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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.8. Saúde do idoso
97. Isolamento, pobreza e suas repercursões

Manuela Louro

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Ribas, Mª José

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Introdução

Neste final de século, o envelhecimento populacional constitui um fenómeno demográfico jamais observado na história da humanidade. Apesar da principal causa que lhe está subjacente ser a baixa da Natalidade, torna-se mais facilmente observável o aumento crescente do número de idosos e da esperança de vida o que trará consequências económicas, sociais, éticas e sanitárias a muito curto prazo.
Os problemas que poderão afligir os mais idosos, não se limitam ao aparecimento de doenças. Outros de igual ou maior importância poderão ser determinantes para a qualidade de vida do idoso. Não podemos esquecer questões como a solidão, enquanto perda dos contactos familiares e sociais; a carência de recursos económicos ou de suporte social e a perda de autonomia que condiciona a dependência.
Assim, a solução unidireccional dos problemas inerentes ao envelhecimento da população, tentando atender só à doença, é redutor e leva à perpetuação de um ciclo vicioso em que os mais idosos, pela sua vulnerabilidade, podem facilmente entrar.
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Figura 1


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Isolamento

A vida e a função social dos mais velhos sofreram alterações profundas ao longo da história da humanidade. Na sociedade patriarcal e agrícola, que predominou até meados do século passado, os idosos estavam situados numa posição vantajosa porque, até à morte, eram donos dos meios de produção, as terras, onde os filhos trabalhavam para eles. Nas zonas urbanas era frequente o filho seguir ofício do pai. A experiência dos mais velhos tornava-se assim válida e útil. Era-lhes reconhecido prestígio e autoridade.

Na sociedade pré industrial muito poucos idosos viviam sós. Com o aparecimento da Revolução Industrial, o enorme êxodo das populações campesinas para as cidades, veio alterar profundamente a organização familiar assim como as funções dos mais idosos. Estes perdem o poder económico sobre a família que lhes vinha da posse da terra, único meio de sustento familiar até então, assim como o prestígio vindo do saber transmitido oralmente de geração a geração. As casas dos operários eram pequenas, não podendo acolher mais que o restrito núcleo familiar constituído por pais e filhos. A carestia da vida na cidade obriga as mulheres a contribuir para a economia da família tornando-se operárias fabris.
Os idosos começam a perder importância familiar e social deixando de ter espaço no núcleo familiar e sendo inúteis socialmente.
De acordo com Guillemard, pode dizer-se que até ao início do século XX a velhice é praticamente invisível, correspondendo a um estado confundível com a doença, caso esta resultasse numa incapacidade funcional devido ao envelhecimento biológico individual ou com a mendicidade. O incremento que nesta época tiveram os asilos para idosos contribuiu para melhorar a situação dos mais pobres, mas também fomentou o isolamento destes. Os mais velhos passaram a relacionar-se, principalmente, por vezes quase exclusivamente, com outros da mesma idade, perdendo a convivência com as outras gerações.
Um estudo feito pela Segurança Social espanhola, em 1985, revelou que 70 % das pessoas com mais de 75 anos a viver em lares para a 3ª idade, apenas recebiam uma a duas visitas por ano.
Actualmente, quer as sociedades quer as famílias estão a organizar-se de tal modo que os idosos não têm papel nem lugar no seu seio.

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Tabela I

População idosa por distritos em Portugal (INE, Censos 1991)
Total População
do Distrito
Total População
>= 65 anos
Total População
>= 65 anos sós
% de idosos
no total
população

% de idosos
sós no total de idosos

Aveiro
654265
76785
11434
11,7
14,9
Beja
169438
34287
6744
20,2
19,7
Braga
748192
72685
9197
9,7
12,7
Bragança
157809
28797
5986
18,2
20,8
Castelo Branco
214853
46106
9978
21,5
21,6
Coimbra
427839
70872
13160
16,6
18,6
Évora
173654
32006
6630
18,4
20,7
Faro
341404
59095
10701
17,3
18,1
Guarda
188165
39851
8970
21,2
22,5
Leiria
426152
61197
11604
14,4
19,0
Lisboa
2048180
266053
52780
13,0
19,9
Portalegre
134169
29308
6425
21,8
22,0
Porto
1641501
164511
24810
10,0
15,0
Santarém
444880
77293
15231
17,4
19,8
Setúbal
712594
81099
14299
11,4
17,7
V. Castelo
250059
41651
6612
16,7
15,9
Vila Real
233611
35992
6902
15,4
19,1
Viseu
404554
65539
12140
16,2
18,5
Açores
237795
29675
4001
12,5
13,5
Madeira
253426
29419
4009
11,6
13,6
Portugal
9862540
1342221
241613
13,6
18,0


Os indivíduos com 65 e mais anos representam no nosso país 13,6% do total da população. As assimetrias verificadas variam entre 9,7% no distrito de Braga e 21,8 % no distrito de Portalegre. As 241613 pessoas com 65 e mais anos, a viverem sós em Portugal, representam 2,4 % do total da população, variando entre 1,2 % em Braga e 4,8 % na Guarda e Portalegre. Em Portugal 18% das pessoas idosas vivem sós, atingindo o máximo percentual no distrito de Bragança e o mínimo em Braga.
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Evolução dos lares para idosos por distrito

As políticas sociais têm promovido o aparecimento de equipamentos cujo usufruto é destinado apenas a uma categoria de idades, os idosos. Os pressupostos em que se baseiam, a agregação de pessoas acima de uma certa idade, têm contribuído, ainda que de forma indirecta, para reforçar a segregação que se pretendia à partida contrariar e acentuar os contornos da imagem de velhice enquanto categoria carenciada e segregada.

