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Parte II – Promoção e protecção da saúde nas diferentes fases de vida
2.9. Doente terminal

103. Cuidados paliativos

Maria A. Abrunhosa

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Neto, Isabel G.


"Os que sofrem não podem esperar "
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Introdução
Os Cuidados Paliativos são geralmente referidos aos cuidados prestados a alguém com doença activa e progressiva que já não responde ao tratamento curativo e cuja morte é de esperar ocorrer num período relativamente curto.

A Medicina Paliativa, segundo a OMS, tem os seguintes objectivos:
- Reafirma a importância da vida, considerando a morte como um processo natural;
- Não adia nem acelera a morte;
- Proporciona o controlo da dor e outros sintomas;
- Integra os problemas psicológicos, sociais e espirituais no tratamento do doente proporcionando a melhor qualidade de vida possível para o doente e família;
- Oferece um sistema de apoio para ajudar os doentes a viver tão activamente quanto possível até à morte;
- Oferece um sistema de suporte para ajudar a família a lidar com a doença e luto.
Os Cuidados Paliativos envolvem uma equipa multidisciplinar constituída idealmente por Médico, Enfermeira, Assistente Social, Psicólogo e outros terapeutas, Assistente Religioso, Voluntariado e a própria Família.
A actuação desta Equipa assentará sobre 3 pilares fundamentais: a comunicação, boas medidas de suporte ao doente e apoio à família.
O médico de família tem aqui uma posição ideal (única) no tratamento do doente terminal, dado que pode oferecer cuidados globais necessários à promoção da qualidade de vida do doente e sua família.

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Quadro I

Doenças mais frequentes em Cuidados Paliativos
Cancro
Doenças degenerativas do SNC
Cirrose hepática
Doença pulmonar crónica obstrutiva
Insuficiência cardíaca congestiva
Insuficiência renal crónica
Arteriosclerose (HTA, miocardiopatias, diabetes, senilidade
Demência
SIDA

O doente deve ser encarado no seu todo, devendo ser considerados os aspectos psicológicos, sociais e espirituais; é também fundamental um correcto controlo dos sintomas. Torna-se necessário, assim, conhecer as principais regras de prescrição em Cuidados Paliativos.
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Princípios gerais do uso de fármacos
- Fazer o diagnóstico correcto da causa do sintoma;
- Individualizar e simplificar o tratamento;
- Adquirir uma boa experiência com um número limitado de fármacos;
- Conhecer bem a farmacocinética e farmacodinâmica dos fármacos;
- Ajustar as doses e vias de administração de acordo com as necessidades do doente;
- Privilegiar a via oral pois torna o doente mais independente e permite a terapêutica no domicílio;
- No tratamento da dor, administrar os analgésicos a intervalos regulares de maneira a promoverem uma analgesia constante;
- Contar com uma variabilidade na resposta ao fármaco de acordo com a idade, interacções medicamentosas e doenças associadas (função hepática e renal);
- Prevenir e tratar os efeitos colaterais.
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Princípios gerais do tratamento dos sintomas
- Identificar todos os sintomas e dar prioridade de tratamento de acordo com a importância que têm para o doente;
- Prevenir o seu (re)aparecimento;
- Dispensar unicamente os cuidados dos quais se esperam obter benefícios para o doente;
- Proporcionar eficácia e que esta seja o mais rápido possível;
- Limitar o tempo necessário à administração dos cuidados e tratamentos;
- Verificar que o tratamento é eficaz;
- Evitar os tratamentos instrumentais desagradáveis
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Dor crónica
Segundo a OMS, “a ausência de dor deve ser um direito de todo o doente com cancro e o acesso ao tratamento contra a dor como uma manifestação de respeito a esse direito”.
O tratamento da dor deve contemplar o conceito de Dor Total em todos os seus aspectos – físico, psíquico, social e espiritual – e associar uma analgesia adequada com uns bons cuidados complementares. Só assim se pode melhorar de forma significativa a qualidade de vida do doente.
A eleição de um fármaco específico, depende da identificação do(s) tipo(s) de dor ou da síndroma dolorosa. Devem-se seguir as recomendações da OMS para a terapêutica escalonada, utilizando a escada analgésica. Com a correcta utilização desta escada é possível proporcionar o alívio da dor em cerca de 60 - 80% dos doentes (capítulo 491)
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Sintomas digestivos
Anorexia

A anorexia é um sintoma quase inevitável em Cuidados Paliativos sendo a sua prevalência de 67% a 92%.
“Embora a dor não controlada seja a principal queixa de muitos doentes, a preocupação fundamental para a família é frequentemente o pouco que eles comem” (Rakel).
Deve-se explicar à família que o doente tem menor gasto energético e portanto, menor necessidade de aporte alimentar.

