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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.7. Saúde do adulto
82. Estilos de vida e mudança de comportamentos
Bernardo Vilas Boas
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Jordão, J Guilherme

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Introdução
O «estilo de vida» de um indivíduo pode ser definido como a sua maneira própria, pessoal, de viver, de pensar e de se relacionar. Engloba as suas opiniões, as suas atitudes e as suas convicções acerca do corpo e da mente e o modo como cuida deles.
O estilo de vida engloba os «comportamentos», como os alimentares, de beber, de fumar ou não fumar, de conduzir veículos, de lidar com as situações problemáticas e acontecimentos de vida. Comportamento terá assim um significado mais restrito e concreto, comparado com estilo de vida.
Podemos falar de estilo de vida de um indivíduo, assim como de estilo de vida de um grupo de pessoas, de uma certa camada social, de uma sociedade ou de uma região, quando haja determinados costumes, crenças, hábitos e comportamentos que sejam comuns.
Por exemplo falamos de um padrão alimentar tipo mediterrânico, falamos de famílias que têm hipertensão arterial e dislipidemia relacionadas com os hábitos alimentares e falamos de pessoas que ao mesmo tempo fumam, bebem bebidas alcoólicas em excesso e têm uma alimentação desequilibrada.
Também podemos falar de distress, característica comum a largas camadas sociais, como uma resposta humana inapropriada e destruidora (anti-conservativa), que resulta do desequilíbrio entre as exigências de uma situação problemática e a capacidade das pessoas para a resolver, do desiquilíbrio entre determinados acontecimentos vitais e a capacidade das pessoas para lhes fazer face.
Vamos considerar estilos de vida e comportamentos saudáveis e não saudáveis, conforme se aproximem mais do «total bem-estar» ou da «total doença», de acordo com o conceito de salutogénese, que considera a saúde como um continuum entre dois pólos conceptuais.
O médico e a equipa de saúde familiar podem contribuir para mudar o estilo de vida e os comportamentos de forma a melhorar o balanço entre as actividades comprometedoras e promotoras de saúde. Como intervir para ajudar a modificar os factores de risco modificáveis? O médico de família e a equipa de saúde sabem, podem e aproveitam as múltiplas situações diárias da consulta, em que são solicitados a intervir?
O médico de família, na consulta, pode intervir fundamentalmente a nível cognitivo, da mente da pessoa que o consulta. Ora o estilo de vida e os comportamentos são influenciados pelo pensamento, em virtude do auxílio que este confere à pessoa em termos de previsão do futuro, de planificação deste de acordo com essa previsão e da escolha da próxima acção.
Hoje é consensual a recomendação para que o médico de família faça um aconselhamento rotineiro em relação ao fumo de tabaco, ao regime alimentar, à ingestão de bebidas alcoólicas e a outros aspectos do estilo de vida.
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O problema na prática clínica
Diariamente, na consulta, o médico de família encontra pessoas com doenças ou problemas de saúde que têm como factores causais, adjuvantes ou desencadeantes determinados comportamentos, como as doenças cardio-vasculares, certas neoplasias, traumatismos, problemas osteo-articulares, síndromes de ansiedade e depressão.
O estilo de vida e os comportamentos das pessoas são determinantes do padrão actual de mortalidade e de morbilidade nos países ocidentais e industrializados. Nestes as principais causas de morte são as doenças cardiovasculares e as neoplasias, que em conjunto, no nosso País, totalizam 60%.
Os principais factores de risco considerando estas causas de morte são: a hipertensão arterial, a diabetes, a hipercolesterolemia, o tabagismo, a obesidade e o alcoolismo.
A obesidade, o sedentarismo e os desvios alimentares (excesso de gorduras, excesso de sal, carência de fibras) são por sua vez factores de risco de hipertensão, de hipercolesterolemia e de diabetes.
Se considerarmos que o alcoolismo é também o principal factor de risco das causas de morte por acidente e por cirrose hepática e que o tabagismo é o principal factor de risco das causas de morte por DPCO, então sobem para 70% as causas de morte fortemente influenciadas por estes comportamentos de risco: fumar, beber álcool em excesso e ter uma alimentação não saudável.
Aqueles comportamentos, fumar, beber em excesso, uma alimentação não saudável, bem como a falta de exercício físico, associados aos factores de risco psico-sociais estão na origem das outras principais causas de morbilidade, problemas de saúde e motivos de consulta. Diariamente o médico de família encontra-os na consulta e são relativos ao aparelho circulatório, ao sistema musculo-esquelético, ao aparelho digestivo, à área psicológica, ao sistema endócrino, metabólico e nutricional e ao aparelho respiratóro, além das queixas gerais e inespecíficas, como debilidade, cansaço e mal estar.
