índice parcial
Parte III - Saúde e ambientes
3.3. Ambiente laboral
120. Insatisfação profissional
Alberto Pinto Hespanhol
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Hespanhol, Alberto P.

1
Conceito
Existem quase tantas definições quantos os autores interessados nesta matéria. Segundo Graça (1999) a Satisfação no trabalho é uma pessoa perceber ou sentir que aquilo que recebe (por ex., dinheiro, segurança no emprego, condições de trabalho, amizade, prestígio, autonomia no trabalho, oportunidade de trabalhar em equipa, tarefas interessantes e estimulantes, reconhecimento profissional, desenvolvimento de uma carreira) é justo ou está de acordo com aquilo que esperava obter (por comparação com outrem na mesma situação e em função dos investimentos feitos na organização onde trabalha).
Embora existam algumas diferenças a nível de conteúdo, todas as definições apresentam características essenciais semelhantes entre si. Dentro dessas características destaca-se o facto da satisfação profissional ser influenciada por forças internas e externas ao ambiente laboral, sofrer alterações com o decorrer do tempo, ou seja, não ser uma situação estática e também não ser um estado unitário mas sim um conjunto de diferentes facetas, algumas das quais provocam mais satisfação ou são mais aceitáveis do que outras.
Por outras palavras, pode-se dizer que numa determinada altura um indivíduo está satisfeito com um ou com outro aspecto particular do seu trabalho.
Podem existir diferenças entre indivíduos de uma mesma actividade laboral em relação à sua satisfação com determinados aspectos profissionais, contudo a investigação pode identificar certas áreas ou padrões comuns de satisfação da maioria dos trabalhadores e assim elaborar e interpretar o perfil de satisfação no trabalho de uma determinada profissão.
2
Investigação
Em Portugal o 1º estudo a ser publicado sobre Satisfação Profissional a nível dos Médicos de Família realizou-se no Centro de Saúde da Amadora (1989), através da aplicação de um questionário auto-preenchido. 
Mais tarde surgem outros três estudos em que aplicaram esse mesmo questionário. Um aos Médicos de Família da Madeira (1990), outro aos do Centro de Saúde de Aldoar (1991) e um outro aos do Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos (1995).
Os principais factores de descontentamento identificados nesses estudos são a baixa responsabilidade/ participação/ retro informação, a falta de autonomia e o sistema retributivo injusto. No estudo da Madeira foi identificado outro factor adicional, a inexistência de trabalho em equipa e no do Colégio da Medicina Geral e Familiar outros dois, a carreira e a relação profissional/ utente.
Cartwright (1967), no Reino Unido, e McCranie (1982), nos Estados Unidos da América, foram pioneiros na investigação da Satisfação Profissional a nível dos Clínicos Gerais. No trabalho de Cartwright os clínicos encontram-se mais satisfeitos com o contacto pessoal com os doentes e com a variedade no trabalho, enquanto que no de McCranie encontram-se mais satisfeitos, por ordem decrescente de satisfação, com: 
- ser respeitado pelos doentes, formação pós-graduada em medicina familiar adequada, relação com os médicos especialistas, trabalho em geral, gabinete médico e recursos humanos adequados.
3
Teorias sobre Satisfação Profissional
Numerosos autores têm apresentado listas de aspectos consideradas desejáveis e indesejáveis para a obtenção de satisfação no trabalho, contudo muito dos pontos de vista contemporâneos nesta matéria devem-se aos trabalhos de Herzberg e de Maslow.
A Teoria da higiene-motivação resulta da análise de um estudo inicial de Herzberg e colaboradores no serviço de Psicologia de Pittsburgh. Este estudo envolveu extensas entrevistas com cerca de 200 engenheiros e contabilistas de onze indústrias diferentes da área de Pittsburgh.
Os entrevistados foram questionados acerca dos aspectos do trabalho que os tornavam satisfeitos e insatisfeitos. Ao analisar os dados dessas entrevistas Herzberg concluiu que as pessoas têm duas categorias diferentes de necessidades, que são essencialmente independentes umas das outras e que afectam de modo diferente o comportamento.
Ele reparou que quando as pessoas estavam insatisfeitas com as suas profissões preocupavam-se com o ambiente em que trabalhavam; por outro lado, quando estavam satisfeitas com as suas profissões isso associava-se ao trabalho em si mesmo.
Assim, Herzberg na sua Teoria da Higiene-motivação (1959) considerou existir dois tipos de factores de trabalho: intrínsecos (factores de motivação, que promovem a satisfação profissional) e extrínsecos (factores higiénicos, que impedem a satisfação profissional). 
Considerou como factores intrínsecos do trabalho a realização de tarefas, o reconhecimento por essa realização, a natureza do próprio trabalho, a responsabilidade envolvida e o crescimento ou o avanço proporcionados.
Considerou como factores extrínsecos do trabalho a política e a administração da companhia, a supervisão, as relações inter-pessoais com o supervisor, os colegas e os subordinados, as condições de trabalho, o salário, o estatuto e a segurança. 
Os factores higiénicos, quando satisfeitos, tendem a eliminar a insatisfação mas pouco motivam o indivíduo para melhorar o desempenho e aumentar a capacidade no trabalho. O realce dos factores de motivação permite contudo ao indivíduo crescer e desenvolver, muitas vezes aumentar as suas próprias capacidades. Assim, os factores higiénicos afectam a boa vontade do indivíduo enquanto que os motivadores afectam a capacidade do indivíduo.
No estudo por nós realizado (1996), aos Médicos de Família da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos inscritos no Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar, as componentes da satisfação profissional que os respondentes ao questionário auto-preenchido declararam provocar mais satisfação eram na sua generalidade factores intrínsecos do trabalho e da área da relação médico-doente, como por exemplo «a possibilidade de você se integrar na comunidade», «procurar ajudar os utentes e compreender os seus próprios problemas», «procurar conhecer os utentes e suas famílias» e «ouvir os problemas dos utentes».
As componentes da satisfação profissional que esses clínicos declararam provocar mais insatisfação eram na sua maioria factores extrínsecos do trabalho e das áreas do contrato de trabalho/ remuneração ou de administração/ gestão, como por exemplo «vencimento», «possibilidade de usar técnicas evoluídas», «o modo como é administrada a sua unidade de saúde», «as possibilidades que tem para ajudar os utentes» e «horas de trabalho».
André Biscaia (1997), no estudo que realizou aos Médicos de Família que trabalhavam em Lisboa no Serviço Nacional de Saúde, chegou às mesmas conclusões: as áreas com mais altas pontuações de satisfação estavam relacionadas com as capacidades intrínsecas dos médicos, enquanto que as pontuações mais baixas respeitavam, fundamentalmente, às condições de trabalho fornecidas pelo empregador, como incentivos pelo trabalho realizado, por exemplo o salário, ou condições físicas do local de trabalho.