1. Etiologia

- Estimulação do centro da saciedade por metabolitos do cancro: factores de necrose tumoral, citokinas, interleucina;
- Alterações do gosto e do olfacto associados ao cancro;
- Dor e desconforto físico, náuseas, vómitos e alterações da cavidade oral (candidíase, xerostomia);
- Alterações do esvaziamento gástrico e do peristaltismo intestinal;obstipação;
- Depressão e ansiedade;
- Terapêutica anti-cancerosa: quimio ou radioterapia. 
2. Tratamento sem medicamentos
Segundo Rapin e Colaboradores, 95% dos doentes em fase terminal podem alimentar-se até à véspera da morte. A apresentação das refeições parece ter um grande papel na estimulação dos sentidos do doente. 
Podemos socorrer-nos de alguns conselhos práticos e simples no sentido de minorar esta situação: 
- Ensinar a família a preparar as refeições: leves e pequenas, bem apresentadas, fáceis de engolir, atendendo aos menus preferidos; não deverá haver rigidez de horários e o ambiente e convívio amenos tanto quanto possível;
- Assegurar uma boa qualidade dos cuidados de boca;
- Permitir a ingestão de pequenas quantidades de vinho às refeições (quando não contra-indicado) dado que o mesmo poderá estimular o apetite.
A alimentação entérica (gastrostomia ou jejunostomia) poderá ser útil nos doentes com tumores da cabeça ou pescoço e neoplasia avançada do esófago e que tenham apetite, dado que proporciona maior conforto relativamente à entubação nasogástrica.
A alimentação parentérica não traz benefício demonstrado, é de alto custo e pouco praticável no domicílio.
Devemos pois, reservar a nutrição artificial para os doentes que a tolerem e para os quais se espera uma melhoria da sua qualidade de vida. Em estadios mais avançados e se se decide por uma rehidratação, deve-se privilegiar a perfusão subcutânea (hipodermoclise).
3. Tratamento com medicamentos
Alguns estudos sugerem que sintomas como a anorexia e a astenia em doentes com cancro poderiam ser aliviados com a administração de corticosteroides (prednisolona e dexametasona em tratamentos de curta duração), aumentando-lhes a sensação de bem-estar.
A eficácia da ciproheptadina não está comprovada, não parecendo evitar a perda progressiva de peso nestes doentes.
Os progestativos (medroxiprogesterona e acetato de megestrol) têm acção anabolisante comprovada mas necessitam de várias semanas para se fazer sentir o seu efeito. O acetato de megestrol, utilizado no tratamento do cancro da mama, é muito caro.
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Alterações da cavidade oral
A secura da boca ocorre em cerca de 80% dos doentes, contribuindo para a anorexia, náuseas, vómitos, e perturbações da alimentação.
As suas principais causas são:
- Poucos cuidados de higiene oral
- Desidratação, hábito de respirar pela boca, administração de oxigénio
- Irradiação da cabeça e pescoço
- Administração de fármacos que provocam xerostomia: anticolinergicos, citostáticos, opiáceos.
- Infecções (candidíase, herpes), ulcerações
1. Tratamento sem medicamentos
Consiste essencialmente na manutenção de uma boa higiene oral com lavagem regular dos dentes, desinfecção das próteses dentárias e uso de desinfectantes locais. 
Poderá recorrer-se à utilização de palhinha ou outros utensílios para ingestão de líquidos quando há dificuldades de alimentação. 
A administração de cubos de gelo ou utilização de humidificadores e nebulizadores permite evitar a hidratação terminal por perfusão (a boca tem uma capacidade de absorção considerável).
2. Tratamento com medicamentos
A candidíase oral pode ser tratada com miconazol em gel, nistatina, ketoconazol ou fluconazol; as infecções herpéticas com aciclovir; as infecções bacterianas com tetraciclinas.
Na dor na boca utilizar geleia de xilocaína a 2% antes da ingestão de alimentos ou quando necessário.
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Náuseas e vómitos
As náuseas estão presentes em cerca de 40 a 70% dos doentes com cancro terminal, e os vómitos em menos de 30%.

1. Etiologia
As causas dos vómitos são múltiplas e frequentemente associadas (Quadro II):

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Quadro II

Causas de vómitos
Gastrointestinal má higiene oral e infecções da cavidade oral (candidíase, herpes);
alterações do paladar (quimioterapia);
obstruções esofágicas;
estase gástrica (ascite, hepatomegalia, opioides e anticolinérgicos); gastrite (AINES, refluxo biliar),obstrução intestinal, hiperalimentação (quando o doente tem uma sonda nasogástrica ou uma gastrostomia,
Hipertensão intracraniana metástases cerebrais, edema cerebral, infecções cerebrais (SIDA)
Metabólica uremia , hipercalcemia , toxinas tumorais.
Induzido por fármacos antibióticos, digoxina, AINES , morfina, anticonvulsivantes
Quimioterapia  
Radioterapia  
Ansiedade  

2. Tratamento sem medicamentos
Uma boa higiene oral, cuidados alimentares adequados e a prevenção dos maus odores do corpo, poderão, por si só, atenuar algum mal-estar.
3. Tratamento com medicamentos
A terapêutica depende do diagnóstico correcto da causa, da procura de uma causa reversível (ex: hipercalcémia), da escolha apropriada do antiemético e da via de administração (subcutânea ou rectal se a via oral não está acessivel) (Quadro III). Devido à natureza multifactorial dos vómitos, torna-se por vezes necessário associar anti-eméticos. No entanto não se deve associar antieméticos da mesma classe.

