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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.5. Saúde da criança
64. Aconselhamento e educação alimentar
Ana Maria Ferrão
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Ferrão, Ana Mª

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Introdução
A alimentação tem por finalidade fornecer ao organismo os constituintes fundamentais da dieta sob a forma de nutrientes, necessários para garantir as funções plástica (proteínas e sais minerais), energética (hidratos de carbono e gorduras) e de protecção e regulação do metabolismo (vitaminas e sais minerais).
Sendo uma das suas principais funções manter o crescimento adequado, a alimentação vai estar condicionada pelas variações da velocidade de crescimento características de cada grupo etário.
Por outro lado, o aporte da alimentação está condicionado pela maturação neurológica e pelos estádios de desenvolvimento emocional e psico-motor da criança, pelo que o tipo de alimentos que constituem a dieta e a forma como vão ser apresentados varia também consoante a idade.
Desde a alimentação exclusivamente láctea dos primeiros meses de vida, à introdução de alimentos sólidos (diversificação alimentar) entre o 4º e o 6º mês, passando pela gradual integração na dieta familiar a partir do 1º ano, até à partilha da hora da refeição com os mais velhos de forma socialmente adequada, vai um longo caminho feito de diferentes níveis de maturação neurológica e de aquisições motoras, psíquicas, afectivas e sociais, que importa conhecer para entender o comportamento alimentar dos mais pequenos.
Uma alimentação adequada na infância pode contribuir de forma decisiva para a prevenção de doenças como a obesidade, as doenças cardiovasculares, o cancro, a osteoporose, etc. Se for um acto gratificante, além de assegurar ao organismo um crescimento e desenvolvimento harmonioso, é um meio educativo que contribui para a aquisição de hábitos alimentares sãos com repercussão no comportamento alimentar do futuro adulto.
Abordaremos, de forma geral, alguns dos aspectos relacionados com o crescimento, as necessidades alimentares e os hábitos que os pais devem conhecer neste período de vida da criança. Este conhecimento ajudará os pais a aceitarem as variações fisiológicas do apetite dos seus filhos, e a oferecerem-lhes uma dieta equilibrada, constituída por alimentos preparados de modo adequado e atraente, de forma a prevenir não só as carências nutritivas, como os excessos alimentares que estão na base de algumas das doenças mais frequentes nos nossos dias.
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Crescimento e necessidades nutritivas
O crescimento é o aumento do tamanho físico do corpo ou de qualquer dos seus componentes, resultante da multiplicação das células e aumento das substâncias intercelulares. Depende do potencial genético herdado dos progenitores, e de condições ambientais várias, entre as quais salientamos o aporte nutricional adequado à manutenção do metabolismo basal, ao crescimento dos tecidos e à actividade física. O crescimento, que tem uma velocidade máxima durante o primeiro ano de vida (o bebé de doze meses tem habitualmente o triplo do peso com que nasceu) e durante a adolescência, tem um ritmo mais lento noutros períodos da infância, o que, associado a diferentes níveis de actividade física, condiciona as variações de aporte calórico nesta fase da vida (quadro I – Necessidades calóricas na infância).
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Quadro I

Necessidades calóricas e proteicas na infância

  Idade  Calorias /Kg Proteínas (mg./Kg )
Crianças  1-3
4-6
7-10
102
90
70
1.2
1.2
1.0
Rapazes  11-14 55 1.0
Raparigas  11-14 47 1.0


