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Parte IV – Problemas clínicos
4.10. Abordagem da mulher com problemas da mama e aparelho genital

335. Nódulo mamário
Luísa Carvalho
José Robalo

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Pisco, Ana Maria


Utilizando a classificação da ICPC (X19 - tumefacção/ massa/ nódulo da mama) e de acordo com o estudo realizado pelo Prof. Doutor José G. Jordão em Portugal este problema representa 0,14% dos motivos de consulta nos médicos de família e corresponde a 0,23% dos problemas de saúde da população feminina.
O nódulo da mama é importante não pela frequência do seu aparecimento mas pela ansiedade que um nódulo mamário desencadeia na mulher levando-a ao seu médico assistente.
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Abordagem inicial

Um nódulo na mama pode ser detectado principalmente em 3 situações:
1. após o rastreio de cancro da mama (ver unidade 329. Prevenção do cancro da mama)
2. pela detecção oportunística por um profissional de saúde (por iniciativa da mulher ou do profissional)
3. detectado pela própria mulher (em 90% dos casos)
Se a mulher recorrer ao seu médico de família por ter um nódulo ou pela preocupação de poder ter um nódulo da mama deverá considerar-se o porquê dessa preocupação, o que desencadeou essa angústia, o que ela pensa do assunto e os conhecimentos e crenças de saúde que ela revela do nódulo da mama.
O medo do cancro está muitas vezes subjacente ao motivo dessa consulta devendo também esta situação ser abordada.
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Anamnese

Na colheita da história clínica devem sobressair os seguintes dados: idade, sexo, paridade, lactação, história anterior de neoplasia da mama, ovário ou endométrio, radioterapia, uso de anticonceptivos ou terapêutica hormonal de substituição e a presença de história familiar de cancro da mama.
O início dos sintomas e sua evolução, as características do nódulo, mudanças durante o ciclo menstrual, sintomas acompanhantes tais como por ex. a dor ou corrimento mamário.

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Quadro I

Factores de risco para o cancro da mama
Risco relativo elevado (>4)
* Cancro da mama contra lateral
* Cancro da mama bilateral em mãe ou irmã
* Cancro da mama pré-menopáusica em mãe ou irmã
* Dois ou mais familiares em 1º grau com cancro da mama
* Idade superior a 40 anos
Risco relativo moderado (2-4)
* Primeira gravidez completa depois dos 35 anos
* Nulípara
* «Doença fibroquística»
* Outros antecedentes familiares de cancro da mama
* Antecedentes familiares de neoplasia do ovário e do endométrio
Risco relativo fraco (1,1-1,9)
* Celibato
* Menopausa depois dos 53 anos
* Menarca antes dos 12 anos
* Hábitos alcoólicos
* Obesidade na mulher pós-menopáusica
Risco relativo não quantificado
* Terapêutica estrogénica pós-menopáusica
* Ausência de lactação

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Exame objectivo

Na inspecção deve-se notar a simetria mamária, as alterações de volume, as alterações do contorno (bossas, achatamentos e retracções cutâneas), as alterações na aparência (ulceração, equimoses, eritema, edema, aspecto eczematoso e acentuação da rede venosa superficial) e as alterações nos mamilos (aspecto eczematoso, corrimento, assimetria de direcção, retracção, achatamento, edema, eritema ou ulceração).
Na palpação procura-se zonas de empastamento, perda de elasticidade, dor à palpação e a existência de nódulos.
A axila deve ser inspeccionada e palpada pesquisando-se adenomegalias e zonas de pigmentação anormal.
As características do nódulo devem ser anotadas em relação à: posição, consistência (elástico, firme ou pétrea), definição dos limites e aderência aos planos profundos e superficiais.

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Quadro II

Técnica do exame objectivo da mama

1. Doente sentada com os braços ao longo do corpo. Inspecção com boa luz, procurando alterações no volume, contorno, retracção do mamilo, edema, rubor, retracção cutânea.
2. Doente sentada com as mãos pressionando a anca para contracção dos peitorais. Repetir inspecção.
3. Doente sentada com os braços por cima da cabeça. Repetir inspecção da mama e axila.
4. Doente sentada e inclinada para a frente com as mãos nos ombros do examinador. Palpação bimanual prestando particular atenção à base da porção glandular.
5. Doente sentada com os braços estendidos entre os 60 e 90º. Palpar axila.
6. Doente deitada de costas com os braços relaxados ao longo do corpo. Palpação bimanual de cada quadrante e debaixo da aréola e mamilo com o polegar e o indicador para detecção de massa e fazer a expressão de liquido.
7. Doente deitada com os braços por cima da cabeça. Inspecção da mama e axila, palpar axila e palpação bimanual de cada quadrante. Palpação das áreas supra claviculares.