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Quadro III

Terapêutica medicamentosa dos vómitos
FÁRMACO INDICAÇÃO
Anticolinérgicos
. Bromidrato de escopolamina
. Butilescopolamina
. excesso de secreções
. obstrução intestinal
. hipertensão intracraniana
. irritação peritoneal
Fenotiazinas
. clorpromazina
. levomepromazina
. causas metabólicas, opiáceos
. obstrução intestinal
Butirofenonas
. haloperidol
. irritação peritoneal, obstrução intestinal,
. causas metabólicas, opiáceos
. causas farmacológicas (opiaceos, anticonvulsivos)
Anti- histamínicos H1
. prometazina
. hidroxizina
. irritação peritoneal
. obstrução intestinal
. hipertensão intracraniana
. causas vestibulares
Gastrocinéticos
. domperidona
. metoclopramida
. quimioterapia, opiáceos
. estase gástrica
. ileum
Antagonistas 5HT3
. ondansetron
. quimioterapia
. radioterapia
Outras
. corticoides- dexametasona
. hipertensão intracraniana
. quimioterapia, radioterapia
. benzodiazepinas . ansiedade, medo, agitação
. ibuprofen . radioterapia
. inibidores H2, misoprostol, omeprezole . gastrite induzida por AINES
. bifosfonatos . hipercalcémia


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Disfagia
Presente em cerca de 12 a 23% dos doentes com cancro terminal.

1. Etiologia

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Quadro IV

Causas de disfagia

Causada por cancro massa tumoral da boca, faringe ou esófago, compressão externa (ex:massa mediastínica) ou disfunção neuro-muscular
Associada ao cancro boca seca, infecções por Candida ou bactérias¸, ansiedade causando espasmo esofágico, fraqueza extrema (doente moribundo), hipercalcémia (rara)
Causada pelo tratamento pós-cirurgia lingual ou bucal, fibrose pós-radiação, deslocação de tubo endo-esofágico, reacção distónica de alguns fármacos (neurolépticos, metoclopramida), acção irritante de certos fármacos (AINES).

2. Tratamento sem medicamentos
Aconselhar dieta mole (purés, souflés, cremes), refeições pequenas e frequentes, evitar alimentos muito frios ou quentes, utilizar suplementos dietéticos em batidos, promover uma postura adequada à melhor deglutição assim como recorrer a utensílios que ajudem à deglutição.
3. Tratamento com medicamentos
É essencial a revisão da terapêutica farmacológica que possa ser causa da disfagia.
A dexametasona pode ser útil na compressão esofágica extrínseca reduzindo o edema. 
Recorrer a fármacos:
- antifúngicos: nistatina ou fluconazol;
- antibióticos: tetraciclinas, metronidazol ou flucloxaciclina no caso de infecção dos tecidos moles da cabeça e pescoço; 
- antiácidos ou sucralfato em suspensão se houver esofagite;
- anestésicos tópicos ou AINES tópicos via oral e eventualmente a administração de analgésicos centrais se houver dor.
Nas situações em que o doente não consegue engolir a saliva pode ser necessário reduzir a sua produção através da administração de anticolinérgicos ou da irradiação das glândulas salivares.
O tratamento farmacológico associado a medidas gerais e aconselhamento dietético permite melhorar a disfagia em cerca de 60% dos casos. Contudo, há situações que necessitam de referenciação para realização de radioterapia, colocação de tubo endotraqueal ou gastrostomia.
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Soluços
A incidência é desconhecida e em cerca de 80% dos casos afecta o sexo masculino.
1. Etiologia
Principais causas: lesões afectando o nervo frénico, distensão gástrica, pancreatite, problemas sistémicos (uremia, pneumonia, peritonite), metástases hepáticas, distensão vesical, tumores intracranianos e psicogénica.
2. Tratamento sem medicamentos
Existem manobras simples que envolvem a estimulação faríngea directa ou indirecta e que podem ser realizadas numa primeira abordagem: massagem do palato mole com uma cotonete ou uma espátula, estimulação da faringe com uma sonda ou cateter (via nasal), engolir em seco uma colher de açúcar granulado ou beber rapidamente dois copos de água para afectar o tono vagal;
3. Tratamento com medicamentos
Quando nenhuma das manobras anteriores resulta, pode-se tentar o uso de diversos fármacos, muito embora de eficácia não demonstrada: metoclopramida, clorpromazina, nifedipina, haloperidol, baclofeno. 
Os anticonvulsivantes podem ser úteis no caso de irritação por tumor central e o midazolam quando o doente está na fase terminal.
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Diarreia
Presente em 7 a 10% dos doentes com cancro terminal e em 27% dos doentes com SIDA.
1. Etiologia
Em cuidados paliativos, as causas de diarreia são múltiplas (Quadro V):

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Quadro V

Causas de diarreia

Falsas diarreias (por obstrução parcial) - Fecaloma
- Tumores intestinais altos
- "Sindrome do intestino narcótico".
Diarreia iatrogénica - Laxantes, citostáticos, AINES, ferro, antibióticos
Pós radioterapia abdominal ou pélvica - Tumores abdominais ou pélvicos
Por malabsorção - Ressecção gástrica ou intestinal
- Cancro do pâncreas (esteatorreia)
Tumoral - Tumores carcinoides (grandes produtores de muco)
- Tumor rectal ou do sigmoide inferior com produção de muco e sangue
Infecciosa  