Deixar de fumar traduz-se numa redução da mortalidade por cardiopatia coronária que pode ser superior a 50%. Deixar de fumar pode evitar 30% dos cancros que têm por causa o fumo de tabaco. Outros 35% dos cancros são possivelmente evitáveis e associados à alimentação e estilismo.
A obesidade e a inactividade física, constituem a par da elevação do colesterol, da hipertensão arterial e do tabagismo, os cinco mais importantes factores de risco modificáveis da aterosclerose e da cardiopatia coronária.
Os principais erros alimentares são: excesso de sal; abuso de bebidas alcoólicas; muita gordura; pouco leite; comida a mais; escassez de produtos hortícolas e fruta; primeiro-almoço de grilo; muita doçura.
No seu conjunto, este modelo alimentar é responsável pela frequência e gravidade crescentes de doenças metabólicas, como o aumento do ácido úrico, de doenças degenerativas e outras manifestações de aterosclerose e embolismo, bem como de outras doenças correlacionadas, como calculose das vias biliares e das vias urinárias, obstipação e alergias.
São erros alimentares que podem ser evitados por opções pessoais, embora influenciados por múltiplos e poderosos factores, que vão desde a produção, ao fabrico e à comercialização, passando pela publicidade e distribuição.
Na sua prática diária os médicos de família encontram muitas dificuldades para ajudar as pessoas a mudar comportamentos.
O pensamento das pessoas sobre a sua saúde e sobre a sua doença muitas vezes não coincide com o do médico, nem sempre é lógico. Muitas vezes as pessoas são demasiado optimistas em relação à sua saúde. Perante o aconselhamento médico é frequente a expressão: «Mas eu sinto-me bem!».
Erros na percepção de sintomas, ideias que as pessoas têm acerca da doença, crenças, influenciam muito os problemas de saúde.
Nos adultos encontramos geralmente comportamentos que se tornaram habituais, que são desempenhados automaticamente, muitas vezes adquiridos na infância e adolescência (escolhas alimentares, exercício físico, consumo de tóxicos e atributos psicossociais que regulam a ocorrência de comportamentos relacionados com a saúde) e que são muito difíceis de mudar.
As pessoas adultas vivem cada vez mais em situação de stress, numa reacção de alarme crónica, com crescentes dificuldades em dar respostas equilibradas e adequadas às situações que enfrentam. Diminuem factores protectores como o tempo de convívio familiar e de lazer. Aumenta o tempo dedicado ao trabalho, e pela concepção consumista da sociedade, a pessoa torna-se cada vez mais dependente desse trabalho.
Mesmo quando os indivíduos sabem que têm um problema de saúde, frequentemente não procuram tratamento e não seguem algumas das recomendações do seu médico.
É um desafio mudar comportamentos como fumar, beber, comer alimentos gordos, quando familiares, colegas de trabalho, vizinhos e amigos o fazem e são hábitos aceites pela sociedade.
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Abordagem em medicina geral e familiar
Contribuir para que as pessoas adoptem cada vez mais um estilo de vida e comportamentos saudáveis exige dos médicos de família uma clara compreensão das suas determinantes e uma abordagem adequadas.
Os comportamentos das pessoas são o resultado de uma complexa interacção entre factores pessoais, sociais e ambientais. 
Há uma inter relação de vários domínios (biológico/genético, ambiente social e económico, personalidade, percepção do sistema ambiental e comportamento) em que se podem identificar factores de risco e factores de protecção e um impacto recíproco no estilo de vida e nos resultados concretos de saúde.
Podem considerar-se influências proximais, como as familiares, de amigos e recursos imediatos (micro ambiente) e as influências mais afastadas que incluem as redes a que os indivíduos pertencem, as organizações(escolas, locais de trabalho, associações, colectividades) e a sociedade em que todos se inserem (macro ambiente). Algumas influências estão nas comunidades e outras em estruturas geopolíticas maiores, a nível nacional ou mesmo internacional.
A teoria do comportamento-problema ou teoria do comportamento da saúde considera quatro grandes sistemas causais (o comportamento, o socio-ambiental, a personalidade da pessoa e a sua percepção do ambiente) que influenciam a ocorrência, ou não ocorrência, de determinado comportamento. Em cada sistema são consideradas diversas variáveis, que representam quer instigações quer controlos, e que, no cômputo geral, geram um estado dinâmico, chamado propensão a determinado problema.