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Diagnóstico diferencial

Doença fibroquística da mama
É a condição mamária benigna mais frequente. Inclui uma grande variedade de alterações que podem ser agrupadas em três grandes grupos: alterações quísticas, alterações associadas com hiperplasia ductal e alterações do estroma mamário particularmente a fibrose.
1. Nas alterações quísticas existem massas geralmente bilaterais, múltiplas e de múltiplos tamanhos e dolorosas. A variação rápida do volume das massas é frequente, com variação no tamanho e da dor durante o ciclo menstrual. Mais frequente dos 30 aos 50 anos é rara na mulher pós-menopáusica sem terapêutica hormonal de substituição. Deve-se evitar o trauma e usar soutiens com bom suporte e protecção.
2. A ectasia ductal aparece mais em mulheres na peri e pós-menopausa, sendo muitas vezes assintomática. Ocasionalmente pode infectar e seguir um curso recorrente necessitando de excisão cirúrgica.
3. As alterações do estroma mamário geralmente assintomáticas, podem levar ao aparecimento de um nódulo palpável com alterações mamográficas suspeitas levando à execução de uma biopsia. Estas alterações são chamadas de adenose eslerosante e aparecem mais no fim da idade reprodutiva da mulher. Não tem potencial neoplásico.

Fibroadenoma
Mais frequente nos 20 anos após a puberdade apresenta-se como um tumor arredondado com consistência de borracha, único (em 10 a 15% das mulheres pode ser múltiplo), bem individualizado, não doloroso, relativamente móvel com cerca de 1 a 5 cm de tamanho. Geralmente não é necessário qualquer tratamento mas pode ser efectuada a sua excisão cirúrgica.
Por causa da alta densidade da glândula mamária antes dos 35 anos e da baixa incidência do cancro da mama nesta faixa etária a mamografia não é recomendada na avaliação de fibroadenomas.

Necrose gorda
É uma lesão rara mas pode produzir uma massa, muitas vezes acompanhada de retracção cutânea ou do mamilo indistinguível de um carcinoma. Geralmente é causada por traumatismo. Pode ser acompanhada por equimose. A evolução é benigna.

Abcesso
Frequente em mulheres a amamentar, aparece raramente em mulheres que não amamentam. Estas infecções tendem a ser recorrentes após a incisão a não ser que a área seja excisada correctamente. Deve ser sempre considerado o diagnóstico de carcinoma inflamatório.

Mama maligna (ver unidade 346. Neoplasia da mama)
1. Sinais precoces - massa tensa e dura com margens mal definidas, única, não dolorosa, alterações mamográficas sem massa palpável
2. Sinais tardios - retracção cutânea ou do mamilo, linfadenopatia axilar, aumento do volume mamário, rubor, edema, dor, fixação da massa à pele ou à parede torácica.
3. Sinais últimos - ulceração, linfadenopatia supra clavicular, edema do braço, metástases (osso, pulmão, fígado, cérebro, etc.)
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Vigilância e encaminhamento

Qualquer novo sintoma mamário numa mulher acima dos 50 anos necessita de uma avaliação completa para exclusão de neoplasia maligna.

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Quadro III

Indicações para mamografia
1. Avaliação das mamas quando um diagnóstico de cancro potencialmente curável foi feito, a partir daí anualmente
2. Avaliação de uma massa duvidosa ou mal definida ou alterações suspeitas no peito
3. Pesquisa de um cancro oculto numa mulher com metástases axilares ou outras
4. Rastreio anual de mulheres com alto risco
5. Rastreio de mulheres que vão efectuar mastoplastia por questões cosméticas ou antes de biópsia
6. Seguimento a mulheres tratadas com cirurgia conservadora e radioterapia


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Quadro IV

Classificação das mamografias e ecografias mamárias
R0 - Mamas muito densas, praticamente impenetrável ao Rx
R1 - E1 - Exame não patológico
R2 - R2 - Exame com sinais de patologia benigna
R3 - E3 - Exame com aspectos patológicos duvidosos
R4 - E4 - Exame com sinais patológicos suspeitos de malignidade
R5 - E5 - Exame francamente suspeito de malignidade

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Quadro V

Interpretação das mamografias
Calcificações mamárias benignas
* Leite de cálcio
* Pipoca
* Calcificação das paredes artérias
* Calcificação em casca de ovo
* Calcificação em cicatriz operatória
Sinais directos de malignidade
* Nódulo ou opacidade de contornos irregulares ou mal definidos e boa densidade
*Microcalcificações:
- Forma - Polimorfas, lineares, arborescentes, espiculadas, bifurcadas
- Dimensões - Variáveis, microcalcificações
- Densidade - Variável
- Número - múltiplas
- Distribuição - agrupadas e unilaterais
- Forma do conjunto - irregulares
- Aspecto do tecido mamário onde se projectam as calcificações com distorção ou condensação

Sinais indirectos de malignidade
* Alterações cutâneas
* Alterações do mamilo e aréola
* Aumento da vascularidade próximo da lesão
* Dimensão clínica maior que a radiológica


Todos os nódulos isolados ou com alterações recentes devem ser referenciados.

