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Parte IV – Problemas clínicos
4.13. Abordagem do paciente com problemas de saúde mental
399. Comportamentos aditivos
João Batalheiro
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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O abuso de substâncias relaciona-se com o consumo ilícito ou com a sua utilização inadequada ou perigosa para a saúde do consumidor. Os comportamentos aditivos caracterizam-se pela compulsão para a utilização de substâncias ilícitas ou não e/ou pela incapacidade de controlar o seu consumo, apesar das consequências negativas para a saúde dos consumidores.
A adição é um caso particular da dependência. Esta resulta do sofrimento físico e/ou psíquico quando o utilizador pára o consumo de uma substância.
O consumo crónico de uma substância leva geralmente ao aumento da dose para obter o mesmo efeito, ou seja, à habituação.
As pessoas com problemas de adição temem mais a falta do produto do que a destruição das relações interpessoais, o desemprego ou a doença. Tornam-se manipuladoras e simuladas no convívio com os outros, vivendo apenas para a aquisição e consumo diários da substância.
As drogas ilícitas mais usadas pelos portugueses são o haxixe, a heroína, a cocaína e o «ecstasy».

O haxixe é uma pasta de resina obtida a partir do cânhamo. Tem cor castanha e é vendida sobre a forma de placas "chocolate". É geralmente fumada misturada no tabaco depois de ter sido aquecida - "charro". Provoca desinibição, desconcentração, sonolência e às vezes euforia. O consumo crónico e em quantidades excessivas conduz ao síndroma amotivacional caracterizado por perda de iniciativa, diminuição da concentração e da capacidade de decisão.
A heroína é obtida a partir do ópio e comercializada sob a forma de um pó castanho acizentado - "brown". Pode ser inalada - "chinesa" ou injectada na veia - "chuto". Provoca euforia e bem-estar seguida de sedação e conduz rapidamente à dependência física e psíquica.

A cocaína é extraída das folhas da coca e tem o aspecto de pó branco - "branca". Pode ser inalada, fumada ou injectada na veia. Conduz rapidamente a um estado de euforia e a sua actuação rápida provoca grave dependência psíquica. Provoca alterações da personalidade, depressão, indiferença, perturbações da memória e sintomas psicóticos que podem conduzir ao suicídio.
O «Ecstasy» é uma anfetamina comercializada em algumas discotecas. Provoca aumento de energia e desinibição. Em doses excessivas tem o risco de desidratar o consumidor provocando arritmias e alucinações.
As drogas lícitas mais consumidas em Portugal são o álcool, as benzodiazepinas e a nicotina.

O álcool é extraído das uvas e da sua fermentação resulta em vinho e bebidas destiladas. Do lúpulo do milho obtém-se a cerveja e o uísque. Tem efeito estimulante e desinibidor em pequenas quantidades, provoca depressão e por vezes pânico após a ingestão de grandes quantidades. Dá habituação e o consumo abusivo conduz a síndroma de abstinência físico e psíquico. É responsável por acidentes de trabalho e de viação, actos de violência familiar, incluindo abuso de menores e negligência.
A nicotina obtém-se a partir das folhas do tabaco, é fumada e pode ser mastigada. Dá rapidamente dependência psicológica e física porque tem acção rápida e um efeito quase instantâneo, dez minutos, a nível cerebral; produz múltiplos reforços positivos (aumenta a concentração e o humor, diminui o apetite e o peso); a quantidade de nicotina pode ser controlada pela forma como se fuma o cigarro. 
A maior parte dos distúrbios provocados pelo tabaco estão relacionados com carcinógenos e monóxido de carbono no fumo do cigarro. A dependência do tabaco raramente provoca problemas psico-sociais e intoxicação aguda. O início médio da idade ronda os quinze anos. O síndroma de abstinência caracteriza-se por ânsia pelo tabaco, desejo de doces, aumento da tosse, diminuição do desempenho nas actividades da vida diária nas vinte e quatro horas após a privação da nicotina. Os sintomas duram quatro semanas, a irritação e ânsia duram seis meses. Pode esconder psicopatologia, depressão, doença bipolar, alcoolismo. 

