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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.8. Saúde do idoso
89. Exames de saúde nos idosos

Luciana Couto
Alexandre Sousa Pinto

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Ribas, Mª José


O grupo dos idosos é heterogéneo. Inclui o grupo de «idosos jovens», independentes do ponto de vista activo e até de saúde e os «idosos mais velhos» ou «grande idosos» dependentes e com incapacidades que exigem cuidados significativos.
Efectuar uma avaliação da capacidade de reserva é importante para que as forças positivas não se reduzam, levando o doente a aceitar positivamente as enfermidades e limitações físicas de forma inteligente. O diagnóstico correcto das situações é necessário e muitas vezes difícil pelas alterações cognitivas, sensoriais e outras que são comuns neste grupo etário. A participação de familiares ou vizinhos pode ajudar na colheita da história clínica necessária para o diagnóstico, quando há dificuldades de comunicação.
A avaliação de um doente idoso pode ter de ser efectuada em uma ou várias visitas, conforme a situação clínica de cada um.
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Prevenção primária

A intervenção preventiva nos idosos tem por objectivo diminuir a velocidade de declínio, ajudando a manter as funções num nível que chegue o mais próximo possível da sua capacidade potencial.
As crenças e atitudes neste grupo etário são importantes. Muitos assumem uma atitude pessimista em relação a sintomas físicos ou mentais e procuram menos ajuda, porque atribuem esses problemas à sua idade. A educação para a saúde desta população deve sensibilizá-los para que os seus problemas físicos, mentais e sociais podem ser prevenidos e tratados. Todas as oportunidades possíveis devem ser utilizadas para reforçar o optimismo e a esperança de vida e ajudar a distinguir os problemas relativos à idade dos relativos à doença, assim como para a necessidade de referir esses problemas e procurar ajuda.
As medidas gerais de prevenção, como os cuidados com a dieta, para tratamento ou prevenção da obesidade e para evitar o défice de fibras que são comuns nos idosos. A prática de exercício físico regular aplica-se em qualquer idade. A natação ou a simples marcha são medidas de prevenção para doentes com artrose ou medidas de prevenção básica da doença cardiovascular.
O exercício físico tem efeitos benéficos na tensão arterial, na homeostase da glicose, na diminuição da massa óssea e ajuda a melhorar o humor, diminuir a insónia e a obstipação e na prevenção das quedas.

Prevenção Secundária

A prevenção secundária neste grupo populacional deve ser feito por rastreio, ou seja pelo diagnóstico de uma doença por teste específico, sensível numa fase mais inicial, se possível antes de dar sintomatologia. Assim, num exame de saúde de um doente idoso devem ter-se em conta os seguintes aspectos:
1. Avaliação regular da Tensão Arterial em cada consulta, com periodicidade mínima anual. A TA deve ser medida com o doente deitado e de pé, para despistar hipotensão ortostática ou se toma medicação que possa interferir no sistema de regulação dos baroreceptores.
2. Avaliação anual da Visão e Audição, com observação do canal auditivo para despistar a presença de cerumen que possa interferir com a audição. Rastrear situações de défice e referenciar se for necessário.
3. Avaliação regular do Peso e do Índice de Massa Corporal, para avaliação do estado nutricional, que poderá ou não ser adequado. Os hábitos dietéticos devem ser analisados, pois são comuns os défices de proteínas, ferro, cálcio, folatos e vitamina D. As alterações de cheiro e de gosto dificultam alimentação assim como dificuldades económicas e sociais - vivendo sozinhos ou não, dificuldades de alimentação devidas a próteses, alterações cognitivas ou situações de depressão. 
4. Exame do Tórax - A inspecção pode revelar assimetrias relacionadas com cifoescoliose e com a progressão e o estreitamento anteroposterior torácico que pode deslocar o coração lateralmente e desviar o apex cardíaco para fora da linha médio-clavicular e confundir-se com cardiomegalia pela observação da deslocação do choque da ponta.
Na mulher idosa a palpação anual dos seios na posição de deitada e posteriormente de pé é útil pois a inspecção de frente pode permitir observar o sulco transverso ao longo do abdómen superior indicando a presença de alterações osteoporóticas. As mamografias de rastreio devem ser efectuadas cada dois anos até aos 75 anos.
Na auscultação cardíaca prestar atenção às arritmias que são frequentes neste grupo etário, sendo dominante na fase tardia da vida a fibrilação auricular. A presença de sopro cardíaco aórtico sistólico é frequente neste grupo populacional podendo ser difícil fazer diagnóstico diferencial com estenose aórtica.
5. Toque rectal, no sexo masculino - deverá ser efectuado anualmente para avaliação da próstata e como rastreio de cancro deste órgão.
6. Observação da marcha, é importante para avaliar o risco de quedas.
7. Teste de avaliação mental, existindo autores que preconizam a sua realização na 1ª consulta e depois anualmente se tiver mais de 80 anos. 
8. Avaliação da existência de Depressão. Esta é frequente neste grupo etário, podendo ser agravada ou desencadeada por medicação (antihipertensores, psicotrópicos ou outros) o que obriga a ponderar a sua substituição.
9. Avaliação da cavidade oral, com a retirada de próteses para verificação de lesões que com o decorrer do tempo possam sofrer evolução maligna. A avaliação dentária deve ser feita anualmente.
10. Avaliação da existência de incontinência, ou se toma medicação que a possa precipitar ou agravar (diuréticos, por exemplo).
11. Citologia cervico-vaginal - Deve ser efectuada inicialmente e repetida de 3 em 3 anos em todas as mulheres até aos 65 anos, desde que os dois testes mais recentes sejam negativos.
12. Avaliação do desempenho das tarefas diárias, do grau de autonomia e do ambiente da casa. Uma intervenção sobre estes aspectos pode ser efectuada no sentido de se evitarem tapetes escorregadios, colocar apoios nas banheiras, etc.
13. Avaliação do apoio da família nuclear e alargada. 
14. Exames Complementares de Diagnóstico recomendados: na primeira consulta devem ser pedidos o hemograma, sumário de urina, glicemia em jejum, provas de função hepática, THS, (se for normal, posteriormente poderá ser efectuado de 3 em 3 anos), ionograma. Serão repetidos conforme a situação clínica do idoso. Deverão ser efectuados ainda o ECG e o Rx Tórax. A densitometria óssea poderá ser efectuada de 2 em 2 anos ou de 3 em 3 anos na mulher que não faz THS.
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Prevenção Terciária