Assim, a primeira infância, correspondente aos primeiros dois anos de vida, tem um período de crescimento acelerado, até aos doze meses, acompanhado de um desenvolvimento das funções com especial relevo para o sistema nervoso, a que se segue uma diminuição do ritmo do crescimento no segundo ano de vida, em que se dá o início da marcha e outras actividades motoras voluntárias e o controle das funções excretoras. Entre os dois e os seis anos, durante a segunda infância ou idade pré-escolar, o crescimento é lento havendo um aumento da actividade física e da coordenação dos mecanismos motores. Na idade escolar o ritmo de crescimento mantém-se lento, fazendo-se por pequenos surtos, e acompanhando o desenvolvimento das aptidões musculares e intelectuais. Com a chegada da puberdade há uma aceleração do ritmo de crescimento, um rápido aumento de peso e o início da diferenciação sexual.
O aporte calórico deverá ser variável com a idade da criança mas a distribuição dos nutrientes que fornecem esse aporte deverá ser de 12 a 15% para as proteínas, 30 a 35% para os lípidos e 50 a 60% para os hidratos de carbono, distribuídos por 4 a 5 refeições diárias. Não devemos esquecer a importância da ingestão de água e de alimentos frescos que forneçam as vitaminas e sais minerais indispensáveis.
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Alimentação na primeira infância
A alimentação do lactente será abordada em detalhe noutro capítulo deste livro. É uma alimentação em que o alimento base nos primeiros seis meses é o leite, de preferência materno, com a introdução progressiva de outros alimentos de consistência sólida a partir daí.
No segundo ano de vida a criança já sabe mastigar, conhece novos sabores e deve partilhar as refeições preparadas para o resto da família.
Dos doze aos quinzes meses o bebé alimenta-se sozinho com as mãos, é capaz de beber de um copo e tenta usar a colher. A hora da refeição deve ser curta, não forçando a ingestão de alimentos que não quer.
Entre os quinze e os dezoito meses há factores físicos e emocionais que podem aumentar a dificuldade em manter uma nutrição adequada. A velocidade de crescimento é mais lenta e o desenvolvimento emocional caracteriza-se por uma fase de distracção e negativismo (usa a recusa para comer como meio de mostrar poder). Deve evitar-se a oportunidade de dar respostas negativas não lhe pedindo para escolher e mantendo uma rotina diária bem organizada.
A criança de dezoito meses alimenta-se sozinha (se lhe for dada oportunidade de fazer essa aprendizagem) e consegue manter-se sentada durante mais tempo, passando um tempo razoável a comer. A atmosfera da refeição deve ser agradável, oferecendo-se alimentos variados para um aporte calórico adequado, não valorizando os alimentos rejeitados.
Até aos dois anos de idade vai tornar-se menos distraído alimentando-se sozinho e prestando mais atenção aos alimentos. Na rotina diária deve estar incluído um esquema regular de refeições, com três refeições principais e dois lanches, com um tempo limitado para comer. Uma dieta equilibrada nesta idade exige um valor calórico adequado ao alto nível energético que o aumento da coordenação e agilidade requerem. Deve incluir alimentos de alto valor calórico como as batatas, o pão, os iogurtes e a massa, de confecção simples e apresentação atractiva. Os pais deverão estar alertados para as variações do apetite próprias desta idade, não exagerando a ingestão de leite como compensação, nem oferecendo substitutos e guloseimas entre as refeições.
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A alimentação na segunda infância
No período que vai dos vinte e quatro aos trinta e seis meses o apetite melhora para alegria dos pais e a criança come quase todos os alimentos que lhe oferecem. A dieta deve manter-se equilibrada e variada. Os nutrientes necessários devem ser oferecidos na forma de alimentos simples, fáceis de comer e de pegar com as mãos. É importante continuar a oferecer alimentos de valor calórico adequado, como batatas, pão e queijo. Deve ser encorajada a ingestão frequente de água e sumos naturais, evitando as bebidas açucaradas e gaseificadas, tais como leite com chocolate ou refrigerantes. Sendo um período rico em aquisições no desenvolvimento que absorvem muito esforço por parte da criança, não é oportuno exigir que nesta fase se faça já a aprendizagem das regras de comportamento à mesa. Devemos apenas ter presente que a criança tem um comportamento imitativo e que as suas atitudes e hábitos alimentares serão semelhantes às dos que com ele convivem. Não se deve utilizar a comida como castigo ou recompensa para não criar a necessidade de uma satisfação oral ao longo da vida (como é típico dos obesos e dos fumadores) ou a dificuldade em ter prazer na alimentação com alterações do comportamento alimentar ao longo da vida. O número de refeições deve ser de quatro a cinco por dia. Diariamente a criança deve ingerir 500 a 600 ml de leite ou derivados, deixando a utilização do biberão entre os dois e os três anos de idade. Como até aqui o uso de açúcar e de sal deve ser limitado e o café, chá e bebidas alcoólicas totalmente interditos. Pelo seu teor de açúcar e por serem difíceis de mastigar e deglutir, podendo causar acidentes, não se devem oferecer nesta idade rebuçados, pastilhas, amêndoas e frutos secos. Com a introdução de novos alimentos e a oferta variada de «snacks», guloseimas e bebidas a que a criança e os seus pais estão sujeitos através da publicidade, aumenta o risco de aparecimento de cáries dentárias e de obesidade, que surgindo na infância vão condicionar a saúde na adolescência e na idade adulta.
