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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases da vida
2.6. Saúde do adolescente
75. Oportunidades preventivas e suporte à família
Rui P. Alves
Sara Barros
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Taveres, Mª S. José


A adolescência é um período de experimentação activa, de confrontação de pontos de vista, de construção de redes sociais e interpessoais, e um período de mudanças físicas que se reflectem em todas as facetas do comportamento.
O processo de adolescência afecta todo o desenvolvimento da pessoa, quer ao nível dos interesses, do comportamento social e da qualidade de vida afectiva.
Este processo tem sido prolongado devido ao maior número de anos de escolaridade, o que dificulta o momento final da independência/ autonomia.
O adolescente torna-se adulto, individualizando-se como pessoa na relação, na comunicação, na solidariedade, no prazer, no sofrimento e no sonho. Os adolescentes procuram valores de generosidade, de apoio e de solidariedade. São geradores de utopia e são sensíveis à verdade e à autenticidade dos processos comunicacionais com a família, com os pares e com o ambiente.
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Contexto familiar
As famílias actuais são menos numerosas e o número de divórcios e casais em coabitação e união de facto crescem, bem como os nascimentos fora do casamento. As famílias monoparentais e reconstruídas são, hoje em dia, o contexto de muitos adolescentes.
Nas famílias «estáveis», a contratualidade conjugal é mais igualitária e exigente em termos de amor e sexualidade. 
As ligações pais-filhos são tendencialmente mais próximas e mais afectivas, sentindo-se os pais muito responsabilizados pelos filhos. A sociedade actual exige para a criança um amor e uma protecção incondicionais (Declaração Universal dos Direitos da Criança). Esta proximidade pais-filhos trouxe alguns problemas dos quais se salienta a falta de autoridade sentida por alguns pais.
Tal como ontem, hoje, as famílias projectam nos adolescentes expectativas que influenciam a relação mútua. Jean Paul Sartre disse que «muito antes do nascimento, mesmo antes de sermos concebidos, os nossos pais decidiram quem nós seríamos; ver os filhos crescer acompanha-se sempre de sentimentos de perda e de conquista, mas também de medo.
As condições de vida económica e sociais, as certezas e os medos, por vezes difíceis de gerir, condicionam a comunicação e as trocas afectivas e o estímulo para crescer.
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Contexto social
O adolescente no seu processo de autonomia é «empurrado» por outros adolescentes que estão a passar por um processo idêntico. O reconhecimento pelos pares como «suficientemente bons» reforça-lhes a segurança e auto-estima o que faz com que se sintam capazes para a aventura da independência.
O grupo de amigos necessita ser conquistado e tem que ser merecido, só assim reforça de uma forma decisiva a auto-estima do adolescente.
O grupo de pares é frequentemente formado no meio escolar, o que vai favorecer a autonomia do adolescente. No entanto, a escola deverá oferecer oportunidades extra curriculares, transmitir regras de responsabilidade assumidas numa gestão democrática, possuir um alto grau de exigência e deve permitir a articulação entre pais e a escola. A escola deve ser também um espaço livre de conflitos, estando integrada na comunidade.
O consumo de tabaco, álcool e drogas ilícitas está associado a um estatuto social, a um sentimento de aprovação e pertença a um grupo e ainda à possibilidade de atenuar a angústia sentida, face à incapacidade de lidar com as pressões a que o adolescente está sujeito. Se a isto associarmos a ideia de que as drogas provocam sensações agradáveis e imediatas, se nos lembrarmos que a tentativa de aliviar o sofrimento emocional se poderá resolver com uma auto-medicação, então teremos que ter particular atenção a algumas evidências de um possível risco para a saúde.
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Contexto ambiental
No contexto ambiental a participação em actividades de protecção do ambiente, trabalhos comunitários de apoio a minorias (sem abrigo), Banco Alimentar ou organizações de ocupações de tempos livres, culturais e/ou desportivas, apoiadas ou desenvolvidas pelos escuteiros, autarquias e clubes desportivos, favorece a criação de grupos saudáveis.
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Prevenir o quê?
Para K. C. Calman (1998), a qualidade de vida é a diferença, num dado momento, entre os desejos e as expectativas de um indivíduo e a experiência presente. Esta definição torna muito difícil a quantificação da qualidade de vida. surgindo então os estudos sobre a mortalidade e a morbilidade.
