As noções de anátomo-fisiologia do reflexo da tosse permitem a facilitação do raciocínio clínico, na localização e na patofisiologia do problema causal da tosse. A função deste reflexo é a de remover substâncias estranhas e muco das vias respiratórias. Trata-se de um processo em três fases, iniciando-se por uma inspiração profunda, seguido de um aumento do volume pulmonar, e então numa terceira fase de uma contracção forçada contra a glote fechada com a abertura súbita da mesma. Todo este processo produz uma elevada velocidade linear do ar para expelir material das vias respiratórias.
O material estranho e mucosidade estimulam receptores estrategicamente colocados em vários pontos do organismo. Assim existem receptores passíveis de estimulação no nariz e fossas nasais, seios peri-nasais, ouvidos (canal auditivo externo e ouvido médio), faringe, laringe, traqueia, brônquios, pleura, estômago e diafragma. Os nervos aferentes que conduzem os impulsos nervosos para o centro da tosse no bolbo raquidiano, são o trigémeo, o glossofaríngeo, o frénico e o vago. Os nervos eferentes que completam o arco reflexo são o laríngeo recorrente, o frénico e os nervos motores espinais que enervam os músculos intercostais. Há ainda cadeias nervosas que interligam o centro da tosse ao córtex cerebral, dando à tosse uma possibilidade de ser desencadeada pela acção voluntária do indivíduo.
1
Anamnese
A questão temporal do aparecimento do sintoma é essencial na anamnese. Se o aparecimento do sintoma tem menos de 3 semanas, é considerado agudo, se tem mais de 3 semanas é considerado crónico, embora no exemplo da hiperreactividade da mucosa respiratória após uma infecção vírica aguda, a tosse possa persistir ao longo de 7 semanas, sem que isso aponte para outras causas crónicas da tosse.
O sintoma agudo faz com que o doente procure o seu médico, na maioria das vezes, se é acompanhado de outros sintomas, principalmente a febre, o mal estar geral com mialgias generalizadas e a expectoração especialmente se for purulenta e ainda muito mais se for hemoptóica. A dor localizada ao tórax, associada à tosse, mesmo sem outros sintomas como a febre ou expectoração, assusta muitas vezes os nossos pacientes, pois pensam sempre na pneumonia, coagindo o médico a pedir a radiografia pulmonar. Se a tosse se apresenta de alguma forma isolada, ou se o doente não atribui importância a sintomas e sinais que sobretudo não o incomodam, ele mitiga a sua tosse com xaropes, que procura na casa do vizinho, ou na farmácia do bairro, procurando o médico por a tosse persistir, mesmo ao fim de ter tomado já 2 ou 3 espécies de xaropes e ultrapassando as 3 semanas desde o início dos sintomas.
As características da tosse podem apontar de alguma forma para a localização e etiologia do problema, embora não haja características patognomónicas destes factos.
A tosse seca, irritativa das infecções víricas agudas da árvore respiratória superior e inferior,
A tosse rouca, tipo canina, da laringite.
A tosse apagada do débil, ou do velho.
A tosse emetizante, por acumulação da expectoração na mucosa faríngea, estimulando o centro do vómito.
Na traqueobronquite a tosse é inicialmente intercortada, seca e paroxística, depois tem um timbre grave e bolhoso, tornando-se produtiva.
O parênquima pulmonar, em si, não desperta o reflexo da tosse, permitindo muitas vezes a evolução de cavernas, quistos e abcessos, tornando-se aparentes com o reflexo da tosse, quando o respectivo conteúdo passa para a árvore brônquica, comprime a mesma, ou ainda atinge a pleura.
É importante caracterizar o horário predominantemente diurno e/ou nocturno da tosse, pois nas afecções do aparelho respiratório superior, como rinites e sinusites, com rinorreia posterior, a tosse é pelo menos mais constante durante a noite. A tosse do edema pulmonar intersticial crónico que acompanha a insuficiência cardíaca é muitas vezes um sintoma a denunciar esse problema. A doença do refluxo gastroesofágico, uma das causas crónicas da tosse, pode também ser mais intensa durante a noite.
Os factores de agravamento da tosse, podem ser detectados no interrogatório, perguntando ao doente se, por exemplo melhora da tosse no fim de semana, quando fica longe do ambiente laboral, se a mesma agrava quando anda a limpar o pó, ou quando a criança brinca com o boneco de peluche que estava na prateleira do quarto. A sesazonalidade da tosse pode relaciona-la com a alergia polígena ou outra ambiental.
O uso de medicamentos inibidores da enzima de conversão da angiotensina é conhecido como causa reversível de tosse crónica, por factores que têm haver com o próprio mecanismo de acção do fármaco.
O tabagismo passivo e activo têm sempre de ser equacionados, não só como precipitante da tosse e causador de patologia grave do sistema respiratório, assim como de agravamento da persistência de sintomatologia ligada a infecções víricas banais.
