A avaliação do risco durante a gravidez permite a detecção e tratamento precoce de complicações que possam induzir aborto espontâneo, parto pré-termo, morte fetal e aumento da morbilidade neo-natal. Entre os factores de risco temos de ter em conta quer factores psicológicos, quer a situação socioprofissional da mulher, os seus hábitos de vida, a sua idade, a história clínica e obstétrica, a forma como surgiu a gestação e se esta determinou alterações físicas ou psicológicas induzidas pela gravidez.
Após a confirmação de diagnóstico de gravidez é fundamental avaliar os sentimentos da mulher, as suas expectativas face ao decurso da gravidez e ao parto e a aceitação do filho. É necessário conhecer:
1. Se foi uma gravidez planeada e desejada, ou se pelo contrário é uma gravidez geradora de «stress» e de grande ansiedade e quais os motivos que estão na origem de tal situação.
2. Avaliar a saúde mental e a existência de hábitos nocivos, tais como o consumo habitual de medicamentos, álcool, tabaco, ou outras drogas.
A gravidez pode ser muitas vezes o ponto de partida para a criação de estilos de vida saudáveis. O médico de família deve perceber que o reconhecimento de uma gravidez é um período importante na vida da mulher, mesmo quando ela não é desejada, que pode representar um forte motivo para correcção e abandono de hábitos nocivos e modificação de comportamentos.
Na 1ª consulta, caso não tenha sido efectuado um exame pré-concepcional, é fundamental a abordagem psico-social da mulher para que se possa desenhar um plano de aconselhamento e vigilância adequada à situação da grávida e do casal.
Após a avaliação psicológica é preciso investigar a existência de factores de risco biológicos.
É da maior importância que a grávida tenha preparado a sua gravidez, tendo efectuado um exame pré-concepcional. Se este foi realizado e se a avaliação biofísica não apresenta alterações permite-nos saber que a concepção ocorreu nas melhores condições. O exame pré-concepcional tem como finalidade a correcção atempada, antes da gravidez de alterações biológicas e psicológicas, permitindo que quando a mulher deseja engravidar não ponha em risco o seu bem-estar e o do feto (por exemplo uma mulher portadora de diabetes deve iniciar insulina antes de engravidar e a concepção deve ocorrer quando o perfil glicémico tiver atingido níveis de bom controle).
Determina-se o Grau de Risco da grávida pela aplicação da Tabela de Goodwin modificada (ver Quadro
I).
1
Quadro I
Tabela de Goodwin modificado
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História Reprodutiva
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Idade
|
<=
17 e 40 >
18-29
30-39
|
= 3
= 0
= 1 |
Paridade
|
0
1 – 4
>= 5
|
= 1
= 0
= 3 |
História obstétrica anterior
|
Aborto habitual >= (3 consecutivos)
Infertilidade
Hemorragia post-parto/dequitadura manual
RN >= 4000 g
Pré-eclampsia/eclampsia
Cesariana anterior
Feto morto/ morte neo-natal
Trabalho de parto prolongado ou difícil
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= 1
= 1
= 1
= 1
= 1
= 2
= 3
= 1
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Patologia associada
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Cirurgia ginecológica anterior
Doença renal crónica
Diabetes gestacional
Diabetes Mellitus
Doença cardíaca
Outras desordens médicas
(bronquite crónica, lúpus, etc.)
Índice de acordo com a gravidade
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= 1
= 2
= 1
= 3
= 3
= (1 a 3)
|
A Tabela de Goodwin associa os diversos factores patológicos que condicionam a evolução da gravidez, monitorizando toda a gestação e orientando o clínico na sua actuação. Integra a história reprodutiva da mulher avaliando factores como a idade, a paridade e a história obstétrica anterior (por exemplo uma grávida muito jovem ou de idade avançada ou que tenha uma história de infertilidade, aborto habitual ou feto morto/morte neo-natal, deve ser imediatamente enviada a uma consulta de genética). Avalia a existência de patologia associada que influencie quer o período de concepção quer o desenrolar da gestação tais como: hipertensão, diabetes, doenças crónicas, hábitos nocivos, etc. Quantifica a evolução da gravidez actual, pontuando segundo o índice de gravidade as diferentes situações patológicas que podem surgir associadas ao decurso de uma gravidez.
A soma dos diferentes índices permite classificar a gravidez em:
Baixo risco 0 – 2
Médio risco 3 – 6
Alto risco >= 7
A avaliação do grau de risco permite determinar o local de vigilância e programar o n.º de consultas e exames a efectuar.
Toda a grávida de baixo risco deverá ser vigiada no Centro de Saúde e enviada a consulta de Referência Hospitalar entre a 36ª e a 40ª semana de gestação.
Toda a grávida de médio ao alto risco que iniciar vigilância no Centro de Saúde deverá ser enviada a consulta de especialidade após a 1ª consulta.
Consideram-se também de alto risco todas as grávidas toxicodependentes, adolescentes, e em situação de risco psico-social, por exemplo a gravidez resultante de violação ou de abuso sexual.
A comunicação entre os cuidados primários e secundários faz-se através do Boletim de Saúde da Grávida que deverá ser sempre correctamente preenchido.
A vigilância da gravidez deverá iniciar-se precocemente, preconizando-se uma consulta mensal da 8ª à 36ª semana, seguida de consulta quinzenal até ao parto.
Uma boa assistência médica e psicológica da grávida é fundamental para o bem-estar materno fetal e para a diminuição da morbimortalidade materna e fetal.
Em todas as consultas deverá ser efectuado o exame físico da grávida, com avaliação e registo do peso, TA, altura uterina e correlação com a idade gestacional, movimentos fetais, foco fetal, despistada a existência de edemas, proteinúria e glicosúria. Deverá também ser cumprido o esquema de pedido e avaliação dos exames complementares de diagnóstico preconizados para a idade gestacional e actualizado o Boletim de Saúde da Grávida.
A detecção de qualquer alteração no exame físico e psicológico ou alteração de resultados laboratoriais levará a uma reavaliação do grau de risco pela tabela de Goodwin
(ver Quadro II).
Se a gravidez decorrer normalmente, sem detecção de qualquer anomalia do bem-estar materno fetal, o grau de risco deverá ser sempre reavaliado e anotado à 36ª semana de gestação.
2
Quadro II
Tabela de Goodwin modificado
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Gravidez actual
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1ª visita
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36ª semana
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Hemorragias <= 20 semanas = 1
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Hemorragias > 20 semanas = 3
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Anemia (<= 10 g) = 1 |
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Gravidez prolongada >= 42 semanas = 1 |
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Hipertensão = 2 |
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Rotura prematura da membranas = 2
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Hidramnios = 2 |
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ACIU (traso de crescimento intra-uterino) = 3
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Gravidez múltipla |
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Apresentacao pélvica = 3
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Má apresentação |
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Isoimunizacao Rh = 3
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3
Bibliografia
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