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Tabela II

Evolução dos lares de idosos
x
1978
1981
1985
1988
1994
Aveiro
18
18
20
25
33
Beja
12
15
19
24
31
Braga
25
25
25
29
43
Bragança
6
8
8
9
22
Castelo Branco
7
7
9
14
14
Coimbra
18
19
26
29
41
Évora
14
14
19
19
25
Faro
6
10
18
24
32
Guarda
8
8
17
21
32
Leiria
10
13
15
19
29
Lisboa
-
-
58
86
71
Portalegre
17
18
19
24
31
Porto
36
39
37
36
51
Santarém
29
24
29
29
36
Setúbal
2
17
19
20
26
V. Castelo
11
12
12
13
17
Vila Real
6
6
8
14
16
Viseu
8
11
15
23
35
TOTAL
233
322
401
443
585

Fonte: 1978 - Carta da Segurança Social; 1981 - DPSS, Ministério dos Assuntos Sociais; 1985 a 1994 - Direcção Geral da Acção Social
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Pobreza

Definiremos pobreza como a situação de privação resultante de falta de recursos. Os recursos em falta são múltiplos e do domínio das necessidades básicas: alimentação, vestuário, habitação, transportes, comunicações, saúde, educação, cultura, participação na vida social e política. Umas carências suscitam outras, sendo difícil identificar uma relação causal. Com o passar do tempo, as carências tornam-se múltiplas, ficando afectada a personalidade de quem entra neste ciclo de pobreza. Modificam-se os hábitos, surgem novos comportamentos, alteram-se os valores e à revolta inicial com o ensaio de estratégias de sobrevivência, segue-se o conformismo, esbatendo-se a capacidade de iniciativa e enfraquecendo a auto - estima. A rede de relações sociais modifica-se com perda de identidade social.
Nos meios rurais, as consequências da pobreza nas relações sociais são, com frequência, menos penosas, devido às relações de solidariedade ainda existentes nesses meios. Em situações mais extremas de pobreza pode sobrevir a exclusão territorial, como os bairros degradados, os centros históricos das cidades com más condições de habitação, zonas rurais que não participam do progresso caracterizadas pela forte emigração dos mais jovens e pela pobreza dos que ficam. Estando negadas as condições para o progresso pessoal, geram-se cadeias de círculos viciosos que se vão reforçando e que dificilmente permitem a libertação do indivíduo. Bruto da Costa, refere na sua tese de doutoramento que as consequências da pobreza entre gerações se manifestam a nível de recursos, educação e formação profissional, poder social, saúde, habitação, estilos de vida, hábitos e costumes, relações sociais, participação, laços afectivos, cultura e valores, motivação, aspirações, capacidade de iniciativa, auto-estima, identidade social e pessoal, projectos de vida e sentido de vida.
Existem outros caminhos que podem levar à pobreza, além da sua persistência vinda da geração anterior. Conhecendo o nosso sistema de pensões de reforma, a vulnerabilidade natural do idoso e o seu afastamento da participação social e familiar, ser-nos-à lícito admitir que o idoso corre um elevado risco de cair na pobreza.
Os «handicaps» apontados tendentes a perpetuar o estado de pobreza, de geração em geração, também são facilmente atingíveis por um número preocupante de idosos.
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Famílias pobres, por estatuto sócio-económico

Os reformados constituem 56,1% das famílias que, no nosso país, vivem em pobreza.

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Tabela III

ESTATUTO
%
Empregado c/ profissão civil
37,3
Membro das Forças Armadas
0,6
Desempregado (1º emprego)
0
Desempregado (outro emprego)
1,7
Domésticas
2,8
Reformado
56,1
Deficientes
0,9
Outros
0,3
Total
100

(Fonte: INE, 1990 - Portugal)

Sendo as baixas reformas um factor major justificativo da condição de pobreza em que vivem alguns idosos, não é certamente o único. O modo como a sociedade se tem vindo a organizar, na sua cultura dominante direccionada para a juventude, criou uma barreira à simples condição de se ter mais de 65 anos de idade.
6
Famílias pobres, por estatuto sócio - económico
Os reformados, tal como se verificou em Portugal, continuam ser responsáveis pela maioria das famílias pobres da União Europeia.

