1
Introdução
Neste final de século, o envelhecimento populacional constitui
um fenómeno demográfico jamais observado na história
da humanidade. Apesar da principal causa que lhe está subjacente
ser a baixa da Natalidade, torna-se mais facilmente observável
o aumento crescente do número de idosos e da esperança de
vida o que trará consequências económicas, sociais,
éticas e sanitárias a muito curto prazo.
Os problemas que poderão afligir os mais idosos, não se
limitam ao aparecimento de doenças. Outros de igual ou maior importância
poderão ser determinantes para a qualidade de vida do idoso. Não
podemos esquecer questões como a solidão, enquanto perda
dos contactos familiares e sociais; a carência de recursos económicos
ou de suporte social e a perda de autonomia que condiciona a dependência.
Assim, a solução unidireccional dos problemas inerentes
ao envelhecimento da população, tentando atender só
à doença, é redutor e leva à perpetuação
de um ciclo vicioso em que os mais idosos, pela sua vulnerabilidade, podem
facilmente entrar.
9
Figura
1
2
Isolamento
A vida e a função social dos mais velhos sofreram alterações
profundas ao longo da história da humanidade. Na sociedade patriarcal
e agrícola, que predominou até meados do século passado,
os idosos estavam situados numa posição vantajosa porque,
até à morte, eram donos dos meios de produção,
as terras, onde os filhos trabalhavam para eles. Nas zonas urbanas era
frequente o filho seguir ofício do pai. A experiência dos
mais velhos tornava-se assim válida e útil. Era-lhes reconhecido
prestígio e autoridade.
Na sociedade
pré industrial muito poucos idosos viviam sós. Com o aparecimento
da Revolução Industrial, o enorme êxodo das populações
campesinas para as cidades, veio alterar profundamente a organização
familiar assim como as funções dos mais idosos. Estes perdem
o poder económico sobre a família que lhes vinha da posse
da terra, único meio de sustento familiar até então,
assim como o prestígio vindo do saber transmitido oralmente de
geração a geração. As casas dos operários
eram pequenas, não podendo acolher mais que o restrito núcleo
familiar constituído por pais e filhos. A carestia da vida na cidade
obriga as mulheres a contribuir para a economia da família tornando-se
operárias fabris.
Os idosos começam a perder importância familiar e social
deixando de ter espaço no núcleo familiar e sendo inúteis
socialmente.
De acordo com Guillemard, pode dizer-se que até ao início
do século XX a velhice é praticamente invisível,
correspondendo a um estado confundível com a doença, caso
esta resultasse numa incapacidade funcional devido ao envelhecimento biológico
individual ou com a mendicidade. O incremento que nesta época tiveram
os asilos para idosos contribuiu para melhorar a situação
dos mais pobres, mas também fomentou o isolamento destes. Os mais
velhos passaram a relacionar-se, principalmente, por vezes quase exclusivamente,
com outros da mesma idade, perdendo a convivência com as outras
gerações.
Um estudo feito pela Segurança Social espanhola, em 1985, revelou
que 70 % das pessoas com mais de 75 anos a viver em lares para a 3ª
idade, apenas recebiam uma a duas visitas por ano.
Actualmente, quer as sociedades quer as famílias estão a
organizar-se de tal modo que os idosos não têm papel nem
lugar no seu seio.
10
Tabela
I
População
idosa por distritos em Portugal (INE, Censos 1991)
|
|
Total
População
do Distrito
|
Total
População
>= 65 anos
|
Total
População
>= 65 anos sós
|
%
de idosos
no total
população
|
%
de idosos
sós
no total de idosos
|
Aveiro
|
654265
|
76785
|
11434
|
11,7
|
14,9
|
Beja
|
169438
|
34287
|
6744
|
20,2
|
19,7
|
Braga
|
748192
|
72685
|
9197
|
9,7
|
12,7
|
Bragança
|
157809
|
28797
|
5986
|
18,2
|
20,8
|
Castelo
Branco
|
214853
|
46106
|
9978
|
21,5
|
21,6
|
Coimbra
|
427839
|
70872
|
13160
|
16,6
|
18,6
|
Évora
|
173654
|
32006
|
6630
|
18,4
|
20,7
|
Faro
|
341404
|
59095
|
10701
|
17,3
|
18,1
|
Guarda
|
188165
|
39851
|
8970
|
21,2
|
22,5
|
Leiria
|
426152
|
61197
|
11604
|
14,4
|
19,0
|
Lisboa
|
2048180
|
266053
|
52780
|
13,0
|
19,9
|
Portalegre
|
134169
|
29308
|
6425
|
21,8
|
22,0
|
Porto
|
1641501
|
164511
|
24810
|
10,0
|
15,0
|
Santarém
|
444880
|
77293
|
15231
|
17,4
|
19,8
|
Setúbal
|
712594
|
81099
|
14299
|
11,4
|
17,7
|
V.