5



Quadro I - Motivação humana e hierarquia de necessidades de Maslow


Maslow (1954) defende, na sua teoria da Motivação e da hierarquia de necessidades humanas, que a satisfação do trabalhador depende da resposta que ele obtém às suas necessidades, as quais se encontram hierarquizadas, por ordem decrescente da força que têm para serem razoavelmente satisfeitas: necessidades fisiológicas, de segurança, sociais, de estima e de auto-actualização.
Logo que um determinado nível de necessidades esteja de algum modo satisfeito passará para outro, que ficará a dominar a hierarquia de necessidades, e assim sucessivamente.
As necessidades fisiológicas (comida, roupa e abrigo) são as que apresentam a mais elevada força na hierarquia das necessidades. Logo que estas necessidades sejam de alguma forma satisfeitas outro nível de necessidades, as de segurança, torna-se importante e fica então a dominar e motivar o comportamento do indivíduo.
A necessidade de segurança consiste no indivíduo estar livre do medo dos perigos físicos e de privação das necessidades fisiológicas básicas. Já não é somente o agora e o já, mas também uma preocupação com o futuro, ou seja uma necessidade de auto-preservação.
Logo que as necessidades fisiológicas ou de segurança estejam razoavelmente satisfeitas surgem as necessidades sociais a dominar a hierarquia das necessidades. Dado que as pessoas são seres sociais têm necessidade de pertencerem e de serem aceites pelos diferentes grupos sociais.
Depois dos indivíduos estarem mais ou menos satisfeitos com as suas necessidades de pertencer a determinados grupos sociais surge outra necessidade, a estima: tanto auto-estima como o reconhecimento e o respeito dos outros. A satisfação da necessidade de estima produz sentimentos de auto-confiança, prestígio, poder e controle. Os indivíduos começam a sentir que são úteis e que têm algum efeito sobre o ambiente que os rodeia.
Quando as necessidades de estima estiverem de alguma forma satisfeitas, as necessidades de auto-actualização ficam a dominar e a motivar o comportamento do indivíduo. A auto-actualização é a necessidade que os indivíduos têm de maximizar o seu próprio potencial ou seja é o desejo de se tornarem naquilo de que são capazes.
4
Incentivos e grandes áreas de insatisfação profissional
Relativamente aos incentivos profissionais, alguns autores referem que a participação no processo de tomada de decisões aumenta o investimento na organização, ajuda a criar um sentimento de integração na organização e melhora os canais de comunicação.
A introdução de grupos de trabalho autónomos, círculos de qualidade, representações nos conselhos de gerência, esquemas de divisão de lucros e de divisão da propriedade têm como objectivo melhorar a estrutura e o clima organizacionais e a qualidade da vida profissional.
O dinheiro é um incentivo complicado que está relacionado com todos os tipos de necessidades e cuja importância é difícil de indagar. Na nossa sociedade a satisfação das necessidades fisiológicas está associada ao dinheiro. Não é o dinheiro em si mesmo, mas o que ele pode comprar que pode satisfazer as necessidades fisiológicas do indivíduo. 
Parece contudo claro que a capacidade que determinada quantidade de dinheiro tem para satisfazer necessidades diminui à medida que nos movemos das fisiológicas ou de segurança para outras necessidades da hierarquia. Em muitos casos o dinheiro pode comprar a satisfação das necessidades fisiológicas, de segurança ou até sociais, mas quando os indivíduos estão preocupados com necessidades de auto-estima, reconhecimento ou eventualmente auto-actualização, o dinheiro deixa de ser o instrumento mais apropriado para as satisfazer. Quanto mais os indivíduos se envolvem com as necessidades de estima e auto-actualização mais terão de ganhar a sua satisfação directamente e menos importância terá o dinheiro como meio de as obter.
Os resultados obtidos no nosso estudo sobre Satisfação Profissional (1996) estão de acordo com a opinião destes autores. O «vencimento» era a componente que provocava mais insatisfação profissional, contudo, embora estivesse significativamente associada com a satisfação global no trabalho, não estava independentemente associada com ela. A variável mais independentemente associada com a satisfação global era a «capacidade para fazer diagnósticos correctos e completos».