Importa excluir a incontinência anal.
2. Tratamento sem medicamentos
É importante, para além das medidas dietéticas, a protecção da região peri-anal com óxido de zinco enquanto o doente tiver diarreia, para prevenir a lesão cutânea.
3. Tratamento com medicamentos
Sempre que possível deve-se tratar a causa e rever a terapêutica instituída.
A administração de enzimas pancreáticas gastroresistentes na esteatorreia, de colestiramina na resseção ileal, a extracção manual de um fecaloma ou a radioterapia de um tumor pélvico, são medidas especificas que poderão tratar algumas destas diarreias.
Contudo, por vezes temos de recorrer a terapêuticas antidiarreicas como os agentes adsorventes à base de alumínio ou os opiáceos (loperamida, difenoxilato, codeína ou morfina) que reduzem a motilidade intestinal e aumentam o tónus anal. A loperamida parece ser o antidiarreico opioide de eleição em medicina paliativa pois é mais potente que a codeina e difenoxilato e tem menos efeitos adversos que estes.
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Obstipação
Presente em cerca de 50% dos doentes com doença terminal.
1. Etiologia
As causas da obstipação são variadas (Quadro VI):

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Quadro VI
Causas de obstipação
Directamente ligada ao tumor - Obstrução intestinal (tumor da parede intestinal ou compressão externa por tumor pélvico ou abdominal)
- Lesões neurológicas a nível da espinal medula ou plexus pélvicos
- Hipercalcémia (metásteses ósseas);
Devido aos efeitos secundários da doença - Ingestão deficiente de alimentos (fibras e líquidos),
- Fraqueza e inactividade
- Confusão e depressão
Devido ao efeito obstipante de certos fármacos - Opiáceos
- Drogas com marcado efeito anticolinérgico (hioscina, fenotiazinas, antidepressivos tricíclico, antiparkinsónicos...),
- Antiácidos, diuréticos, anticonvulsivantes, ferro, antihipertensores;
Devida à presença frequente de doenças concomitantes metabólicas ou do aparelho digestivo  

2. Tratamento sem medicamentos
A prevenção da obstipação deve ser feita por meio de:
- Controlo dos sintomas gerais 
- Ingestão adequada de líquidos e fibras (vegetais e frutos secos, farelos)
- Encorajamento da actividade física 
- Antecipação do efeito obstipante de certos fármacos (uso de laxantes) 
3. Tratamento com medicamentos
Antes de qualquer atitude medicamentosa, excluir a oclusão intestinal e o fecaloma. 
O uso de laxantes orais deve ser feito de acordo com as características da obstipação: 
- caso as fezes sejam moles administrar estimulantes do peristaltismo (bisacodil, picossulfato de sódio e sene)
- caso as mesmas sejam duras recorrer aos amolecedores (lactulose). 
Por vezes é necessário a combinação dos dois tipos de fármacos.
O uso se laxantes rectais (microenemas) torna-se útil nos fecalomas e como terapêutica de 2ª linha da obstipação.
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Oclusão intestinal
A incidência é desconhecida. A principal causa de oclusão é o carcinoma do ovário (25 a 42%) seguido dos cancros colorectais.
1. Etiologia
A oclusão intestinal pode ocorrer:
- por obstrução do lúmen (tumor intrínseco) ou compressão extrínseca (tumor abdominal, pélvico ou aderências);
- por alterações da motilidade ou “pseudo obstrução” de origem tumoral, neuropática, devido ao efeito obstipante de fármacos ou a fadiga muscular.
2. Sintomas e diagnóstico
Na oclusão por estenose alta, surgem vómitos e náuseas frequentes. A dor, intensa e intermitente, é aliviada pelo vómito. Contudo, esta situação obriga à administração de soros E.V., à intubação nasogástrica ou à realização de uma Gastrostomia / Jejunostomia (estes procedimentos são mais bem tolerados que a intubação nasogástrica).
Na oclusão por estenose baixa os vómitos, fecaloides, são pouco frequentes (1-2 x/dia), não há náusea, a dor é contínua e há distensão abdominal marcada. Esta situação permite a alimentação oral através de pequenas refeições sem resíduos dado que está conservada uma razoável capacidade de absorção proximal.
Se tal medida não for o suficiente para controlar sobretudo a sede, pode recorrer-se à hipodermoclise (hidratação por perfusão subcutânea na parede abdominal).
A radiografia abdominal simples de pé permite fazer o diagnóstico entre oclusão do intestino delgado e do cólon.
3. Tratamento cirúrgico é o tratamento de primeira linha, devendo contudo ser bem ponderado. Para além de uma alta mortalidade operatória, as complicações pós-operatórias são frequentes. São factores de mau prognóstico a presença de ascite ou massa abdominal palpável, a realização prévia de radioterapia ou quimioterapia, a idade frequentemente avançada destes doentes e o mau estado geral em que alguns se apresentam.
4. Tratamento com medicamentos
Sempre que a cirurgia não esteja indicada, o tratamento farmacológico pode proporcionar o alívio dos sintomas a um número considerável de doentes. 
É possível o alívio da dor tipo cólica em cerca de 69% dos doentes, ficando os restantes 31% com dor ligeira. Na tríada “cólica abdominal + vómitos + dor abdominal contínua”, a administração contínua por perfusão subcutânea ou por seringa perfusora de um analgésico (morfina) associado a um antiemético (haloperidol) e a um antiespasmódico/anticolinérgico (butilescopolamina) proporciona um razoável controlo da situação.
Os emolientes fecais e antiespasmódicos podem ser úteis nos períodos de suboclusão.
Não é recomendável administrar fármacos que aumentem o peristaltismo como ao laxantes, a metoclopramida ou outros gastrocinéticos quando há cólicas intestinais.
Os corticosteróides podem igualmente ter a sua indicação dado o seu efeito anti-inflamatório poder reduzir o edema peri tumoral, e permitir alguma permeabilidade intestinal.
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Sintomas respiratórios
No doente terminal as perturbações respiratórias são numerosas e quase sempre presentes num momento ou outro da doença.
Tosse
Ocorre em 29 a 83% dos doentes com cancro avançado. É vista pelo doente e família como doença em actividade que pode assustar quando acompanhada de dor, dispneia e hemoptise.
1. Etiologia 
A tosse pode ocorrer essencialmente por:
- Infecção respiratória, asma ou DPOC;
- Obstrução ou distorção brônquica pelo tumor, excesso de mucosidades, sangue ou expectoração infectada presente no Carcinoma de Pulmão, metástases pulmonares, fístulas;
- Indução por fármacos como os IECA e alguns inaladores (brometo de ipatropium, cromoglicato);
- Refluxo esofágico (tosse nocturna);
- Aspiração da saliva presente na doença do neurónio motor ou na esclerose múltipla;
- Derrame pleural ou pericárdico;
- Insuficiência cardíaca.
2. Tratamento com medicamentos
Assim como na dispneia, deve-se procurar, sempre que possível, o tratamento etiológico (Quadro VII).