Castelo |
250059
|
41651
|
6612
|
16,7
|
15,9
|
Vila
Real |
233611
|
35992
|
6902
|
15,4
|
19,1
|
Viseu |
404554
|
65539
|
12140
|
16,2
|
18,5
|
Açores
|
237795
|
29675
|
4001
|
12,5
|
13,5
|
Madeira
|
253426
|
29419
|
4009
|
11,6
|
13,6
|
Portugal
|
9862540
|
1342221
|
241613
|
13,6
|
18,0
|
Os indivíduos com 65 e mais anos representam no nosso país
13,6% do total da população. As assimetrias verificadas
variam entre 9,7% no distrito de Braga e 21,8 % no distrito de Portalegre.
As 241613 pessoas com 65 e mais anos, a viverem sós em Portugal,
representam 2,4 % do total da população, variando entre
1,2 % em Braga e 4,8 % na Guarda e Portalegre. Em Portugal 18% das pessoas
idosas vivem sós, atingindo o máximo percentual no distrito
de Bragança e o mínimo em Braga.
3
Evolução
dos lares para idosos por distrito
As políticas sociais têm promovido o aparecimento de equipamentos
cujo usufruto é destinado apenas a uma categoria de idades, os
idosos. Os pressupostos em que se baseiam, a agregação de
pessoas acima de uma certa idade, têm contribuído, ainda
que de forma indirecta, para reforçar a segregação
que se pretendia à partida contrariar e acentuar os contornos da
imagem de velhice enquanto categoria carenciada e segregada.
11
Tabela
II
Evolução
dos lares de idosos
|
x |
1978
|
1981
|
1985
|
1988
|
1994
|
Aveiro
|
18
|
18
|
20
|
25
|
33
|
Beja
|
12
|
15
|
19
|
24
|
31
|
Braga
|
25
|
25
|
25
|
29
|
43
|
Bragança
|
6
|
8
|
8
|
9
|
22
|
Castelo
Branco
|
7
|
7
|
9
|
14
|
14
|
Coimbra
|
18
|
19
|
26
|
29
|
41
|
Évora
|
14
|
14
|
19
|
19
|
25
|
Faro
|
6
|
10
|
18
|
24
|
32
|
Guarda
|
8
|
8
|
17
|
21
|
32
|
Leiria
|
10
|
13
|
15
|
19
|
29
|
Lisboa
|
-
|
-
|
58
|
86
|
71
|
Portalegre
|
17
|
18
|
19
|
24
|
31
|
Porto
|
36
|
39
|
37
|
36
|
51
|
Santarém
|
29
|
24
|
29
|
29
|
36
|
Setúbal
|
2
|
17
|
19
|
20
|
26
|
V.
Castelo |
11
|
12
|
12
|
13
|
17
|
Vila
Real |
6
|
6
|
8
|
14
|
16
|
Viseu |
8
|
11
|
15
|
23
|
35
|
TOTAL |
233
|
322
|
401
|
443
|
585
|
Fonte: 1978
- Carta da Segurança Social; 1981 - DPSS, Ministério dos
Assuntos Sociais; 1985 a 1994 - Direcção Geral da Acção
Social
4
Pobreza
Definiremos pobreza como a situação de privação
resultante de falta de recursos. Os recursos em falta são múltiplos
e do domínio das necessidades básicas: alimentação,
vestuário, habitação, transportes, comunicações,
saúde, educação, cultura, participação
na vida social e política. Umas carências suscitam outras,
sendo difícil identificar uma relação causal. Com
o passar do tempo, as carências tornam-se múltiplas, ficando
afectada a personalidade de quem entra neste ciclo de pobreza. Modificam-se
os hábitos, surgem novos comportamentos, alteram-se os valores
e à revolta inicial com o ensaio de estratégias de sobrevivência,
segue-se o conformismo, esbatendo-se a capacidade de iniciativa e enfraquecendo
a auto - estima. A rede de relações sociais modifica-se
com perda de identidade social.