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A alimentação na idade pré-escolar
A criança de três a seis anos tem um crescimento lento, com diminuição da gordura corporal e desenvolvimento da massa muscular. A sua coordenação motora aumenta permitindo-lhe iniciar novas actividades e o desenvolvimento emocional progride, levando-a a adquirir novas competências e autonomia. Egocêntrico mas inovador nas suas actividades tem necessidade de ter comportamentos adequados para conseguir a atenção e aprovação dos outros. É a altura adequada para o ensinar a comportar-se à mesa, pois entre os cinco e os seis anos interioriza os padrões de comportamento da família e do grupo de amigos. O uso do garfo e faca é complexo e não deve ser iniciado antes dos quatro a cinco anos; em geral a coordenação não é suficiente para o uso correcto destes utensílios antes da idade escolar. O comportamento aceitável deve ser incentivado através do reforço positivo, elogiando o que está bem feito e mostrando aprovação por cada pequena aquisição. Quanto aos hábitos alimentares devem nesta idade ter em conta o envolvimento da criança. Sendo capaz de planear actividades e mais selectivo em relação ao que come, gosta de se envolver na escolha e preparação dos alimentos. É a altura própria para criar bons hábitos em relação ao pequeno-almoço que deve ser variado e fornecer cerca de 25% da ração calórica diária, e para incentivar a ingestão de frutos e vegetais e de outros alimentos ricos em fibra. Os pais devem controlar a ingestão de produtos açucarados e alimentos industriais ricos em gorduras hidrogenadas, corantes e conservantes pelo risco que o seu consumo excessivo tem para a saúde.
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A alimentação na idade escolar
A idade escolar começa aos seis anos e termina na puberdade, com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, entre os doze e os catorze anos de idade. Consideramos dois períodos distintos na idade escolar, um que vai dos seis aos dez anos em que o crescimento é lento, e outro dos doze aos catorze anos que corresponde ao segundo período de aceleração do crescimento, a puberdade.
Dos seis aos nove anos há um aumento da massa muscular que acompanha o aumento da actividade física e a mudança da dentição. Em relação ao desenvolvimento a criança de seis anos, ainda com muitas características do período anterior e necessitando de um suporte familiar, vai progressivamente integrar-se no seu grupo de amigos, confrontando os valores familiares com os valores do grupo e da escola. É capaz de aprender as necessidades nutritivas e o valor dos alimentos, podendo discutir-se com ela as vantagens e desvantagens de certos hábitos alimentares.
A puberdade inicia-se por volta dos nove anos nas raparigas e dos onze anos nos rapazes com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários. Para garantir as necessidades nutritivas deste período de crescimento rápido devem manter-se os bons hábitos alimentares, responsabilizando a criança na obtenção de uma dieta equilibrada, composta por alimentos variados e com uma distribuição adequada ao longo do dia.
Durante a idade escolar deve assegurar-se a ingestão de 500 ml de leite ou derivados por dia para prevenir as carências futuras de cálcio, e evitar erros frequentes como o consumo excessivo de carne e o aporte insuficiente de verduras e leguminosas. Também o recurso frequente ao «fast food», rico em calorias e pobre em fibras, a substituição do pão por produtos de pastelaria mais ricos em gorduras saturadas e hidratos de carbono de absorção rápida e a ingestão diária de sumos artificiais e refrigerantes, aumenta o risco de obesidade.
Na puberdade e posteriormente na adolescência os pais e profissionais de saúde terão de estar atentos ao risco de aparecimento de doenças do comportamento alimentar, como a anorexia nervosa e a bulimia, que por vezes se iniciam com dietas que procuram adaptar um corpo em mudança aos ditames da moda. Entre as dietas há a salientar as dietas vegetarianas que, se não forem bem suplementadas, levam a deficits de vit. B, Ferro, Cálcio, Zinco e Folatos.
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Suplementos vitamínicos e minerais
As crianças saudáveis em condições normais de alimentação não necessitam de suplementos vitamínicos; uma dieta variada e equilibrada cobre todas as necessidades em vitaminas para o crescimento. Exceptuam-se como já referimos as dietas vegetarianas, em que se devem fornecer suplementos adequados de vit. B, Cálcio, Zinco e Ferro.
Até aos treze anos de idade as crianças que vivam em áreas em que o teor de Flúor da água seja baixo, devem fazer um suplemento de Flúor (quadro II).