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Quadro VII

Tratamento da tosse com base na sua etiologia
Patologia Tratamento
Infecção respiratória - antibióticos, supressores de tosse, expectorantes, fisioterapia, nebulização salina
Asma e DPOC - broncodilatadores, corticosteroides, fisioterapia
Obstrução maligna - corticosteroides, supressores da tosse, nebulização com anestésicos locais, radioterapia
Induzida por fármacos - mudança de fármaco
Refluxo esofágico - elevar a cabeceira da cama, fármacos anti-refluxo
Aspiração de saliva - agentes anticolinérgicos, nebulização com anestésicos locais
Derrame pleural - drenagem, decúbito lateral para o lado do derrame
Insuficiência cardíaca - digoxina , diuréticos, IECA

As medidas sintomáticas incluem o recurso aos supressores da tosse:
- Linctus simples na tosse ligeira por irritação faríngea;
- Administração de opioides dado serem antitússicos mais potentes. A morfina torna-se útil se houver dor ou dispneia associada, caso contrário a codeína é a indicada;
- Os anestésicos locais em nebulização (lidocaína ou bupivacaína), diminuindo a sensação de tosse, estão indicados nos tumores endobrônquicos, na irritação faríngea por infecção e doença do neurónio motor. Ter atenção ao perigo de broncospasmo e de aspiração de alimentos por perda do reflexo da deglutição: após a sua administração obriga a pelo menos uma hora sem comer nem beber. 
Outras medidas sintomáticas incluem a nebulização salina com ou sem broncodilatadores, o recurso à cinesiterapia respiratória e o posicionamento do doente para reduzir o risco se aspiração.
Na fase terminal evitar fluidificantes e/ou medidas destinadas a aumentar a expectoração dado que estes doentes já têm grande dificuldade em expulsar as secreções brônquicas.
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Dispneia
Presente em 30 a 74% de doentes com cancro avançado. É uma sensação particularmente penosa para o doente e para os que o rodeiam.
1. Etiologia
É importante procurar a causa pois muitas vezes um tratamento específico pode ser proposto e melhorar o conforto do doente (Quadro VIII).

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Quadro VIII

Etiologia da dispneia
Base anatómica  Quadro clinico
Pulmonar  Obstrutiva: obstrução brônquica intrínseca ou extrínseca, DPOC
Restritiva: pneumonia, embolia, derrame pleural, linfangite carcinomatosa
Cardíaca  insuficiência cardíaca, derrame pericárdico, sindroma veia cava superior
Neuromuscular  doença do neurónio motor; fadiga muscular, caquexia
Hematológica  anemia
Psicológica  hiperventilação (ansiedade)

A realização de exames auxiliares de diagnóstico só está indicada se por este meio se puder actuar, com benefícios, sobre a causa da dispneia. 
2. Quadros clínicos específicos que, embora raros, exigem referência hospitalar
A Síndroma da veia cava superior pode aparecer no carcinoma do pulmão (75%), no Linfoma (15%) ou no carcinoma da mama (7%). O quadro surge como uma dispneia de início agudo, associada a edema da parte superior do corpo devido a compressão extrínseca da veia cava superior. Pode evoluir para uma microembolia pulmonar. Trata-se de uma emergência e uma única dose de radioterapia e/ou corticosteroides em altas doses podem salvar o doente.
O Derrame Pleural unilateral (neoplasia, embolia, pneumonia) ou bilateral (insuficiência cardíaca, linfangite carcinomatosa), quando sintomático, tem indicação para fazer drenagem ou, nas formas recorrentes, utilizar agentes esclerosantes.
O Derrame pericárdico, por invasão ou irritação tumoral, cursa com dispneia muito grave. Trata-se por drenagem, podendo-se criar uma janela pericárdica cirúrgica nas recorrências.
Na Obstrução brônquica, quando devida a tumor endobrônquico, a dispneia pode melhorar com uma única dose de radioterapia e/ou dexametasona em altas doses.
A Linfangite carcinomatosa é um quadro muito semelhante à insuficiência cardíaca e, portanto, difícil de diagnosticar. Cursa com dispneia grave em repouso e tosse. É resultante da obstrução maligna linfática pulmonar das metástases dos carcinomas de Pulmão, Mama, Próstata e Gastrointestinal. O tratamento, quando possível, baseia-se na realização de radioterapia / quimioterapia paliativa ou administração de altas doses de corticóides associados aos opiáceos, ansiolíticos e oxigenoterapia.
3. Tratamento com medicamentos
Abrir uma janela, colocar uma ventoinha ou posicionar o doente semi-sentado na cama podem, por si só, proporcionar algum alívio. Contudo, na maioria dos casos e sempre que possível, devemos tratar a causa, procurando o alívio do sintoma. Na falência das medidas específicas podemos ter de recorrer aos sedativos respiratórios, isto é, fármacos que reduzem a sensação de dispneia, alguns reduzindo também a ventilação (Quadro IX).