Nos meios rurais, as consequências da pobreza nas relações
sociais são, com frequência, menos penosas, devido às
relações de solidariedade ainda existentes nesses meios.
Em situações mais extremas de pobreza pode sobrevir a exclusão
territorial, como os bairros degradados, os centros históricos
das cidades com más condições de habitação,
zonas rurais que não participam do progresso caracterizadas pela
forte emigração dos mais jovens e pela pobreza dos que ficam.
Estando negadas as condições para o progresso pessoal, geram-se
cadeias de círculos viciosos que se vão reforçando
e que dificilmente permitem a libertação do indivíduo.
Bruto da Costa, refere na sua tese de doutoramento que as consequências
da pobreza entre gerações se manifestam a nível de
recursos, educação e formação profissional,
poder social, saúde, habitação, estilos de vida,
hábitos e costumes, relações sociais, participação,
laços afectivos, cultura e valores, motivação, aspirações,
capacidade de iniciativa, auto-estima, identidade social e pessoal, projectos
de vida e sentido de vida.
Existem outros caminhos que podem levar à pobreza, além
da sua persistência vinda da geração anterior. Conhecendo
o nosso sistema de pensões de reforma, a vulnerabilidade natural
do idoso e o seu afastamento da participação social e familiar,
ser-nos-à lícito admitir que o idoso corre um elevado risco
de cair na pobreza.
Os «handicaps» apontados tendentes a perpetuar o estado de
pobreza, de geração em geração, também
são facilmente atingíveis por um número preocupante
de idosos.
5
Famílias
pobres, por estatuto sócio-económico
Os reformados constituem 56,1% das famílias que, no nosso país,
vivem em pobreza.
12
Tabela
III
ESTATUTO |
%
|
Empregado
c/ profissão civil |
37,3
|
Membro
das Forças Armadas |
0,6
|
Desempregado
(1º emprego) |
0
|
Desempregado
(outro emprego) |
1,7
|
Domésticas |
2,8
|
Reformado |
56,1
|
Deficientes |
0,9
|
Outros |
0,3
|
Total |
100
|
(Fonte:
INE, 1990 - Portugal)
Sendo as
baixas reformas um factor major justificativo da condição
de pobreza em que vivem alguns idosos, não é certamente
o único. O modo como a sociedade se tem vindo a organizar, na sua
cultura dominante direccionada para a juventude, criou uma barreira à
simples condição de se ter mais de 65 anos de idade.
6
Famílias pobres, por estatuto sócio - económico
Os reformados, tal como se verificou em Portugal, continuam ser responsáveis
pela maioria das famílias pobres da União Europeia.
13
Tabela
IV
ESTATUTO |
%
|
Trabalhador
por conta própria |
32,6
|
Trabalhador
por conta de outro |
16,4
|
Domésticas |
2,7
|
Desempregados |
1,8
|
Estudantes |
0,1
|
Reformados |
35,6
|
Outros |
4,0
|
Faltam |
6,8
|
Total |
100
|
(Fonte:
EUROSTAT, 1993)
7
Repercussões
O elevado risco de pobreza e o isolamento a que muitos idosos estão
sujeitos podem levar à sua consequência mais extrema: a exclusão.
A exclusão verifica-se a nível:
- Familiar - abandonado o modelo de família alargada, em que conviviam
três gerações, passou-se ao da família nuclear,
composta de duas gerações. Os mais velhos ficaram excluídos.
- Social - retirado do que a actual sociedade considera vital, a produção,
e marcado de uma desvalorização social, a protecção,
que mesmo sem relação com a pobreza, confere ao mais velho
uma imagem social de marginalidade.