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Quadro II

Suplementos de flúor

Recomenda-se a administração de suplementos de Flúor nas regiões em que a água de consumo tem um teor de Flúor inferior a 0.3 mg/ litro
Idade (anos) Flúor (mg) Comprimidos
1 0.25 1 cp. ¼ mg
2-3 0.50 2 cp. ¼ mg
4-5 0.75 3 cp ¼ mg
6-14 1 1 cp 1 mg

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Síntese
1. A dieta da criança deve ser variada, completa e equilibrada, respeitando as variações fisiológicas do apetite.
2. Na alimentação infantil devem utilizar-se alimentos gordos quer de origem animal quer vegetal; a ingestão de gorduras não deve ultrapassar 30% do valor calórico total.
3. Deve fornecer-se diariamente cerca de 500 ml de leite ou derivados e alimentos ricos em ferro como as leguminosas e a carne.
4. Parte dos alimentos do grupo da fruta e verduras devem comer-se crus para assegurar um aporte adequado de vit. C.
5. É conveniente administrar alimentos ricos em fibra para assegurar um bom esvaziamento intestinal.
6. Em zonas em que o teor de flúor da água for baixo deve administrar-se um suplemento de Flúor.
7. A preparação dos alimentos deve ser adaptada à capacidade digestiva da criança.
8. Deve ser desaconselhado o uso de açúcar e de sal.
9. A apresentação dos alimentos deve ser feita de forma agradável e atraente; a hora da refeição deve ser um momento calmo, em que além dos alimentos se partilhe atenção e afectividade.
10. A criança deve ser estimulada a beber diariamente uma quantidade adequada de líquidos, evitando os sumos artificiais e as bebidas gaseificadas; o uso de bebidas alcoólicas deve ser interdito durante todo o crescimento.
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Bibliografia
Academia Americana de Pediatria, Comissão para a nutrição, 1998-1999, Necessidades em cálcio de lactentes, crianças e adolescentes. Pediatrics (ed. Port.) vol.7, nº 11

American Academy of Pediatrics, Committee on nutritions, 1993,Pediatric Nutrition Handbook 3rd ed., Elk Grove Village

Illingworth R.S. , 1980, The development of the infant and yong children. Churchill Livingstone
Jeanie Smith, R. D. , Nutritional assessment in children, 1997-1998, Vanderbilt Medical Center, Pediatric Clinical Dietitians

The American Dietetic Association, 1998, “Healthy eating during the tween years : the independent 6 to 12 years old"