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Quadro IX

Tratamento medicamentoso da dispneia
Sedativos Respiratórios
Opióides Não opióides
Morfina
Dihidrocodeína
Benzodiazepinas: lorazepam, diazepam, midazolam
Fenotiazinas: prometazina
Butirofenonas: haloperidol
Anticolinérgicos: escopolamina

O lorazepam pode ser administrado por via sub-lingual e tem uma acção rápida. O diazepam tem uma acção miorelaxante e ansiolítica, sendo usado por qualquer via. O midazolam pode ser útil em episódios de dispneia severa aguda, especialmente se houver ansiedade marcada. Nestes casos a via de administração deverá ser a subcutânea ou em perfusão. Esta última permite que se faça a sua interrupção para o doente estar acordado na hora das visitas, se for desejo do mesmo.
A morfina diminui a sensação de falta de ar e a frequência respiratória. É de eleição na fase terminal. A associação diazepam + morfina permite aliviar a maior parte dos doentes hipoxémicos sem alteração do seu estado de consciência.
A escopolamina, sendo um anticolinérgico, promove o relaxamento das fibras musculares lisas e a diminuição das secreções brônquicas, podendo deste modo aliviar a dispneia quando associada a secreções abundantes.
Actualmente a oxigenoterapia é bastante controversa segundo as diversas escolas, não estando comprovada a sua eficácia nestes doentes. O seu uso torna-se pois facultativo e empírico.
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Hemoptises
É das situações que mais assustam o doente e familiares. Presente em cerca de 47 a 70% dos doentes com cancro do pulmão, é causa de morte só em cerca de 7% dos casos. Evitar o uso de toalhas claras para não assustar o doente.
1. Tratamento
Referenciar o doente pode ser útil dado que a utilização de agentes hemostáticos, a radioterapia ou a laserterapia pode, nalguns casos, controlar a situação.
Nas Hemorragias massivas (>200ml/24h) a administração de um opiáceo forte EV, IM ou em perfusão e/ou do midazolam ou diazepam EV, rectal ou em perfusão reduzem a angústia e medo sedando o doente.
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Anemia
É um problema comum no cancro avançado, podendo produzir sintomas significativos reversíveis como fatigabilidade fácil, redução da acuidade mental, dispneia, hipotensão postural, edema, anorexia, cefaleias ou até a exacerbação de uma angina.
Etiologia e tratamento
Neste grupo de doentes, as principais causas, entre outras, são (Quadro X):

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Quadro X
Etiologia e tratamento da anemia
Anemia da doença crónica habitualmente não responde à terapêutica com ferro, tornando necessária a transfusão sanguínea quando sintomática.
Hemorragia aguda ou crónica será ideal controlar a hemorragia se tal for possível, ou recorrer à administração de ferro e eventualmente à transfusão.
Insuficiência medular causada pela quimioterapia, radioterapia ou por metástases ósseas;
a transfusão preventiva cada 3 ou 4 semanas pode ser útil dado que estes doentes perdem cerca de 1gr de hemoglobina por semana.
Desnutrição  quer por deficit de ácido fólico (quimioterapia ou deficit alimentar), por deficit de ferro (hemorragia ou deficit alimentar) ou deficit de B12 (doença hepática).
Hemólise crónica por hiperesplenismo ou por hemólise auto-imune cuja terapêutica se baseia na administração de corticosteróides.