Os hábitos aditivos de drogas, como o álcool e outras toxicodependências, devem ser conhecidos pois conduzem só por si, a situações de imunodeficiência facilitadora de muitos processos infecciosos. A situação da imunodeficiência humana adquirida pelo vírus da SIDA, muito prevalente neste grupo de doentes, deve ser suspeitada na presença de tosse crónica.
Outros sintomas que acompanham a tosse, que trazem o doente ao médico, devem ser devidamente caracterizados:
- a dispneia – se esta é paroxística nocturna, se é de esforço, se é constante;
- a expectoração deve ser caracterizada quanto à cor, cheiro, volume, se é hemoptóica ou não; a hemoptise alarma deveras o doente, transformando muitas vezes uma tosse crónica de algumas semanas, num motivo de consulta urgente;
- a síndroma febril que porventura acompanha a tosse deve ser pormenorizada, desde o subfebril dos resfriados, ao subfebril vespertino da tuberculose pulmonar, da hipertermia da gripe à hipertermia de uma pneumonia. A febre nunca deixa o doente arrastar o sintoma tosse, mas as temperaturas subfebris, muitas vezes não incomodam tanto o doente, podendo nestes casos não ser um factor adjacente à tosse, que leve o doente imediatamente ao médico;
- a toracalgia é um sintoma associado à tosse que alarma o doente, de forma a este pensar que tem um problema grave nos pulmões, geralmente pneumonia, sendo um problema que trás o doente com tosse ao médico, com rapidez. As infecções víricas, com dores nos músculos respiratórios, só por si, podem ser a fonte dessas algias. Mas o sintoma é importante, pois faz parte muitas vezes do quadro sintomatológico da pneumonia, pleurite, processos neoplásicos, fracturas de costelas consequentes à osteoporose. O quadro clínico nestes casos vem enriquecido de um cortejo de sintomas como febre, anorexia, astenia, emagrecimento e no caso da osteoporose as características individuais do doente, como sexo, idade, passado ginecológico, grau de actividade, alimentação, etc.
As infecções respiratórias agudas e/ou crónicas noutros elementos da família podem dar ao médico a noção da dimensão do problema, assim como mais facilmente chegar ao diagnóstico. Assim o conhecimento do contexto familiar, como o tipo de agregado familiar e o tipo de habitação são importantes, como acontece na Medicina Familiar.
A exploração do tipo de personalidade do doente, e psicopatologia a ela associada podem, muitas vezes após exclusão de muitas patologias importantes, determinar uma causa psicogénica para o problema da tosse.
2
Exame
físico
O exame físico deve incidir sobre:
Avaliação dos sinais vitais
– temperatura corporal, tensão arterial e frequência respiratória.
Aparelho Respiratório Superior
- Rinorreia anterior e posterior – na tosse crónica, o achado isolado da rinorreia posterior, pode ser a chave do diagnóstico.
- Observação da orofaringe
- Observação do nariz – pólipos, rinorreia, inflamação das fossas nasais.
- Dor à palpação dos seios peri-nasais (frontais e maxilares)
- Ouvidos – cerúmen, otite
- Traqueia e pescoço – massas palpáveis e adenopatias cervicais
- Inspecção do tórax
- Auscultação Pulmonar – Ter em atenção toda a semiologia da auscultação pulmonar
- Auscultação Cardíaca – na semiologia ter em atenção a presença de sopros, atritos e o S 3
- Ingurgitamento jugular e avaliação do pulso jugular, palpação do pré-córdio.
- Verificação de edemas dos membros inferiores, ou em regiões de declive se o doente se encontra acamado.
- Inspecção de sinais de cianose e «clubbing», na pele e unhas.
3
Exames
auxiliares de diagnóstico (EAD)
A anamnese e o exame clínico podem orientar o clínico para dois tipos de atitude:
- Permitindo actuação imediata sintomatológica e/ou etiológica, de forma empírica, sem necessidade de recorrer a meios auxiliares de diagnóstico; uso da prova terapêutica.
- Necessidade de avaliação com exames auxiliares de diagnóstico, para quantificação, pormenorização do diagnóstico etiológico da situação clínica.
Neste caso, a radiografia pulmonar está sempre na 1ª linha dos EAD, quer no esclarecimento da tosse aguda ou quer crónica.
ECG – para os casos em que a investigação clínica prévia aponta causas cardíacas para a tosse.
Exame bacteriológico de expectoração – com exame directo, cultural e antibiograma – tem ainda um valor decisivo na Tuberculose Pulmonar.
Exame citológico na expectoração da manhã, valor relativo na pesquisa de células neoplásicas.
Broncofibróscopia com lavagem brônquica – sempre que há forte suspeita de neoplasia pulmonar.
Tomografia axial computadorizada:
- dos seios peri-nasais (nos casos de sinusite resistente ao tratamento empírico).