Neste mesmo estudo (1996), os resultados obtidos nos questionários auto-preenchidos permitiram identificar duas grandes áreas da insatisfação profissional no exercício da Medicina Geral e Familiar – o contrato de trabalho/ remuneração e a administração/ gestão. Nas entrevistas pessoais, realizadas posteriormente, foi possível estudar essas grandes áreas e chegar às seguintes conclusões:
- o regime de trabalho em si não propicia satisfação ou insatisfação a nível dos Médicos de Família, dado que os mesmos regimes de trabalho podem provocar satisfação nuns e insatisfação noutros; 
- os comportamentos de administração/gestão do tipo mais autoritário e o do tipo «laissez-faire» são em si propiciadores de insatisfação a nível dos Médicos de Família, dado que praticamente não existem nos centros de saúde dos satisfeitos, predominam nos centros de saúde dos insatisfeitos e não são pretendidos pelos insatisfeitos.
6
Bibliografia
Biscaia A. Job Satisfaction among General Practitioners working in Lisbon.In: Book of Abstracts da Wonca Region Europe European Society of General Practice / Family Medicine Conference Prevention in Primary Care.Praga, 1997: 125.

Cartwright A. Patients and their doctors. London: Routledge and Kegan Paul, 1967 citado em Branthwaite A, Ross A. Satisfaction and job stress in General Practice. Fam Pract 1988; 5: 83-93.

Graça L. Instrumentos para a melhoria contínua da Qualidade: A Satisfação Profissional dos Profissionais de Saúde nos Centros de Saúde. 1ª ed. Lisboa: Direcção Geral da Saúde, Sub-Direcção Geral para a Qualidade, 1999.

Hersey P, Blanchard K H. Management of organizational behavior - utilizing human resources, 6ª ed. New Jersey: Prentice - Hall Internacional, Inc., 1993.

Hespanhol A. Condições do Exercício da Clínica Geral no Norte de Portugal. Dissertação de Candidatura ao Grau de Doutor pela Faculdade de Medicina do Porto. Porto: Hespanhol A, 1996.

Lucas JS. Satisfação profissional dos profissionais de saúde : teoria e conceitos. Rev Port Saúde Pública 1984; 2 (1): 63-8.

McCranie EW, Hornsby JL, Calvert JC. Practice and career satisfaction among residency trained family physicians: a national survey. J Fam Pract 1982; 14(6): 1107-14.

Pires B, Cerdeira F. Satisfação profissional de clínicos gerais num centro de saúde. Rev Port Clin geral 1989; 6 (1): 6-13.

Repórter do Jornal Médico de Família. Reportagem - Madeira: satisfação profissional é baixa. Jornal Médico de Família 1990, Novembro; nº26: 8.

Sutherland VJ, Cooper CL. Job stress, satisfaction and mental health among general practitioners before and after introduction of new contract.BMJ 1992; 304: 1545-8.

Vieira D, Viegas I. Satisfação profissional do clínico geral. Rev Port Clin Geral 1991; 8 (7): 210-5.

Vieira D, Viegas I, Furtado N. Satisfação profissional em médicos da carreira de clínica geral. Acta Médica Portuguesa 1995; 8: 531-5.