Todos os estudos acerca de factores de risco revelaram marcadas variações nas respostas dos indivíduos. Para o explicar dá-se cada vez mais atenção ao papel dos factores que contrariam o risco, à importância da resistência pessoal, aos factores que protegem a pessoa no confronto com os riscos e qual o processo em acção.
Os factores de protecção das pessoas, individuais, familiares e sociais são mais do que o oposto das variáveis de risco. Consideram-se quatro mecanismos de protecção: os processos que reduzem o impacto do risco; os processos que reduzem a probabilidade de reacções em cadeia; os processos que promovem a auto-estima e a auto-eficácia, através de inter relações eficazes que proporcionam segurança e de experiências de sucesso nas tarefas; os processos que contribuem para a abertura dum leque de oportunidades.
O importante é que a resultante final de «comportamento saudável-comportamento patogénico» seja positiva, pois que será uma verdadeira miragem eliminar toda e qualquer actividade comprometedora de saúde.
Ao observar um paciente o médico de família deve dar atenção aos factores físicos, psicológicos, sociais e de personalidade que contribuem para a saúde ou a põem em causa.
O papel do médico é ajudar a pessoa a compreender que, sob dadas condições genéticas, constitucionais, exposicionais, culturais, a pessoa é responsável pelas suas escolhas, mais ou menos determinantes de saúde/doença. Há uma liberdade individual que transcende as determinações ecológicas e biológicas.
O papel do médico não é de polícia das pessoas em relação à sua saúde ou doença, é antes o de procurar com o doente novas possibilidades de livre desempenho na forma de vida escolhida, mostrando novos caminhos, mas sem poder percorrê-los pelo doente e discutindo objectivos, mas sem poder coagir as pessoas a aceitá-los.
O papel do médico é conhecer a pessoa com as suas facetas relevantes próprias e que em última instância é diferente de todas as outras.
Interessa conhecer aspectos do genoma da pessoa assim como peculiaridades dos seus aspectos criativos; as suas características enzimáticas assim como as características do meio em que se move e o modo como aí se move; a composição dos seus substratos corpóreos assim como a sua configuração psíquica, os incidentes no seu percurso vital, a forma como lhes foi fazendo frente e os seus projectos existenciais.
Há factores e situações que contribuem para aumentar o risco, a probabilidade de ocorrência de determinada doença, disfunção ou morte, mas não são interpretados como tal por muitas pessoas.
Visando-se mudar comportamentos que são funcionais e até gratificantes, há que conceber alternativas saudáveis que preencham as mesmas funções e que, como tal, sejam valorizadas.
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Intervenção
O médico de família e a equipa de saúde necessitam de adoptar duas estratégias, simultâneas e complementares, face a factores de risco com grande prevalência na população.
