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Parte IV – Problemas clínicos
4.11. Abordagem do paciente com problemas no aparelho genital

354. Hidrocelo e Varicocelo
Abílio Malheiro

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Baleiras, Sebastião

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1. Hidrocelo

Os hidrocelos são quistos benignos do conteúdo escrotal. Podem ser congénitos ou adquiridos. São muito frequentes e geralmente não necessitam de tratamento. Não são malignos nem se transformam em formações malignas. O seu diagnóstico/avaliação pode ser feito, com facilidade, em Medicina Geral e Familiar.
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Hidrocelo congénito
O hidrocelo congénito, primário ou comunicante, bem como a hérnia inguinal congénita, resultam da persistência do canal peritoneo-vaginal. Através deste canal e durante algum tempo, a cavidade peritoneal fica em comunicação com a membrana vaginal do testículo. Em condições normais, o canal peritoneo-vaginal encerra antes do nascimento. Quando não encerra e a abertura é grande, permitindo a entrada de intestino ou de outro órgão, resulta uma hérnia. Se a abertura é pequena apenas passa fluido peritoneal, resultando um hidrocelo.
Os hidrocelos e as hérnias inguinais congénitas são muito comuns nas crianças do sexo masculino, particularmente em prematuros.
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Diagnóstico / Avaliação
O hidrocelo surge como um aumento difuso da dimensão do saco escrotal, em geral de um só lado. A persistência do canal peritoneo-vaginal faz com que a sua dimensão varie ao longo do dia, enchendo e esvaziando.
Ao contrário das hérnias, os hidrocelos congénitos desaparecem quase sempre no primeiro ano de vida, com o encerramento espontâneo do canal peritoneo-vaginal. Quando o hidrocelo perde a comunicação peritoneal, o seu volume diminui gradualmente com a reabsorção do líquido.
Recomenda-se avaliação periódica do hidrocelo congénito, sem evidência de hérnia indirecta associada, até ao final do primeiro ano de vida.
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Referência
Se ao fim do primeiro ano o hidrocelo persistir ou aumentar, referir para cirurgia pediátrica, antes do saco alargar e se transformar em hérnia.
As hérnias inguinais congénitas, devido à elevada incidência de complicações (irreductibilidade, obstrução-encarceramento), devem ser sempre precocemente referidas.
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Pontos práticos a reter
- Cerca de 90% dos hidrocelos congénitos desaparecem espontaneamente até ao final do 1º ano de vida. Recomenda-se avaliação periódica.
- Referenciar se o hidrocelo persistir para além do 1º ano ou aumentar.
- Referenciar precocemente se existir suspeita ou evidência de hérnia inguinal congénita associada.
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Hidrocelo secundário
O hidrocelo secundário, adquirido ou não comunicante, resulta da desproporção entre a exsudação de fluido lubrificante pelo testículo e a sua reabsorção pela membrana vaginal. Em algumas circunstâncias, como traumatismo ou infecção, mas muitas vezes sem qualquer causa aparente, o saco seroso tem dificuldade em reabsorver o fluido. Como resultado, há acumulação progressiva do fluido no interior do saco, surgindo o hidrocelo.