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Tabela IV

ESTATUTO
%
Trabalhador por conta própria
32,6
Trabalhador por conta de outro
16,4
Domésticas
2,7
Desempregados
1,8
Estudantes
0,1
Reformados
35,6
Outros
4,0
Faltam
6,8
Total
100

(Fonte: EUROSTAT, 1993)
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Repercussões

O elevado risco de pobreza e o isolamento a que muitos idosos estão sujeitos podem levar à sua consequência mais extrema: a exclusão.
A exclusão verifica-se a nível:

- Familiar - abandonado o modelo de família alargada, em que conviviam três gerações, passou-se ao da família nuclear, composta de duas gerações. Os mais velhos ficaram excluídos.
- Social - retirado do que a actual sociedade considera vital, a produção, e marcado de uma desvalorização social, a protecção, que mesmo sem relação com a pobreza, confere ao mais velho uma imagem social de marginalidade.
Tem-se assistido a um incremento de formas de lazer para idosos: "centros de dia ", "colónias de férias ", "turismo sénior", "passeios para idosos", "universidade para a 3ª idade". Estas formas de lazer poderão atenuar a solidão, mas podem contribuir para agravar a sua desintegração do resto da sociedade.
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Possibilidades de intervenção em Medicina Familiar

O envelhecimento prepara-se ao longo da vida. Aceitando que este é um processo individual em que a idade cronológica pode nada ter a ver com a idade biológica, coloca-se-nos a questão de como conseguir um envelhecimento de sucesso. O Médico de Família pode intervir num envelhecimento bem sucedido:
- contribuindo para um desenvolvimento harmonioso na infância e na adolescência de cada indivíduo;
- actuando preventivamente junto do adulto jovem e de meia-idade para o desenvolvimento físico, intelectual e social;
- ajudando à reabilitação nos casos de incapacidade;
- levando a reforçar as atitudes e comportamentos positivos perante as incapacidades ou dependências.
O grande objectivo da Medicina Familiar perante o utente idoso, será o aumento da Esperança de Vida Activa, pelo que devemos ter sempre presente que um envelhecimento, para ter sucesso necessita que:
- se mantenha a auto estima;
- se assegure a manutenção da autonomia nas actividades físicas e intelectuais;
- se contribua para assegurar a vida num ambiente de bem estar, com estabilidade sócio-económica e social.
As estratégias a adoptar junto dos idosos, para a manutenção da saúde, são:
- efectuar exames clínicos periódicos que visem avaliar, as condições físicas, psicológicas, afectivas e sociais;
- controlar de doenças crónicas já existentes;
- ensinar sobre um estilo de vida saudável.
O Médico de Família que presta assistência ao idoso deve estar informado dos recursos familiares e sociais existentes ao dispor, assumindo um papel activo na sua utilização. Assim, deve influenciar:
- alterações ao meio físico (escadas, rampas, etc.);
- apoio ao domicílio (alimentação, limpezas, etc.)
- contactos sociais (actividades de lazer, amigos, telefone de apoio)
- manutenção de necessidades básicas (alimentos, económica).

Apesar das necessidades individuais dos idosos estarem identificadas pelo Médico de Família, não significa que os problemas sejam resolvidos. Para tal é necessário a intervenção de equipas multiprofissionais de que poucas vezes se dispõe. Cabe ao Médico de Família, pela sua posição privilegiada junto do utente
idoso, dar o primeiro passo para lhe minorar o sofrimento.
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Bibliografia
"65 e mais anos, os números em Portugal". Ministério da Solidariedade e Segurança Social - 1995.
"Effets pervers et ordre social" - Boudon, Raymond - PUF - 1989.

"Responsabilidade Familiar Pelos Dependentes Idosos nos Países da CE" - Ed. Conselho Económico e Social - Lisboa, 1995.

"Superar as Desigualdades". Fundação Europeia para a Melhoria das condições de vida e de trabalho, 1997.

Barreto, António. "A situação Social em Portugal" - 1960 - 1995 - ICS.

Carrageta, Manuel; Pádua, Fernando. "Geriatria Clínica" - FML, 1991.

Costa, A Bruto. "The Paradox of Poverty - Portugal" - pág. 213.

Costa, A Bruto. "Pobres Idosos"- Estudos Demográficos , 31, INE - 1993.

Costa, A Bruto. "Exclusões Sociais" - Ed. Gradiva, Cadernos democráticos, Fundação Mário Soares. 1998.

Cuturello, Paul. " Transformation de la famille et habitat " - PUF - 1988.

Fernandes, Ana Alexandra. " Velhice e Sociedade " - Ed. Celta - 1997.

Jean, Duvignaud. "A Solidariedade, Laços de Sangue e Laços de Razão" -Instituto Piaget - 1997.
Nazareth, Manuel. " Introdução à Demografia " - Ed. Fundamentos - 1996.

Rosa, Mª João. "O desafio social do envelhecimento demográfico", Análise Social, Vol. XXVIII ( 122 ) (3º) - 1993.

Xiberras, Martine. "As Teorias da Exclusão" - Instituto Piaget - 1997.