- TAC Toráxico e TAC Pulmonar de alta resolução para a suspeita de doenças parenquimatosas do interstício pulmonar.
4
Tosse
de etiologia obscura
Algumas vezes após uma apurada anamnese, e exame físico e, até, após a radiografia pulmonar, não se consegue avançar com um diagnóstico, que permita terapêutica racional.
Neste casos há que pensar em:
- Variante da asma.
Estudo com provas funcionais respiratórias, prova da provocação com metacolina.
- Doença do refluxo gastroesofásico
Suspeita clínica, quando a tosse crónica é acompanhada com pirose, halitose e acidez oral, e em que o exame físico e radiológico é normal.
Fazer Prova Terapêutica, com pró-cinéticos, antagonistas H2 ou inibidores da bomba de protões. Possibilidade de recurso a EAD como a radiografia esofagogástrica, a manometria esofágica e a Phmetria esofágica.Algumas vezes após uma apurada anamnese, e exame físico e, até, após a radiografia pulmonar, não se consegue avançar com um diagnóstico, que permita terapêutica racional.
Neste casos há que pensar em:
- Variante da asma.
Estudo com provas funcionais respiratórias, prova da provocação com metacolina.
- Doença do refluxo gastroesofásico
Suspeita clínica, quando a tosse crónica é acompanhada com pirose, halitose e acidez oral, e em que o exame físico e radiológico é normal.
Fazer Prova Terapêutica, com pró-cinéticos, antagonistas H2 ou inibidores da bomba de protões. Possibilidade de recurso a EAD como a radiografia esofagogástrica, a manometria esofágica e a Phmetria esofágica.
8
Quadro
I
Indícios
para as causas comuns de tosse que podem ser evidenciados na história
clínica |
Achado
|
Diagnósticos possíveis
|
Lactente
com tosse
|
Malformações congénitas
|
Doente
fumador
|
Bronquite induzida pelo tabaco
|
Expectoração
purulenta
|
Pneumonia, DPCO
|
Doente
medicado com um inibidor da ECA
|
Tosse induzida por um inibidor da ECA
|
Risco
elevado de exposição à tuberculose
|
Tuberculose
|
Pieira
|
Asma
|
Pieira
nocturna
|
Asma, Insuficiência Cardíaca Congestiva
|
Tosse
que se agrava no trabalho |
Causa Ocupacional |
Tosse
após uma infecção respiratória alta
ou exposição a um alergénio |
Rinorreia posterior |
Sensação
de rinorreia posterior |
Rinorreia posterior, asma |
Dor
facial, odontalgia |
Sinusite |
Pirose
ou sabor ácido na boca |
Doença do refluxo gastroesofágico |
História
de emagrecimento |
Cancro, Tuberculose |
ECA
= enzima de conversão da angiotensina
Adaptado
de: “Uma abordagem no Consultório para o diagnóstico da tosse crónica”-
W. Ross Lawer, M.D., Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas,
em San António, Texas- American Family Physician, volume 2, nº9, Maio/Junho
1999, Versão portuguesa.
5
Terapêutica
sintomática e educação do doente
Ter presente que terapêutica sintomática é diferente de terapêutica etiológica empírica.
No alívio sintomático do doente, é preciso aconselhar:
- A eliminação dos precipitantes
- A eliminação de poluentes do ar doméstico
- A eliminação de poluentes do ar ocupacional com uso de máscaras e aspiradores nas máquinas
- Cuidados de higiene habitacional, de forma a diminuir os alergénios
- Suspender o tabaco – cuidado com os fumadores passivos
6
Supressão
da tosse
Objectivo:
prevenção das complicações da tosse prolongada, como insónia, dor músculo-esquelética, fracturas das costelas, pneumotórax, exaustão, pneumomediastino, sincope pós tosse, rotura das veias conjuntivais e nasais.
7
Cuidados
Gerais:
Humidificação das vias aéreas, sendo necessário usar higiene nos aparelhos humidificadores.
- Hidratação oral (no ambulatório) – consumo de 1500 ml de água – cuidado se a suspeita vai para a insuficiência cardíaca.
- Drenagem postural (DPCO, Bronquiectasia), antes das refeições e ao deitar
- Brometo de ipratrópio nos doentes com DPCO ao deitar
- Antitússicos narcóticos – codeína
- Mucolíticos e expectorantes – entre o efeito placebo e a mobilização da expectoração
9
Bibliografia
W. Ross Lawer, M.D., Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em San António, Texas– American Family Physician, “Uma abordagem no Consultório para o diagnóstico da tosse crónica” , volume 2, nº 9, Maio/Junho 1999, Versão portuguesa.
Allan H. Goroll, Lawrence A. May, Albert G. Mulley,Jr.- Primary Care Medicine- Third Edition J. B. Lippincott Company- 1995
|