Talvez o aspecto mais importante da prevenção terciária tenha a ver com a utilização de medicamentos. A prevalência de doenças e da sintomatologia associada aumenta com a idade. Com o aumento da esperança de vida as situações em que várias doenças se manifestam simultaneamente no mesmo indivíduo são cada vez mais comuns. À medida que o número de idosos e o número de fármacos disponíveis para prevenir e tratar os seus problemas de saúde aumentam, crescem também as preocupações com a polipragmasia (uso de vários fármacos pelo mesmo indivíduo), quer seja por prescrição médica quer seja por auto-medicação. A sintomatologia que pode condicionar pode ser variada e facilmente imputável à idade do doente, como fraqueza, desequilíbrio, confusão, anorexia, incontinência, imobilização, etc..
Vários estudos têm sido feitos sobre a medicação nos idosos e seus riscos. Num estudo realizado no serviço de um do hospital concluiu-se que dos indivíduos com mais de 65 anos que foram internados durante o ano de 1986, 99% estavam medicados em ambulatório, destes 45% usavam 3 ou mais medicamentos diferentes. Noutro estudo feito retrospectivamente no primeiro semestre de 1989 em 1123 doentes com mais de 65 anos inscritos num centro de saúde constatou-se que só cerca de 4% não tomavam medicação regularmente, fazendo mais de 50% 2 ou mais medicamentos em simultâneo. As duas causas mais comuns de doença iatrogénica são os efeitos laterais dos fármacos e a má adesão à terapêutica, muitas vezes a combinação das duas situações. 
Existem alterações farmacocinéticas importantes neste grupo etário que devem ser consideradas antes do início de qualquer medicação. Deve por isso prescrever-se o menor número de fármacos possível, e a menor dose eficaz.
Existem sintomas nos idosos que podem causar grande «stress» nos próprios ou nos seus conviventes, que estão descritos como os «5 Is» e que os medicamentos também podem agravar ou desencadear:
- Demência (alteração ou insuficiência intelectual)
- Incontinência (ou medo da incontinência)
- Imobilidade (medo das quedas)
- Desequilíbrio (Instabilidade)
- Reacção iatrogénica a medicamento
A maioria dos autores preconiza um plano de avaliação geriátrica polivalente. Os idosos não são iguais do ponto de vista de necessidades de saúde. Existem múltiplos factores que interactuam e que têm impacto no diagnóstico e prognóstico. Os aspectos como o estado funcional, mental, emocional, aspectos de comunicação, mobilidade, equilíbrio, hábitos intestinais, e de nutrição, desempenho de actividades diárias e o apoio social e familiar devem ser avaliados e registados nas consultas deste grupo populacional.
O médico, sobretudo nos Cuidados de Saúde Primários, deve estar alertado para a avaliação que faz dos idosos que não é tanto dirigida só aos aspectos de diagnóstico clínico, mas também aos aspectos funcionais da sua vida, ao seu grau de autonomia e a ponderar se é possível melhorar a sua qualidade de vida.

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