As benzodiazepinas são produtos farmacêuticos de síntese que provocam desinibição, sedação, relaxamento muscular, tranquilidade, que variam com o tipo de benzodiazepina utilizada. Alguns consumidores usam-na misturada com álcool - "drunfo".
Provocam dependência psíquica e física quando utilizadas em sobre dosagem e o uso é prolongado.

A maior parte do consumo das drogas começa na adolescência pelas características próprias desta etapa da vida humana. Nos jovens escolarizados os sinais que devem alertar os pais são o insucesso escolar e o afastamento do grupo de amigos até aí habitual. O consumo de drogas pode surgir por problemas interpessoais, familiares, socio-laborais ou pela simples curiosidade ou rituais de iniciação juvenis. Nos jovens adultos o abuso de substâncias pode esconder doenças psiquiátricas desde a patologia do humor, às psicoses, patologia da ansiedade e perturbações da personalidade. No entanto, o consumo crónico de substâncias aditivas pode provocar também problemas psiquiátricos. 

Quase todos os médicos de família que trabalham nos centros de saúde já foram confrontados com um pedido de ajuda para a "cura". A agressividade e o imediatismo destes pacientes provocam sentimentos de repulsa e frustração por parte dos médicos perante a sensação de incapacidade para os tratar. Outras vezes estes doentes são acompanhados pelos pais ou pelo cônjuge na esperança de encontrarem resposta à sua angústia, desorientação e impotência. Algumas vezes são os próprios familiares que procuram o médico para avaliar a atitude deste em relação à doença. Muitas vezes surge o próprio toxicodependente pedindo medicamentos para a sua cura.
Em qualquer das situações o médico deve ouvi-los, reconhecer o problema e a motivação do paciente, do familiar ou de ambos, assegurar o seu acompanhamento, mesmo que o referencie para outro colega ou, instituição, particularmente o Centro de Apoio a Toxicodependentes ou Centro Regional de Alcoologia. Deve participar e organizar um programa terapêutico que inclua, conforme as necessidades o apoio de um psiquiatra, um psicólogo, um enfermeiro, um assistente social e um familiar ou alguém que se responsabilize pelo acompanhamento do doente em ambulatório. Desta forma a maioria dos doentes e familiares cedem no imediatismo e percebem que o médico pode e sabe ajudá-los. Quando os pacientes, geralmente aqueles que vêm acompanhados pelos familiares, negam o consumo de drogas, existem dois testes simples fáceis de aplicar e eficazes que devem ser executados a sós com o paciente e que permitem o diagnóstico da situação. São eles o CAJE para o alcoolismo e o questionário elaborado por Rost e colaboradores (ver 399). Estes questionários ajudam o paciente a expressar-se verbalmente e demonstram que o médico se preocupa com a sua concordância para o tratamento. Existem análises de urina que permitem a pesquisa de drogas mas, nesta primeira fase, podem provocar no doente o abandono da consulta. Mesmo que na entrevista se conclua que o doente não quer iniciar o tratamento este deve ser alertado para os perigos do consumo da substância e das consequências negativas para a sua saúde. É preciso compreender que o doente estabeleceu uma relação afectiva com a droga e que a paragem do consumo poderá criar um estado de euforia mas também uma sensação de vazio e de perda. O doente terá que aprender a reencontrar-se consigo próprio e reconciliar-se com os outros e reinserir-se sócio-profissionalmente. Terá que entender que o tratamento da abstinência física é o primeiro passo num processo terapêutico difícil e geralmente prolongado. A duração deste processo depende dele apoiado por um grupo de profissionais disponíveis e atentos. Para o médico de família o consumo elevado das consultas diárias tornem-lhe difícil gerir o tempo disponível. Mas o tempo médio de uma entrevista deste tipo demora cerca de quinze minutos mais ou menos cinco minutos e estes pedidos de consulta de desabituação de substâncias variam entre um a seis por semana. Mesmo quando não há tempo se o médico marcar pessoalmente a consulta para outro dia dá alguma segurança à maioria das pessoas incluindo os toxicodependentes.
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