Assim, nos estudos acima referidos, são hoje reconhecidos os seguintes problemas de saúde pública nos adolescentes: a violência, uso e abuso de substâncias (álcool, tabaco e drogas ilícitas), gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e HIV (relações sexuais precoces e não protegidas), depressão e suicídio (consumo de medicamentos) jovens a viver na rua, e problemas de comportamento alimentar. 
Têm sido mencionados alguns sinais de alerta que poderão estar na base dos problemas de saúde pública anteriormente citados. 
1. Comportamentos afirmativos – como forma de ocultar a insegurança, tais como violência (em casa e na escola), indisciplina nas aulas, modificações de comportamento e uso de piadas desadequadas; 
2. Tendência para o isolamento;
3. Diminuição do rendimento escolar;
4. Consumo de álcool e outras substâncias;
5. Fugas de casa;
6. Estados de desvalorização do EU;
O adolescente responde às exigências do ambiente com um conjunto de estratégias defensivas que poderá distorcer a realidade e facilitar uma leitura incorrecta do ambiente. São exemplo destas estratégias, o deslocamento (transferir os sentimentos e necessidades de uma situação ou pessoa para outro objecto); inversão do afecto (as necessidades dos afectos são invertidas; por exemplo, desejo de proximidade e fechar-se no quarto); intransigência (adesão rígida a uma ideologia e intolerância a outras opiniões); regressão (tentativa de permanecer criança) ascetismo (renúncia ao prazer); maior utilização da fantasia, o que os afasta da realidade; alexitimia (dificuldade de identificar e expressar as emoções). Muitos destes sinais poderão ser apelos mudos de ajuda. 
A ideia de identificar processos protectores ou especificar intersecções particulares entre variáveis, produz resistência ou resiliência em face do risco para acontecimentos negativos e tem relação directa com Programas de Prevenção. A Prevenção terá então como objectivo a redução de risco e o aumento de factores de protecção que moderam ou são intermediados pelo efeito de exposição ao risco. 
Podemos apontar como factores protectores: o nível elevado de inteligência, bom capital de saúde física e mental, coesão familiar, bom clima comunicacional; a existência de regras claras dadas pelos pais e professores, boa qualidade das escolas, recursos naturais estruturantes dos tempos livres, recursos financeiros adequados, boa auto-estima e boa auto-eficácia, tolerância à frustração, sentido de responsabilidade social, capacidade de expressão emocional e religiosidade. 
A elaboração da estratégia de prevenção tem por base vários modelos, uns mais centrados na substância ou no risco – Modelo Informativo – outros mais centrados no indivíduo – Modelo Humanista; e ainda os centrados no desenvolvimento de competências sociais Modelo Cognitivo e Comportamental
Seja qual for o modelo adoptado, um programa de prevenção deve ser de longa duração deve estar adaptado à idade, ao desenvolvimento e sensibilidade cultural do adolescente, deve incluir métodos interactivos com grupos de pares e deve prevenir e intervir sobre os processos de marginalidade. 
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Casos específicos de prevenção: o álcool e o tabaco
A epidemia mais lesiva para a sociedade é a da nicotina, seguida do álcool e por fim as drogas ilegais (Margarida Carrilho).
De acordo com o relatório do Gabinete de Planeamento e Coordenação do Combate à Droga em 1998, os alunos do 7º ao 12º ano das escolas da grande Lisboa estão a beber 3 vezes mais álcool duro (aguardente, vodka, whisky e gin) que os seus antecessores de há 6 anos (para se «passar» e para «encher a cabeça»); 70% dos alunos do 10º ao 12º ano consumiram no último ano e 42,65% fizeram-no no último mês; 56,5% dos alunos do 3º ciclo (Idades compreendidas entre os 11 e 15 anos) já consumiram álcool e no último mês totalizaram 25,9%.
Da análise dos doentes internados no S.O. do Hospital de Santa Maria por traumatismo grave e coma de etiologia não conhecida, 46% tinham consumido drogas sendo a mais comum o álcool.

Tabaco 
O médico deve perguntar sobre o consumo de tabaco em todos os contactos, aconselhar todos os fumadores a parar, ajudar os que pretendem deixar de fumar e monitorizar aqueles que estão em programas de cessação. Não deve ser esquecida a mensagem de que o tabaco faz mal à saúde.
Na escola devem estar disponíveis livros, manuais e cartazes a desaconselhar o tabaco, bem como informações úteis onde se podem dirigir se quiserem deixar de fumar. 
A escola é o local ideal para promover discussões e debates em grupo com presença de técnicos de saúde. 
O consumo de tabaco na família e pelos pares é reconhecido como o factor mais importante para o início do consumo. O exemplo tem aqui uma importância fundamental.