Com excepção de algumas situações particulares como a insuficiência medular, a indicação para transfundir deve ser a existência de sintomas atribuíveis à anemia e não um nível arbitrário de hemoglobina. Não tem interesse na fase terminal dado não trazer qualquer benefício para o doente. Sintomas que possam surgir nesta altura, mesmo que atribuíveis à anemia, podem ser controlados com os opiáceos promovendo uma sedação e diminuição de uma eventual dispneia.
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Perturbações cutâneas
Escaras
O principal tratamento é o preventivo. Baseia-se:
- na avaliação do risco de escaras tendo em conta a imobilidade, incontinência, estado de desnutrição e estado de consciência do doente;
- na manutenção da integridade da pele, mantendo-a limpa e hidratada;
- nas mudanças frequentes de posição e uso de colchões anti-escara. O efeito das massagens regulares sobre as proeminências ósseas é controverso e, segundo o consenso americano, poderão mesmo ter um efeito desfavorável;
- na correcção das deficiências nutricionais,
Quando as escaras estão instaladas, o tratamento consiste:
- na remoção e limpeza dos tecidos necrosados,
- no tratamento da infecção quando esta existe,
- no ajuste da terapêutica analgésica. Se a dor é intensa só no momento dos curativos, a administração de morfina subcutânea antes dos cuidados está indicada, dado que se torna rapidamente eficaz. 
- na manutenção das medidas de prevenção.
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Ulcerações com infecção secundária
Presentes nas recidivas ganglionares ou locais de certos tumores provocam um cheiro nauseabundo (bactérias anaeróbias) que incomoda o doente e os que o rodeiam.
O tratamento, que deve ser “agressivo” para tentar preservar a imagem corporal, consiste na aplicação local de anti sépticos e administração de antibióticos de largo espectro que podem ser associados ao metronidazol, permitindo deste modo eliminar o mau odor em poucos dias.
A referenciação hospitalar pode ser necessária para realização de radioterapia ou quimioterapia paliativas.
Os Cuidados com a higiene em geral proporcionam momentos de contacto físico que dão ao doente bem-estar, estima por si próprio e pelos outros, melhorando a qualidade do pouco que lhe resta para viver.
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Incontinência urinária
Em caso de incontinência urinária, deve-se eliminar a existência de uma infecção. Se esta incontinência é incurável há a necessidade de proceder à recolha da urina de maneira a prevenir as escaras. Esta recolha pode ser feita nos homens com o preservativo urinário ou proceder à algaliação do doente. Os doentes com sonda vesical têm com frequência bacteriúrias crónicas que não se devem tratar desde que assintomáticas.
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Retenção urinária
Podem ser causas de retenção urinária a administração de certos fármacos como os opiáceos, os antiespasmódicos e os antidepressivos tricíclicos, assim como a presença de um fecaloma, de uma hipertrofia benigna da próstata e de compressão tumoral local. Sendo uma situação muito dolorosa e uma urgência, é necessário esvaziar a bexiga por sonda vesical ou mesmo por punção supra púbica. Frequentemente a manutenção de uma algaliação torna-se a única solução a longo prazo. Importa lembrar esta situação no doente que não comunica e que se torna subitamente agitado.
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Alterações do sono
Insónia, sonolência excessiva, alterações do ciclo sono - vigília
1. Etiologia
São causas destas perturbações:
- a depressão e ansiedade
- as alterações metabólicas
- a medicação sedativa em excesso ou pelo contrário, a interrupção de medicação sedativa ou hipnótica
- o efeito secundário de certos fármacos como as metilxantinas, os corticoides ou os anti-depressivos
- a presença de sintomas mal controlados como a dor, vómitos, tosse, dispneia ou prurido.
2. Tratamento sem medicamentos
Promover a higiene do sono através de medidas gerais. 
Evitar as interrupções do sono devido à medicação. No controlo da dor usar uma dose de reforço ao deitar ou utilizar medicação de longa duração de acção. Controlar os sintomas que perturbam o doente.
Não tratar agressivamente a insónia pois alguns doentes têm medo de morrer durante o sono.
3. Tratamento com medicamentos
Baseia-se na administração das benzodiazepinas de preferência de semi-vida curta (triazolam) ou média (temazepam, lorazepam e oxazepam) ou de outros fármacos hipnóticos como o zolpidem.
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Alterações neuropsíquicas
Depressão
Não confundir depressão com tristeza, comum nestes doentes. Depressão severa e suicídio são raros e estão mais ligados a sintomas desagradáveis não controlados ou a sentimentos de medo e revolta.
1. Tratamento com fármacos
Os antidepressivos só têm indicação nas situações de cariz claramente depressivo. Qualquer fármaco antidepressivo pode ser utilizado mas certos autores preferem a amitriptilina ou a paroxetina devido à sua acção como coadjuvante analgésico das disestesias nervosas.
O mais importante é privilegiar a COMUNICAÇÃO.
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Agitação
É normalmente derivada de um sofrimento físico desconhecido, particularmente a dor ou a retenção urinária. Contudo causas como metastização cerebral, hipoxia, sepsis, desidratação, efeitos secundários de fármacos, etc., fazem parte de uma etiologia multifactorial nem sempre possível de abordar e tratar. 
1. Tratamento com medicamentos
Autores há que, em crianças pequenas e em idosos com poucas ou nenhuma capacidade de se manifestarem e em estados de agitação, tentam de início uma terapêutica analgésica e só no caso de insucesso recorrem aos neurolépticos (levomepromazina, haloperidol ou meprobamato) ou às benzodiazepinas (diazepam ou midazolam). 
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Confusão mental
A confusão é seguramente dos sintomas mais difíceis de tratar devido à multiplicidade de causas.
1. Etiologia