Tem-se assistido a um incremento de formas de lazer para idosos: "centros
de dia ", "colónias de férias ", "turismo
sénior", "passeios para idosos", "universidade
para a 3ª idade". Estas formas de lazer poderão atenuar
a solidão, mas podem contribuir para agravar a sua desintegração
do resto da sociedade.
8
Possibilidades
de intervenção em Medicina Familiar
O envelhecimento prepara-se ao longo da vida. Aceitando que este é
um processo individual em que a idade cronológica pode nada ter
a ver com a idade biológica, coloca-se-nos a questão de
como conseguir um envelhecimento de sucesso. O Médico de Família
pode intervir num envelhecimento bem sucedido:
- contribuindo para um desenvolvimento harmonioso na infância e
na adolescência de cada indivíduo;
- actuando preventivamente junto do adulto jovem e de meia-idade para
o desenvolvimento físico, intelectual e social;
- ajudando à reabilitação nos casos de incapacidade;
- levando a reforçar as atitudes e comportamentos positivos perante
as incapacidades ou dependências.
O grande objectivo da Medicina Familiar perante o utente idoso, será
o aumento da Esperança de Vida Activa, pelo que devemos ter sempre
presente que um envelhecimento, para ter sucesso necessita que:
- se mantenha a auto estima;
- se assegure a manutenção da autonomia nas actividades
físicas e intelectuais;
- se contribua para assegurar a vida num ambiente de bem estar, com estabilidade
sócio-económica e social.
As estratégias a adoptar junto dos idosos, para a manutenção
da saúde, são:
- efectuar exames clínicos periódicos que visem avaliar,
as condições físicas, psicológicas, afectivas
e sociais;
- controlar de doenças crónicas já existentes;
- ensinar sobre um estilo de vida saudável.
O Médico de Família que presta assistência ao idoso
deve estar informado dos recursos familiares e sociais existentes ao dispor,
assumindo um papel activo na sua utilização. Assim, deve
influenciar:
- alterações ao meio físico (escadas, rampas, etc.);
- apoio ao domicílio (alimentação, limpezas, etc.)
- contactos sociais (actividades de lazer, amigos, telefone de apoio)
- manutenção de necessidades básicas (alimentos,
económica).
Apesar das
necessidades individuais dos idosos estarem identificadas pelo Médico
de Família, não significa que os problemas sejam resolvidos.
Para tal é necessário a intervenção de equipas
multiprofissionais de que poucas vezes se dispõe. Cabe ao Médico
de Família, pela sua posição privilegiada junto do
utente
idoso, dar o primeiro passo para lhe minorar o sofrimento.
14
Bibliografia
"65 e mais anos, os números em Portugal".
Ministério da Solidariedade e Segurança Social - 1995.
"Effets pervers et ordre social" - Boudon, Raymond - PUF - 1989.
"Responsabilidade Familiar Pelos Dependentes Idosos nos Países
da CE" - Ed. Conselho Económico e Social - Lisboa, 1995.
"Superar as Desigualdades". Fundação Europeia
para a Melhoria das condições de vida e de trabalho, 1997.
Barreto, António. "A situação Social em Portugal" - 1960 - 1995 - ICS.
Carrageta, Manuel; Pádua, Fernando. "Geriatria Clínica" - FML, 1991.
Costa, A Bruto. "The Paradox of Poverty - Portugal" - pág.
213.
Costa, A Bruto. "Pobres Idosos"- Estudos Demográficos
, 31, INE - 1993.
Costa, A Bruto. "Exclusões Sociais" - Ed. Gradiva,
Cadernos democráticos, Fundação Mário Soares.
1998.
Cuturello, Paul. " Transformation de la famille et habitat "
- PUF - 1988.
Fernandes, Ana Alexandra. " Velhice e Sociedade " - Ed. Celta
- 1997.
Jean, Duvignaud. "A Solidariedade, Laços de Sangue e Laços
de Razão" -Instituto Piaget - 1997.
Nazareth, Manuel. " Introdução à Demografia
" - Ed. Fundamentos - 1996.
Rosa, Mª João. "O desafio social do envelhecimento demográfico", Análise Social, Vol. XXVIII ( 122 ) (3º) - 1993.
Xiberras, Martine. "As Teorias da Exclusão" - Instituto
Piaget - 1997.
|