Uma estratégia populacional, que se baseia no reconhecimento de que a ocorrência de doença e de exposições comuns, tais como comer, beber, fumar são factores de risco de alta prevalência que reflectem o comportamento e as circunstâncias da sociedade como um todo.
Esta tem como objectivo reduzir os níveis de consumo em toda a população, a qual contém muitos consumidores moderados e nos quais ocorre a percentagem mais elevada de morbilidade e de mortalidade, apesar de individualmente estarem em menor risco.
Uma estratégia individual dirigida aos indivíduos em alto risco, dando prioridade às intervenções que têm probabilidades de conseguir os maiores benefícios e que são de eficácia confirmada, permitindo assim o melhor uso dos recursos em cuidados primários. A sua limitação é alterar pouco a morbimortalidade total da população.
Esta abordagem individual deve constituir uma parte de políticas mais alargadas com o objectivo de conseguir uma alteração social na população em geral.
Nós médicos de família devemos considerar as nossas listas de utentes como uma população, que pode ser influenciada, ainda que pouco a pouco e ao longo de muitos anos. Essa influência estende-se às atitudes e práticas de saúde de familiares, colegas, instituições e portanto tem repercussão na saúde pública. Devemos oferecer aconselhamento preventivo generalizado a todos os pacientes devido à influência marcada e persuasiva do ambiente e da cultura sobre os comportamentos de risco individual e sobre os níveis do risco.
Por outro lado devemos intervir junto de indivíduos de alto risco, o que é frequentemente subestimado. Devemos oferecer recomendações específicas preventivas aos pacientes segundo o seu risco absoluto, baseando-nos nos seus níveis de múltiplos factores de risco combinados e na modificabilidade de factores de risco específicos elevados.
Uma vez que há factores de risco evitáveis e que têm maior repercussão na saúde-doença e na morte, e uma vez que as intervenções médicas podem ter maior ou menor eficácia na adopção de comportamentos saudáveis, há necessidade de as equipas de cuidados primários, os médicos de família e os centros de saúde definirem prioridades para o seu envolvimento na prevenção.
A evidência sugere que a facilidade de procedimentos de eficácia não comprovada está tão disponível como aqueles de eficácia comprovada. Na área das doenças cardio-vasculares e do cancro, dada a limitação de tempo e de recursos, em termos de custo-eficácia e de saúde pública, o rastreio de hábitos tabágicos e as intervenções breves para reduzir o tabagismo, devem ser a grande e primeira prioridade em cuidados primários.
Para intervir a favor de um estilo de vida e comportamentos saudáveis é preciso identificar, caso a caso, quais os factores protectores a fortalecer e quais os factores de risco a ultrapassar.
Precisamos de uma estratégia sistemática de colheita de dados, de intervenção e «follow-up» subsequentes.
O médico de família e a equipa de saúde necessitam conhecer os hábitos e comportamentos dos indivíduos e suas famílias. Necessitam de uma postura activa: perguntar e registar.
O método de intervenção deve ter um tronco processual comum, com três estádios: 

