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Parte IV – Problemas clínicos
4.1. Sinais e sintomas frequentes
138. Abordagem do doente com tosse
Fernando Fardilha
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Cruz, Mª Georgina


As noções de anátomo-fisiologia do reflexo da tosse permitem a facilitação do raciocínio clínico, na localização e na patofisiologia do problema causal da tosse. A função deste reflexo é a de remover substâncias estranhas e muco das vias respiratórias. Trata-se de um processo em três fases, iniciando-se por uma inspiração profunda, seguido de um aumento do volume pulmonar, e então numa terceira fase de uma contracção forçada contra a glote fechada com a abertura súbita da mesma. Todo este processo produz uma elevada velocidade linear do ar para expelir material das vias respiratórias.
O material estranho e mucosidade estimulam receptores estrategicamente colocados em vários pontos do organismo. Assim existem receptores passíveis de estimulação no nariz e fossas nasais, seios peri-nasais, ouvidos (canal auditivo externo e ouvido médio), faringe, laringe, traqueia, brônquios, pleura, estômago e diafragma. Os nervos aferentes que conduzem os impulsos nervosos para o centro da tosse no bolbo raquidiano, são o trigémeo, o glossofaríngeo, o frénico e o vago. Os nervos eferentes que completam o arco reflexo são o laríngeo recorrente, o frénico e os nervos motores espinais que enervam os músculos intercostais. Há ainda cadeias nervosas que interligam o centro da tosse ao córtex cerebral, dando à tosse uma possibilidade de ser desencadeada pela acção voluntária do indivíduo.
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Anamnese

A questão temporal do aparecimento do sintoma é essencial na anamnese. Se o aparecimento do sintoma tem menos de 3 semanas, é considerado agudo, se tem mais de 3 semanas é considerado crónico, embora no exemplo da hiperreactividade da mucosa respiratória após uma infecção vírica aguda, a tosse possa persistir ao longo de 7 semanas, sem que isso aponte para outras causas crónicas da tosse.
O sintoma agudo faz com que o doente procure o seu médico, na maioria das vezes, se é acompanhado de outros sintomas, principalmente a febre, o mal estar geral com mialgias generalizadas e a expectoração especialmente se for purulenta e ainda muito mais se for hemoptóica. A dor localizada ao tórax, associada à tosse, mesmo sem outros sintomas como a febre ou expectoração, assusta muitas vezes os nossos pacientes, pois pensam sempre na pneumonia, coagindo o médico a pedir a radiografia pulmonar. Se a tosse se apresenta de alguma forma isolada, ou se o doente não atribui importância a sintomas e sinais que sobretudo não o incomodam, ele mitiga a sua tosse com xaropes, que procura na casa do vizinho, ou na farmácia do bairro, procurando o médico por a tosse persistir, mesmo ao fim de ter tomado já 2 ou 3 espécies de xaropes e ultrapassando as 3 semanas desde o início dos sintomas.
As características da tosse podem apontar de alguma forma para a localização e etiologia do problema, embora não haja características patognomónicas destes factos.
A tosse seca, irritativa das infecções víricas agudas da árvore respiratória superior e inferior,
A tosse rouca, tipo canina, da laringite.
A tosse apagada do débil, ou do velho.
A tosse emetizante, por acumulação da expectoração na mucosa faríngea, estimulando o centro do vómito.
Na traqueobronquite a tosse é inicialmente intercortada, seca e paroxística, depois tem um timbre grave e bolhoso, tornando-se produtiva.
O parênquima pulmonar, em si, não desperta o reflexo da tosse, permitindo muitas vezes a evolução de cavernas, quistos e abcessos, tornando-se aparentes com o reflexo da tosse, quando o respectivo conteúdo passa para a árvore brônquica, comprime a mesma, ou ainda atinge a pleura.
É importante caracterizar o horário predominantemente diurno e/ou nocturno da tosse, pois nas afecções do aparelho respiratório superior, como rinites e sinusites, com rinorreia posterior, a tosse é pelo menos mais constante durante a noite. A tosse do edema pulmonar intersticial crónico que acompanha a insuficiência cardíaca é muitas vezes um sintoma a denunciar esse problema. A doença do refluxo gastroesofágico, uma das causas crónicas da tosse, pode também ser mais intensa durante a noite.
Os factores de agravamento da tosse, podem ser detectados no interrogatório, perguntando ao doente se, por exemplo melhora da tosse no fim de semana, quando fica longe do ambiente laboral, se a mesma agrava quando anda a limpar o pó, ou quando a criança brinca com o boneco de peluche que estava na prateleira do quarto. A sesazonalidade da tosse pode relaciona-la com a alergia polígena ou outra ambiental.
O uso de medicamentos inibidores da enzima de conversão da angiotensina é conhecido como causa reversível de tosse crónica, por factores que têm haver com o próprio mecanismo de acção do fármaco. 
O tabagismo passivo e activo têm sempre de ser equacionados, não só como precipitante da tosse e causador de patologia grave do sistema respiratório, assim como de agravamento da persistência de sintomatologia ligada a infecções víricas banais.
Os hábitos aditivos de drogas, como o álcool e outras toxicodependências, devem ser conhecidos pois conduzem só por si, a situações de imunodeficiência facilitadora de muitos processos infecciosos. A situação da imunodeficiência humana adquirida pelo vírus da SIDA, muito prevalente neste grupo de doentes, deve ser suspeitada na presença de tosse crónica.
Outros sintomas que acompanham a tosse, que trazem o doente ao médico, devem ser devidamente caracterizados:

- a dispneia – se esta é paroxística nocturna, se é de esforço, se é constante; 

- a expectoração deve ser caracterizada quanto à cor, cheiro, volume, se é hemoptóica ou não; a hemoptise alarma deveras o doente, transformando muitas vezes uma tosse crónica de algumas semanas, num motivo de consulta urgente; 

- a síndroma febril que porventura acompanha a tosse deve ser pormenorizada, desde o subfebril dos resfriados, ao subfebril vespertino da tuberculose pulmonar, da hipertermia da gripe à hipertermia de uma pneumonia. A febre nunca deixa o doente arrastar o sintoma tosse, mas as temperaturas subfebris, muitas vezes não incomodam tanto o doente, podendo nestes casos não ser um factor adjacente à tosse, que leve o doente imediatamente ao médico;

- a toracalgia é um sintoma associado à tosse que alarma o doente, de forma a este pensar que tem um problema grave nos pulmões, geralmente pneumonia, sendo um problema que trás o doente com tosse ao médico, com rapidez. As infecções víricas, com dores nos músculos respiratórios, só por si, podem ser a fonte dessas algias. Mas o sintoma é importante, pois faz parte muitas vezes do quadro sintomatológico da pneumonia, pleurite, processos neoplásicos, fracturas de costelas consequentes à osteoporose. O quadro clínico nestes casos vem enriquecido de um cortejo de sintomas como febre, anorexia, astenia, emagrecimento e no caso da osteoporose as características individuais do doente, como sexo, idade, passado ginecológico, grau de actividade, alimentação, etc.
As infecções respiratórias agudas e/ou crónicas noutros elementos da família podem dar ao médico a noção da dimensão do problema, assim como mais facilmente chegar ao diagnóstico. Assim o conhecimento do contexto familiar, como o tipo de agregado familiar e o tipo de habitação são importantes, como acontece na Medicina Familiar.
A exploração do tipo de personalidade do doente, e psicopatologia a ela associada podem, muitas vezes após exclusão de muitas patologias importantes, determinar uma causa psicogénica para o problema da tosse. 
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Exame físico
O exame físico deve incidir sobre:
Avaliação dos sinais vitais 
– temperatura corporal, tensão arterial e frequência respiratória.

Aparelho Respiratório Superior
- Rinorreia anterior e posterior – na tosse crónica, o achado isolado da rinorreia posterior, pode ser a chave do diagnóstico.

- Observação da orofaringe

- Observação do nariz – pólipos, rinorreia, inflamação das fossas nasais.

- Dor à palpação dos seios peri-nasais (frontais e maxilares)

- Ouvidos – cerúmen, otite

- Traqueia e pescoço – massas palpáveis e adenopatias cervicais

- Inspecção do tórax

- Auscultação Pulmonar – Ter em atenção toda a semiologia da auscultação pulmonar
- Auscultação Cardíaca – na semiologia ter em atenção a presença de sopros, atritos e o S 3

- Ingurgitamento jugular e avaliação do pulso jugular, palpação do pré-córdio.

- Verificação de edemas dos membros inferiores, ou em regiões de declive se o doente se encontra acamado.

- Inspecção de sinais de cianose e «clubbing», na pele e unhas.
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Exames auxiliares de diagnóstico (EAD)

A anamnese e o exame clínico podem orientar o clínico para dois tipos de atitude:
- Permitindo actuação imediata sintomatológica e/ou etiológica, de forma empírica, sem necessidade de recorrer a meios auxiliares de diagnóstico; uso da prova terapêutica.
- Necessidade de avaliação com exames auxiliares de diagnóstico, para quantificação, pormenorização do diagnóstico etiológico da situação clínica.
Neste caso, a radiografia pulmonar está sempre na 1ª linha dos EAD, quer no esclarecimento da tosse aguda ou quer crónica.
ECG – para os casos em que a investigação clínica prévia aponta causas cardíacas para a tosse.
Exame bacteriológico de expectoração – com exame directo, cultural e antibiograma – tem ainda um valor decisivo na Tuberculose Pulmonar.
Exame citológico na expectoração da manhã, valor relativo na pesquisa de células neoplásicas.
Broncofibróscopia com lavagem brônquica – sempre que há forte suspeita de neoplasia pulmonar.
Tomografia axial computadorizada:
- dos seios peri-nasais (nos casos de sinusite resistente ao tratamento empírico). 
- TAC Toráxico e TAC Pulmonar de alta resolução para a suspeita de doenças parenquimatosas do interstício pulmonar. 
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Tosse de etiologia obscura