A iatrogenia devida à interacção de vários psicotrópicos, analgésicos e anti eméticos é das causas mais frequentes.
Alterações metabólicas como a hipercalcémia, uremia ou hiponatrémia e a sepsis, hipóxia ou o aumento da pressão intracraniana são outras das causas a considerar.
2. Tratamento com medicamentos
Na prática, quando não é possível suprimir a causa, só se tratarão os estados confusionais agitados. Os neurolépticos são os medicamentos de escolha, nomeadamente o haloperidol que pode ser administrado por via subcutânea, a levomepromazina ou o meprobamato. 
Não esquecer que as benzodiazepinas podem agravar o delírio. O midazolam torna-se contudo o fármaco de eleição nos estados confusionais terminais.
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Ansiedade
É um problema comum quer no doente quer na família, pelo que importa o suporte compreensivo de ambos. O envolvimento da família e pessoal de saúde pode ter valor terapêutico, daí a importância de privilegiar a comunicação.
O recurso aos ansiolíticos benzodiazepínicos deve ser cuidadoso para não agravar uma sonolência ou agitação nos doentes mais fragilizados. 
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A fase terminal
Nesta fase o estado do doente não deixa dúvidas de que a morte ocorrerá dentro de poucos dias.
O doente está profundamente fraco e essencialmente acamado, sonolento por períodos extensos, desorientado no tempo e com capacidade de atenção muito limitada. Há um crescente desinteresse em se alimentar e dificuldade em engolir a medicação. 
A via oral continua a ser a via de eleição desde que o doente engula o que acontece com frequência. Se esta via já não está disponível, a via subcutânea passa a ser a via de administração de quase toda a medicação de suporte podendo ainda utilizar-se a via rectal e mais raramente a via endovenosa e a transdérmica (patchs de fentanyl).
O tratamento é em muitos aspectos a continuação do que já vinha a ser feito. É conveniente simplificar a medicação mantendo unicamente as drogas essenciais. Devido ao aparecimento de novos sintomas ou ao agravamento dos já existentes, esta fase exige, da parte do pessoal de saúde, reavaliações e ajustes terapêuticos frequentes e portanto maior disponibilidade. 
Poderá ser lícito, em determinados casos, dar descontinuidade aos tratamentos de enfermagem (escaras ou feridas), sobretudo nos que causam grande sofrimento para o doente.
O conforto passa a ser o objectivo assim como o controlo da dor. Deve-se assegurar ao doente que nada será feito para prolongar o seu sofrimento, que a morte surgirá em paz e que não estará só nesse momento.
Medidas como ressuscitação, respiração assistida, tubos nasogástricos, soros E.V., são inapropriadas para doentes que estão perto da morte e não têm possibilidade de recuperação.
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Hidratação
Muitos doentes nesta fase recebem soros EV, dada a crença de que a desidratação é desconfortável. Sabe-se contudo que um certo grau de desidratação poderá até ser benéfica. Produz um certo grau de analgesia, diminui a produção de secreções pulmonares, e assim, a tosse e a congestão pulmonar. Leva ainda à diminuição do número de micções diminuindo o incómodo para o doente de mudar fraldas ou colocar aparadeiras e ainda à diminuição dos edemas, ascite e vómitos.
A sensação de sede poderá ser aliviada através da administração de pequenas quantidades de água por pipeta ou seringa depositada regularmente na cavidade oral, pelo uso de nebulizadores, ou mesmo dando ao doente a chupar pequenos pedaços de gelo, dado que a mucosa oral mantém uma boa capacidade de absorção da água. 
Nos casos em que hajam sintomas atribuíveis à desidratação como a confusão, há a possibilidade de administração de soros via sub-cutânea. O abdómen tem a capacidade de absorver por esta via cerca de 1 a 1,5 litros de soro por dia devido à grande expansibilidade desta área.
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Dor
Pode ser necessário ajustar a dose do analgésico e optar pela via de administração subcutânea caso o doente já não engula. Esta via torna-se particularmente útil nesta fase e a grande maioria dos fármacos de suporte pode ser administrada deste modo. O controlo da dor mantém-se mesmo que o doente esteja inconsciente, embora se possa reduzir a morfina para ¼ da dose diária habitual. A suspensão brusca de um opióide pode provocar sintomas de abstinência mesmo em doentes inconscientes. Nos doentes a fazerem AINES como terapêutica analgésica para as metástases ósseas, e se a via oral já não está disponível, pode-se fazer a administração de diclofenac ou tenoxicam por via sub-cutânea.
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Estertor
É a respiração ruidosa devido à presença de secreções na orofaringe e traqueia que o doente não consegue expulsar e que caracteriza a agonia. Geralmente esta respiração já não é percebida pelo doente nesta fase, tornando-se mais incomodativa para os familiares.
Pode ser aliviado através da aspiração suave das mesmas se são muito abundantes e pelo posicionamento do doente no leito em decúbito lateral com a cabeça ligeiramente inclinada para a frente. Pode ser ainda prevenido pela administração de anticolinérgicos como o bromidrato de escopolamina ou butilescopolamina (menos sedativa) via subcutânea. A hidratação artificial tende a agravar esta situação.
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Dispneia terminal
É geralmente acompanhada de taquipneia e ansiedade. Dado ser uma situação irreversível, torna-se útil recorrer aos sedativos respiratórios (diazepam, midazolam ou morfina) e proporcionar conforto e afecto.
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Estridor agudo (agonia difícil)
É a sensação de sufocação que ocorre nos casos de hemorragia brutal, embolia pulmonar ou sempre que haja diminuição súbito do calibre das vias aéreas. Como no descrito para as hemoptises, recorre-se à sedação do doente com o diazepam ou o midazolam na via EV se a mesma está disponível, ou às vias rectal, IM ou SC.
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