverá ser sempre correctamente preenchido.
A vigilância da gravidez deverá iniciar-se precocemente, preconizando-se uma consulta mensal da 8ª à 36ª semana, seguida de consulta quinzenal até ao parto.
Uma boa assistência médica e psicológica da grávida é fundamental para o bem-estar materno fetal e para a diminuição da morbimortalidade materna e fetal.
Em todas as consultas deverá ser efectuado o exame físico da grávida, com avaliação e registo do peso, TA, altura uterina e correlação com a idade gestacional, movimentos fetais, foco fetal, despistada a existência de edemas, proteinúria e glicosúria. Deverá também ser cumprido o esquema de pedido e avaliação dos exames complementares de diagnóstico preconizados para a idade gestacional e actualizado o Boletim de Saúde da Grávida.
A detecção de qualquer alteração no exame físico e psicológico ou alteração de resultados laboratoriais levará a uma reavaliação do grau de risco pela tabela de Goodwin (ver Quadro II).
Se a gravidez decorrer normalmente, sem detecção de qualquer anomalia do bem-estar materno fetal, o grau de risco deverá ser sempre reavaliado e anotado à 36ª semana de gestação.

2
Quadro II

Tabela de Goodwin modificado

Gravidez actual 1ª visita 36ª semana
Hemorragias <= 20 semanas = 1     
Hemorragias > 20 semanas = 3     
Anemia (<= 10 g) = 1    
Gravidez prolongada >= 42 semanas = 1    
Hipertensão = 2    
Rotura prematura da membranas = 2    
Hidramnios = 2    
ACIU (traso de crescimento intra-uterino) = 3     
Gravidez múltipla    
Apresentacao pélvica = 3     
Má apresentação    
Isoimunizacao Rh = 3    

3




Bibliografia
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