1. informação/comunicação;
2. motivação/facilitação; 
3. proporcionar apoio.

A verdadeira mudança, aquela que permanece, ocorre quando a pessoa internaliza outros modos de funcionar, quando os sente como seus; a pessoa não é mudada, muda-se, transforma-se.
Precisamos conhecer e situar como está a pessoa perante o comportamento não saudável: Ainda não é problema? Está numa fase contemplativa? Está disposta à acção?
Não basta informar porque não é suficiente ter conhecimentos para ter comportamentos adequados. As mudanças de comportamentos não são uma resposta a mensagens de saúde formais. Importa conhecer as razões de um determinado comportamento, compreender, não culpabilizar, antes ajudar a que a pessoa mude.
Deve ser prestada especial atenção aos períodos de transição, às crises na vida das pessoas. É um momento em que uma trajectória de risco pode ser reorientada para um padrão mais adaptativo.
A saúde não é uma prioridade para a maioria das pessoas no decorrer das suas vidas diárias, mas quando surgem problemas de saúde é diferente. Esses são momentos cruciais para intervir e para mudar.
Toda a mudança constitui um stressor, isto é, algo que exige adaptação dum sujeito. Principalmente se essas alterações são vividas como ameaças ao equilíbrio e bem-estar dos anteriores. Então é preciso que a pessoa encontre comportamentos alternativos saudáveis, pensando e antecipando os seus benefícios.
É fundamental que o médico de família empatize com o paciente e esteja sensibilizado para partilhar a perspectiva deste, numa atitude mais de facilitador do que de sujeito com uma verdade a «impor». O que se pretende é que o indivíduo se forme e não que seja formado (moldado).
A partilha do sofrimento com alguém é um dos principais factores de protecção em relação ao risco de perturbações de ansiedade e depressivas. O médico de família, ou outros elementos da equipa de saúde, podem constituir o apoio emocional para a pessoa em risco. Esse apoio é crucial em períodos de transição, ou seja, momentos mais vulneráveis na vida de uma pessoa, em que esta está menos protegida pelas estruturas e relações normais e em que o médico de família pode contribuir para a adopção de respostas cognitivas e comportamentais mais adequadas. Períodos de transição em que a equipa de saúde pode contribuir para a diminuição do stress social e o aumento dos suportes sociais. 
As intervenções breves dos médicos de família não devem ser isoladas, devem ser continuadas, persistentes, desenvolvidas. Devem cada vez mais ser integradas em acções de uma equipa de saúde, devem ser planeadas, para assegurar a resolução das necessidades e características de uma pessoa ou de uma população alvo.
O «modelo de atitudes» constitui um importante contributo para a mudança de comportamentos. Ele considera que as opiniões e avaliações se combinam de uma forma especial e complexa, traduzindo-se em diferentes atitudes. Os fumadores por exemplo fazem uma distinção importante entre os prováveis ganhos associados ao abandono do cigarro e os custos deste abandono.
O quarto elemento deste modelo é a confiança, a confiança na capacidade de parar. Tal como acontece com as atitudes, a confiança, no caso dos fumadores, encoraja a cessação de fumar, não directamente, mas dando firmeza aos fumadores na sua resolução de parar.
As modificações positivas das atitudes e o aumento da confiança originam a formação de uma intenção de deixar de fumar, a qual leva à decisão de parar e à execução da tentativa. Mostrou-se também que mesmo a seguir a uma tentativa falhada vinham novas tentativas, aumentava a probabilidade de uma nova tentativa.
A forma final do modelo das atitudes é a seguinte:

Opiniões -------> Atitudes -----> Intenções ----> Comportamento
Avaliação------>Confiança
Tentativas prévias

Concluiu-se que não é o tipo de personalidade do indivíduo que conta para o abandono do hábito, mas sim as expectativas que ele tem sobre as vantagens que isso lhe trará. O stress actual influencia o stress esperado e por seu intermédio, o incentivo para parar. Mas é um elevado grau de stress que encoraja a cessação.
No caso dos fumadores, quando vivem em situação de grande stress, são mais susceptíveis de formar a intenção de parar e fazer a tentativa de cessação, comparados com os que sentem um stress diminuto, na sua vida.
Verificou-se também que tem mais importância os bons resultados que este espera ter, deixando de fumar, do que a situação presente do indivíduo, por pior que ela seja.
São fundamentais intervenções salutogénicas, paralelas às do médico de família e da equipa de saúde, a nível cultural, social, das escolas, dos locais de trabalho, das associações e colectividades, dos meios de comunicação.
O indivíduo, a sua família, os profissionais de saúde e a comunidade, têm, cada um, o seu papel no reforço dos comportamentos salutogénicos e na redução dos comportamentos patogénicos, na promoção de um estilo de vida saudável.
O médico de família, a equipa de saúde, o centro de saúde e outros serviços de saúde, têm também, cada um, o seu papel. O sector da saúde deve cooperar com o da educação e com toda a comunidade.
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Erros e limitações mais frequentes
Os erros mais frequentes dos médicos de família são:

- não integar a prevenção primária na consulta;
- pensar que é impossível as pessoas mudarem comportamentos;
- pensar que não pode ajudar a mudar comportamentos e assim não intervir;
- dar apenas informação e não motivar;
- não valorizar o que as pessoas pensam e sentem em relação ao seu estado físico, quando isso é um factor principal em qualquer processo de mudança de comportamento;
- abandonar o paciente a meio do processo de mudança ou depois de uma tentativa falhada;
- não acompanhar o paciente após a sua decisão e a sua mudança de comportamento e não o ajudar em relação às consequências da mudança;
- ter receio de criar maior stress às pessoas.

As maiores limitações são:
- a falta de tempo ou gestão deficiente da consulta;
- a falta de formação na área concreta de como ajudar a mudar comportamentos não saudáveis; a falta de perícias grupais e interpessoais; 
- a falta de apoios, designadamente de outros profissionais, ligados às estruturas de saúde na comunidade, como assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, sociólogos, enfermeiras de cuidados de saúde primários e visitadores domiciliários.

Por esclarecer ou a necessitar de mais investigação:
- quais as circunstâncias em que se verifica e o grau que atinge o facto de as perturbações psicológicas poderem provocar doenças no corpo; as possibilidades de prevenir essas perturbações psicológicas.
- quais os resultados de intervenções breves dos médicos de família, a nível individual e das suas listas de utentes, e quais os resultados de intervenções planeadas por equipas de educação para a saúde.
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Pontos práticos a reter
1. Hoje as principais causas de morbimortalidade em Portugal podem ser muito reduzidas se as pessoas adoptarem alguns comportamentos protectores de saúde, tais como não fumar, não beber excessivamente, fazer uma alimentação saudável e exercício regularmente.
2. A alimentação excessiva e desequilibrada, caracterizada por alguns excessos (de calorias, gorduras, proteínas, açúcar e álcool) e por algumas carências (de complantix, amido, alguns minerais e algumas vitaminas), constitui hoje o motor da maioria das doenças que afligem o homem das sociedades de consumo.
3. As influências sociais passam por um processo de escolha consciente e racionalizado dos indivíduos e das populações que é amplamente susceptível de ser influenciado pelos médicos de família e pelas equipas de saúde.
4. A intervenção dos médicos de família para que as pessoas adoptem um estilo de vida e comportamentos saudáveis deve seguir uma estratégia populacional e uma estratégia individual; para ajudar a mudar comportamentos não saudáveis deve seguir o processo: comunicação (aquisição de informação e compreensão), motivação (formação de atitudes via crenças e clarificação de valores), suporte (aquisição de competências necessárias), acção.

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Quadro I

"O decálogo de pedido de mudanças"
de Bimbela Pedrola, 1995 (citado por Frasquilho, MA, 1996)

Há dez pontos a percorrer no processo de intervenção em promoção de comportamentos saudáveis:

1 - Procurar o local e momento mais adequados...
2 - Pedir uma mudança de cada vez...
3 - Preparar cada um dos passos e alvos...
4 - Começar com algo positivo e reforçá-lo...
5 - Descrever correctamente o comportamento que se pretende mudar ou criar, evitando juízos de valor que culpabilizem o utente...
6 - Explicar qual é a consequência do comportamento descrito no ponto anterior...
7 - Empatizar, pôr-se no lugar do outro, antecipando as barreiras à adopção do novo comportamento e alinhando antecipadamente modos de as superar...
8 - Assumir a própria responsabilidade, se é que a há, na manutenção do comportamento-problema...
9 - Pedir mudanças, mediante perguntas, utilizando a primeira pessoa do plural como forma de traduzir a implicação mútua....
É decisivo que se peçam mudanças alcançáveis, conhecendo as capacidades reais de cada um...
10 - Propor, sempre na forma de pergunta, diversas alternativas de mudança, mas só no caso do utente não ter verbalizado alternativas possíveis...

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