O legislador deve restringir a venda de tabaco a menores, penalizar os prevaricadores, proibir consumos em locais públicos e proibir a publicidade ao tabaco.
A prevenção do consumo do tabaco deve começar no ensino básico e com o exemplo dos pais. Deve combater-se a ideia de que o tabaco alivia a tensão e controla o peso, bem como reconhecer que a nicotina causa dependência.

Álcool 
Informar que beber está intimamente relacionado com acidentes, crimes, comportamentos sexuais desadequados que poderão conduzir a gravidezes indesejadas, DST ou malformações congénitas. Informar ainda que é um modo perigoso de lidar com problemas emocionais (timidez, solidão e tristeza). 
O médico tem a obrigação de detectar consumos de álcool e alertar para os riscos que o adolescente corre. 
A família deve dar o exemplo, não consumindo ou consumindo com moderação e deve ter em casa bebidas alternativas disponíveis.
O legislador deve restringir a venda de bebidas alcoólicas a menores e penalizar quem o faça.
Assim, tal como para a prevenção do tabagismo, o exemplo começa em casa. A escola deve promover a discussão sobre esta matéria e a legislação proibicionista de venda de bebidas alcoólicas deve ser cumprida.
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Onde e quando prevenir?
A prevenção destes problemas de saúde pública cabe em primeiro lugar à família que deve facilitar o crescimento e autonomização do adolescente melhorando a comunicação, disponibilizando tempo e evitando comportamentos de risco na presença do adolescente Naturalmente, a criação de um ambiente emocional favorável, a participação e interesse pelas actividades escolares dos filhos, bem como a organização de grupos de pais e o encaminhamento para instituições ou técnicos de saúde quando reconhecem um problema ou risco de problema, é a estratégia mais adequada.
A escola tem também um papel determinante na prevenção devendo criar actividades extracurriculares na área do desporto e da cultura, incentivar a difusão de informação correcta e criar espaços de debate para os alunos, para os pais e professores com a presença de técnicos de reconhecida competência, não podendo descurar um currículo exigente, uma gestão participada, e regras bem definidas que permitam o estabelecimento de limites.
Os serviços de saúde devem promover uma recepção adequada dos adolescentes, garantir a confidencialidade para se discutir assuntos que considerem privados e devem aproveitar a oportunidade para abordar a temática da sexualidade, do consumo de substâncias, do rendimento escolar e estado emocional e comunicação na família. Devem ainda abordar a integração do adolescente num grupo e não deve ser esquecida a avaliação do desenvolvimento físico, psíquico e estado de imunização.
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Ajuda aos pais de adolescentes
Os técnicos de saúde devem discutir com os pais a inevitabilidade dos seus filhos adolescentes começarem a fazer a sua própria vida, facilitando-lhes a construção de auto-estima, confiança, segurança e os conhecimentos suficientes para fazerem a sua própria vida.
É importante que os pais se possam sentir satisfeitos com este movimento de autonomização dos filhos reforçando assim o seu papel de pais. A independência não deve ser dada mas sim conquistada.
É da responsabilidade do adolescente a capacidade de se organizar em relação ao presente, mas também em relação ao futuro, assim, os pais terão que necessariamente, diminuir a protecção para que a processo de independência e autonomia leve o seu curso natural.
Na adolescência, a comunicação na família assume uma dimensão por vezes angustiante. A necessidade de comunicação tem a ver com manifestações de amor, de transmissão de atitudes, comportamentos e saberes.
Podemos assim concluir que a estratégia de comunicação deve ser participativa, ou seja, as situações de conflito (e não só) são discutidas com sentido de responsabilidade e com a preocupação de considerar os adolescentes como pessoas com as suas próprias opiniões e capacidade para as discutir.
Dar informação aos pais sobre os serviços de saúde (e outros) a que poderão recorrer com os adolescentes no caso de terem problemas com drogas, perturbações de comportamento alimentar ou problemas emocionais. É também importante fornecer informação sobre os serviços que poderão responder a questões sobre sexualidade e comportamentos sexuais seguros.
Os adolescentes recorrem muitas vezes aos pais em primeiro lugar para conselhos sobre a sua saúde, é importante que estes os saibam encaminhar para uma consulta adequada e, eventualmente, a sós com o seu médico.
Os pais têm ainda que entender a necessidade do adolescente ter uma vivência de grupo e então oportunistamente, podem sugerir actividades de ajuda comunitária e protecção de ambiente.
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