O hidrocelo secundário é típico do adolescente e do adulto, embora possa também aparecer na criança.
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Diagnóstico / Avaliação
Habitualmente são pequenos e unilaterais. Por vezes atingem grandes dimensões, com 20 ou mais centímetros de eixo maior. Podem ser pequenos de manhã, antes do doente se levantar, aumentarem ao longo do dia e estarem grandes e tensos no final do dia.
Os hidrocelos, ao contrário das massas sólidas, transiluminam quando se aplica uma lâmpada no escroto.
São quase sempre indolores. A sua dimensão pode dar uma desconfortável sensação de peso e de volume, apertado pela roupa que o cobre.
Geralmente o diagnóstico requer apenas o exame físico. Contudo, quando o hidrocelo envolve completamente o testículo, este deixa de ser palpável, sendo necessário recorrer à realização de uma ecografia do escroto.
A maioria dos hidrocelos secundários não necessita de tratamento, embora também não desapareça espontaneamente. Se não causar dor ou se não for muito grande, pode ser deixado sem tratamento e avaliado periodicamente.
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Referência / Tratamento
Critérios de referenciação para urologia para opinião sobre a remoção cirúrgica do hidrocelo:
- dor,
- desconforto inaceitável,
- hidrocelo muito tenso (pode reduzir a circulação e levar a atrofia testicular),
- “aspecto cosmético” mal aceite pelo doente.
As complicações da cirurgia incluem dor, hemorragia e infecção. O risco de recorrência do hidrocelo após cirurgia é de cerca de 1 a 2%. A cirurgia não costuma afectar a produção hormonal e espermática do testículo.
Outros tratamentos do hidrocelo secundário incluem:
- Aspiração do líquido com seringa – técnica que actualmente não tem muitos defensores, pois é elevada a taxa de recidivas e existe risco de infecção;
- Aspiração seguida de injecção de agentes esclerosantes na cavidade do hidrocelo – igualmente não tem muitos utilizadores, pelo perigo de infecção e pelo desconforto que costuma provocar, às vezes permanente.
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Erros / Diagnósticos diferenciais
Os hidrocelos confundem-se frequentemente com os espermatocelos, outras formações quísticas benignas e mais raras do conteúdo escrotal. Os espermatocelos são móveis, com localização póstero-superior em relação ao testículo, transiluminam com facilidade e o seu conteúdo é constituído por esperma morto.
Muito raramente o hidrocelo secundário é causado por cancro ou por uma infecção grave do testículo. Num homem jovem com hidrocelo que surgiu recentemente, deve ser feita ecografia do escroto, dado que o cancro do testículo pode causar um hidrocelo reactivo que oculta a lesão.
Um homem jovem com uma massa testicular indolor e sem transiluminação deve considerar-se como tendo um cancro do testículo até prova em contrário.
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Pontos práticos a reter
- Os hidrocelos transiluminam, as massas não.
- Se o exame físico deixar dúvidas quanto ao diagnóstico deve ser feita uma ecografia do escroto.
- A maioria dos hidrocelos secundários não necessita de tratamento.
- Referenciar se houver dor, volume/tensão relevantes ou dúvida diagnóstica.
- As complicações da cirurgia do hidrocelo são: dor, hemorragia e infecção.16