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Quadro VI

Quando referenciar
1. todas as mulheres com um nódulo isolado
2. corrimento mamário acima dos 50 anos ou abaixo dos 50 se hemático, persistente ou incomodativo
3. mastalgia que interfere com o dia-a-dia da mulher após instituição da terapêutica correcta
4. retracção ou distorção do mamilo, mudança de cor ou eczema
5. a pedido de uma mulher com história familiar pesada
6. nodularidade persistente após revisão pós-menstruação

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Quadro VI

Quando não referenciar
* mulheres com dor cíclica , bilateral ou com dor unilateral sem nódulo
* mulheres com corrimento mamário por múltiplos ductos não hemático
* Mulheres ansiosas acerca do risco de neoplasia da mama mas com não mais de um membro da família com neoplasia da mama, a não ser se esse membro for a mãe ou irmã
* Mulheres abaixo dos 40 anos com ansiedade acerca do neoplasia da mama que querem uma mamografia

O exame físico negativo ou a mamografia negativa não devem impedir a biopsia de uma lesão suspeita detectada quer no exame objectivo quer por mamografia.
A biopsia está recomendada nas seguintes alterações mamográficas: massas estreladas com bordos mal definidos, áreas com microcalcificações anómalas, qualquer distorção da arquitectura do tecido mamário.
Uma massa palpável não deve ser estudada inicialmente com mamografia em mulheres antes dos 30-35 anos. A neoplasia é rara neste grupo etário e o exame não é eficaz devido à densidade mamária.

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Quadro VIII



(Adaptado de Giuliano AE. Bresat Disease. In: Berek JS. Hacker NF, eds. Practical Gynecologic Oncology, 2nd ed.. Williams & Wilkins 1994.)

 

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Quadro IX

(Adaptado de Giuliano AE. Bresat Disease. In: Berek JS. Hacker NF, eds. Practical Gynecologic Oncology, 2nd ed.. Williams & Wilkins 1994.)

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Nódulo mamário na criança

Estudos retrospectivos de doença mamária em raparigas adolescentes revelam que cerca de 54% tem fibroadenomas e 13% tem macromastia. A doença fibroquística ou doença mamária proliferativa ocorre em 24% dos casos. Existem várias situações nas crianças e fonte de grande ansiedade nas mães tais como:
Os seios supranumerários (polimastia) e os mamilos supranumerários (politelia) são relativamente comuns; eles aparecem na linha mamária e são geralmente assintomáticos. Existe uma associação entre politelia e anomalias dos sistemas urinário e cardiovascular. Geralmente a remoção cirúrgica das mamas ou mamilos supranumerários não é necessária, contudo se estes se tornam sintomáticos podem ser excisados.
A hipertrofia mamária bilateral no recém-nascido pode existir como resultado do alto nível de estrógenos circulantes no fim da gestação. Pode estar associada com corrimento mamário conhecido como o «leite das bruxas». A manipulação repetida da glândula mamária pode exacerbar o problema. Por vezes a hipertrofia pode estar associada com mastite provocada por infecção estafilocócica necessitando de antibioterapia.
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Nódulo mamário no homem

É uma patologia rara. O diagnóstico diferencial deve incluir a ginecomastia, infecção, terapêutica com estrógenos, os tumores benignos e malignos. São factores de risco para neoplasia da mama no homem a irradiação, a ginecomastia, a tendência familiar, a síndroma de Klinefelter e as alterações do metabolismo dos estrógenos. Se é unilateral deve ser sempre referenciado.
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Nódulo mamário em mama a amamentar

Durante a amamentação podem aparecer sinais inflamatórios na mama. O organismo geralmente responsável é o Staphilococcus aureus. De inicio a infecção pode ser revertida enquanto se continua a dar de mamar administrando um antibiótico como a dicloxacilina 250 mg 4 x dia durante 7 a 10 dias. Se a lesão progride formando uma massa localizada com sinais sistémicos de infecção deve ser drenado o abcesso e suspender a amamentação.
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Nódulo mamário em mama com prótese

A prevalência do cancro da mama em mulheres com implantes não é maior do que na população em geral.
Mulheres que se submeteram a mastoplastia de aumento com implantes de silicone podem recorrer ao médico de família para exame de rotina e rastreio do cancro da mama ou com nódulos palpáveis. A mamografia convencional acrescida das incidências de Eklund é geralmente suficiente para detectar a maioria das alterações patológicas. A ecografia mamária pode ser realizada como uma técnica auxiliar para caracterizar os nódulos palpáveis ou lesões não palpáveis detectadas na mamografia. Em mulheres com suspeita de ruptura do implante deve ser realizada a mamografia convencional com a incidência de Eklund. Se a observação o justificar pode ser realizada uma ressonância magnética para detectar a ruptura intra ou extra capsular e a migração de silicone para a axila, plexo branquial ou estruturas adjacentes.

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