Algumas vezes após uma apurada anamnese, e exame físico e, até, após a radiografia pulmonar, não se consegue avançar com um diagnóstico, que permita terapêutica racional.
Neste casos há que pensar em:
- Variante da asma.
Estudo com provas funcionais respiratórias, prova da provocação com metacolina.
- Doença do refluxo gastroesofásico
Suspeita clínica, quando a tosse crónica é acompanhada com pirose, halitose e acidez oral, e em que o exame físico e radiológico é normal.
Fazer Prova Terapêutica, com pró-cinéticos, antagonistas H2 ou inibidores da bomba de protões. Possibilidade de recurso a EAD como a radiografia esofagogástrica, a manometria esofágica e a Phmetria esofágica.Algumas vezes após uma apurada anamnese, e exame físico e, até, após a radiografia pulmonar, não se consegue avançar com um diagnóstico, que permita terapêutica racional.
Neste casos há que pensar em:
- Variante da asma.
Estudo com provas funcionais respiratórias, prova da provocação com metacolina.
- Doença do refluxo gastroesofásico
Suspeita clínica, quando a tosse crónica é acompanhada com pirose, halitose e acidez oral, e em que o exame físico e radiológico é normal.
Fazer Prova Terapêutica, com pró-cinéticos, antagonistas H2 ou inibidores da bomba de protões. Possibilidade de recurso a EAD como a radiografia esofagogástrica, a manometria esofágica e a Phmetria esofágica.

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Quadro I

Indícios para as causas comuns de tosse que podem ser evidenciados na história clínica

Achado 

Diagnósticos possíveis

Lactente com tosse

Malformações congénitas

Doente fumador

Bronquite induzida pelo tabaco

Expectoração purulenta

Pneumonia, DPCO

Doente medicado com um inibidor da ECA

Tosse induzida por um inibidor da ECA

Risco elevado de exposição à tuberculose

Tuberculose

Pieira

Asma

Pieira nocturna

Asma, Insuficiência Cardíaca Congestiva

Tosse que se agrava no trabalho 

Causa Ocupacional

Tosse após uma infecção respiratória alta ou exposição a um alergénio

Rinorreia posterior

Sensação de rinorreia posterior

Rinorreia posterior, asma

Dor facial, odontalgia

Sinusite

Pirose ou sabor ácido na boca

Doença do refluxo gastroesofágico

História de emagrecimento 

Cancro, Tuberculose

ECA = enzima de conversão da angiotensina

Adaptado de: “Uma abordagem no Consultório para o diagnóstico da tosse crónica”- W. Ross Lawer, M.D., Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em San António, Texas- American Family Physician, volume 2, nº9, Maio/Junho 1999, Versão portuguesa.
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Terapêutica sintomática e educação do doente

Ter presente que terapêutica sintomática é diferente de terapêutica etiológica empírica.
No alívio sintomático do doente, é preciso aconselhar:
- A eliminação dos precipitantes
- A eliminação de poluentes do ar doméstico
- A eliminação de poluentes do ar ocupacional com uso de máscaras e aspiradores nas máquinas
- Cuidados de higiene habitacional, de forma a diminuir os alergénios
- Suspender o tabaco – cuidado com os fumadores passivos
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Supressão da tosse
Objectivo:
prevenção das complicações da tosse prolongada, como insónia, dor músculo-esquelética, fracturas das costelas, pneumotórax, exaustão, pneumomediastino, sincope pós tosse, rotura das veias conjuntivais e nasais.
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Cuidados Gerais:

Humidificação das vias aéreas, sendo necessário usar higiene nos aparelhos humidificadores.
- Hidratação oral (no ambulatório) – consumo de 1500 ml de água – cuidado se a suspeita vai para a insuficiência cardíaca.
- Drenagem postural (DPCO, Bronquiectasia), antes das refeições e ao deitar
- Brometo de ipratrópio nos doentes com DPCO ao deitar
- Antitússicos narcóticos – codeína
- Mucolíticos e expectorantes – entre o efeito placebo e a mobilização da expectoração
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Bibliografia
W. Ross Lawer, M.D., Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em San António, Texas– American Family Physician, “Uma abordagem no Consultório para o diagnóstico da tosse crónica” , volume 2, nº 9, Maio/Junho 1999, Versão portuguesa.

Allan H. Goroll, Lawrence A. May, Albert G. Mulley,Jr.- Primary Care Medicine- Third Edition J. B. Lippincott Company- 1995