Quadro I

Classificação dos hidrocelos

HIDROCELO Classificação
CID 10 CID-9-MC* CIPS-2 Def. ICPC
Hidrocelo congénito P83.5 778.6 603 Y86
Hidrocelo enquistado N43.0 603.0 603 Y86
Hidrocelo infectado N43.1 603.1 603 Y86
Outros tipos especif.s de hidrocelo N43.2 603.8 603 Y86
Hidrocelo não especificado N43.3 603.9 603 Y86

*1999
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2. Varicocelo

Chama-se varicocelo à dilatação varicosa das veias que provém do testículo (plexo venoso pampiniforme e veia espermática), por refluxo e estagnação do sangue.
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Epidemiologia
Geralmente surge nos rapazes em início de puberdade, embora possa aparecer mais cedo. É muito frequente, estimando-se que cerca de 15 a 20% da população masculina com mais de 15 anos tenha algum grau de varicocelo. 
Na maior parte dos casos não provoca qualquer problema, mas num número significativo de homens pode provocar diminuição da fertilidade. Cerca de 30 a 40% de todos os homens inférteis têm varicocelo. De facto, o varicocelo é a causa mais frequente de infertilidade masculina. Felizmente é também a mais tratável. O motivo pelo qual o varicocelo leva à infertilidade permanece mal esclarecido. Apesar de diversas teorias avançadas, a mais provável é que o sangue refluído para o testículo seja mais quente, o que perturba a produção espermática testicular. A única certeza acerca do varicocelo é que, quando operado, a espermatogénese e a motilidade dos espermatozóides geralmente melhoram.
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Diagnóstico / Avaliação
O varicocelo raramente é sintomático. Quando acontece, geralmente o sintoma dominante é a dor ou a moinha testicular. Habitualmente surge depois de períodos prolongados na posição de pé ou depois de marchas prolongadas. Raramente ocorre na cama ou de manhã, depois de acordar.
A maior parte das vezes o varicocelo ocorre no testículo esquerdo, devido à diferença de anatomia entre as veias que drenam os dois testículos (no lado esquerdo, a veia espermática é mais comprida e entra na veia renal esquerda, que tem elevadas pressões no seu interior; no lado direito, a veia espermática é mais curta, entrando directamente na veia cava inferior, que tem baixas pressões no seu interior).
Um varicocelo pode ser descoberto pela primeira vez durante um exame físico, quando se pede ao rapaz ou ao homem que, na posição de pé, tussa ou realize a manobra de Valsalva. Se existir varicocelo, a pressão intra-abdominal produzida pela tosse ou pela manobra de Valsalva transmite-se às veias testiculares dilatadas e pode ser sentida no escroto.
O doente deve ser examinado deitado e de pé. À palpação, o varicocelo é descrito classicamente como “um saco de minhocas” de localização póstero-superior em relação ao testículo.
Por vezes, o varicocelo é tão pequeno que não se detecta ao exame físico. É o chamado varicocelo mínimo ou “infra-clínico”. Para a sua detecção é necessária a realização de exames complementares de diagnóstico – o ecodoppler colorido e/ou a termografia. O primeiro tem uma sensibilidade igual à do segundo (97%), mas tem uma especificidade muito maior (94% para 9%). Segundo alguns autores, o ecodoppler colorido é sugerido como exame de rotina a realizar em homens inférteis.
Sempre que o varicocelo é diagnosticado no adolescente ou no homem jovem, deve ser feito um espermograma. Um varicocelo que cause problemas de fertilidade geralmente provoca um espermograma com diminuição da quantidade de espermatozóides e o chamado “padrão de stress”, isto é, numerosas formas imaturas, imóveis e mortas.
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Referência / Tratamento
Se os sintomas do varicocelo são ligeiros ou moderados, é recomendável o apoio testicular com um suspensor escrotal ou, pelo menos, com o uso de “slips” justos, embora não apertados. Com estas medidas, a dor pode melhorar. Se isso não suceder, pode ser necessário utilizar anti-inflamatórios orais.
Referenciar sempre, para opinião urológica, os varicocelos puberais e pré-puberais, dado que podem provocar hipotrofia testicular.
Referenciar também, para opinião de urologia sobre tratamento cirúrgico, os varicocelos em que a dor testicular é intensa e persistente (casos raros) ou quando o espermograma apresenta baixa contagem e um “padrão de stress”.
O risco da cirurgia é muito baixo, incluindo complicações anestésicas e infecção da parede abdominal. O hidrocelo é uma das complicações mais frequentes e, se não desaparecer espontaneamente, pode necessitar de uma cirurgia complementar.
A taxa de recidiva do varicocelo após cirurgia é de 5%.
O aparecimento súbito de um varicocelo à esquerda num idoso, levanta a possibilidade da existência de um tumor renal que provoca a oclusão da veia espermática.
Um varicocelo à direita leva a considerar a possibilidade de obstrução da veia cava inferior.
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Pontos práticos a reter
- O varicocelo é a causa mais frequente de infertilidade masculina. Felizmente é também a mais tratável.
- Raramente é sintomático. Se houver sintomatologia, predomina a dor ou a moinha testicular.
- A maior parte das vezes ocorre no lado esquerdo.
- O varicocelo sente-se como “um saco de minhocas” superior e posterior ao testículo, com o doente de pé (pode ser necessário mandar tossir ou realizar uma manobra de Valsalva).
- Referir sempre os varicocelos pré-puberais e puberais, dado que podem provocar hipotrofia testicular.
- Referir os varicocelos em que a dor é intensa e persistente (casos raros) ou, quando o espermograma apresenta baixa contagem e um “padrão de stress”.
- O hidrocelo é uma das complicações mais frequentes da cirurgia do varicocelo.

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Quadro II

Classificação do varicocelo

VARICOCELO

Classificação

CID 10 CID-9-MC* CIPS-2 Def. ICPC
Varicocelo, varizes escrotais I86.1 456.4 459 K99

*1999
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Bibliografia
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