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Documento
de trabalho última actualização em Dezembro 2000 |
Contacto para comentários e sugestões: Silva, Pedro Ribeiro |
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Considerações Gerais Sempre que a homeostase familiar é perturbada, o doente e a sua família devem ser tratados em conjunto, segundo a epistemologia sistémica. Parafraseando Henry Richardson, “a família é a unidade da doença porque é a unidade da vida”. Família, é aqui entendida como o espaço e o modo inter-relacional, de um conjunto de pessoas que vivem juntas, entre as quais existem, de modo repetitivo, interacções circulares. Assim, os comportamentos de um membro afectam todos os outros. Cada sistema familiar apresenta as seguintes características: - estruturais: elementos, limites, reservatórios e comunicações; - funcionais: homeostasia e sua ruptura, mudança e adaptação familiar, doente designado e informação retroactiva. Os sub-sistemas familiares (elementos da família) são definidos pelos seus limites. Estes dependem de regras que decidem “quando, quem e como”. Os elementos do sistema familiar mudam com o tempo, o que altera as estruturas, os processos de controlo, o “feedback” e a calibração. Quando os limites se tornam disfuncionais, surge a patologia. Todas as famílias passam por crises familiares, i.e., períodos de tensão e conflito, que surgem periodicamente na sua vida. São frequentes nas mudanças de fase do ciclo de vida familiar (CVF) - conceito proposto por Ruben Hill e Evelyn Duvall em 1948, que descreve a sucessão das fases que a unidade familiar atravessa, desde a sua constituição até ao seu desaparecimento (ver 26). Esta noção foi revitalizada nos anos 70 por Bowen (1978), Erickson e Haley (1973), Satir (1972), Carter e Macgoldrick (1980). Uma crise causa ruptura temporária da homeostase familiar, tornando-se necessário reorganizar as interrelações e descobrir novas regras de funcionamento familiar, visando um novo equilíbrio que, se não for alcançado, poderá fazer surgir uma doença. Na história de uma família, há sempre crises “previsíveis“ (por exemplo, a adolescência e a reforma) e crises imprevisíveis (por exemplo, mortes acidentais, desemprego, doenças). Perante uma crise, é frequente, a família não conseguir ultrapassá-la, procurando então a ajuda de um terapeuta, por sua iniciativa ou por influência de terceiros. A intervenção na família, segundo Doherty W. e Baird MA, “ Family Therapy and Family Medicine”, Guilforde Press, Nova Yorque, 1983, pode ocorrer em cinco níveis: – intervenção familiar esporádica; – informação e aconselhamento da família; – apoio familiar e social; – abordagem sistémica da família visando a resolução de problemas, com planeamento de intervenções; – terapia familiar (TF). 2 Definição de Terapia Familiar (TF) A TF não tem uma definição precisa e única, mas a conceptualização sistémica é comum a todas as variantes. Destas, umas têm cariz psicanalítico, outras comportamentalista ou existencialista. Em todas, porém, é essencial a constituição de um sistema original, o sistema de referência: o sistema terapêutico. Segundo Minuchin, o terapeuta deve-se afiliar ao sistema familiar, aceitando a organização e a cultura da família, num processo bilateral. Inicialmente, a TF surgiu com o objectivo de acalmar e evitar as crises. Actualmente, a TF ajuda a ter uma vivência da situação de crise, tornando-a num momento de crescimento e de opção. A TF não pretende mudar a estrutura intra psíquica da personalidade, mas sim transformar as relações entre os elementos da família e reactivar as competências familiares. A TF assenta nas seguintes premissas: - o indivíduo é um sistema aberto, capaz de auto regulação, com trocas contínuas com o meio; - a troca entre o indivíduo e o meio é sempre de energia e de informação, implicando retroacção e circularidade; - a concepção dos processos mentais tem um papel de metafunção, relativamente às modalidades de funcionamento e organização do indivíduo; depende da relação do indivíduo com o meio; sendo o indivíduo indissociável do meio, co-evoluindo com ele. 3 Escolas de TF Há diversas escolas ou correntes de TF das quais se destacam: TF Via Terapêutica A TF significa a realização de consulta por um técnico formado nesta disciplina, o qual estabelece uma relação significativa com a família. O objectivo terapêutico deste tipo de consulta é, em última análise, o de provocar uma ou várias mudanças, cujo efeito a curto, médio ou longo prazo, será o de tornar a família suficientemente competente para resolver as dificuldades que desencadearam o sofrimento do sistema e dos seus membros, e principalmente encontrar uma alternativa à produção de sintomas. Os três princípios fundamentais desta corrente são: - a confrontação entre os membros da família; - a acção directa sobre as relações; - o reforço da competência familiar. Com base nestes três princípios fundamentais surgiram diversas vias terapêuticas, consoante o tipo de conceitos e métodos que adoptam: – Via Estrutural, desenvolvida por Salvador Minuchin, salienta as mudanças da estrutura do sistema familiar, realçando as fronteiras, as alianças e as coligações; – Via Estratégica, definida por Selvini e Palo Alto, inclui a relação terapêutica e as relações intra familiares na perspectiva de relações de poder; – Via Psicanalítica, permite reconhecer e interpretar os movimentos transferenciais e contra-transferenciais, que se instauram entre os membros da família e o terapeuta; – Via Comportamentalista, baseia-se na óptica sistémica, nos princípios teóricos e terapêuticos do modelo “behavorista“ e nas noções do comportamento e da aprendizagem; - Via Transgeracional, privilegia as relações “verticais” (intergeracionais) consideradas mais poderosas do que as relações “horizontais“. Tem duas vertentes: a) Via contextual, de Boszermenyi-Nagy, que explora o comportamento patológico de um membro ou o sofrimento de toda a família; analisa as relações nas suas quatro dimensões (existencial, psicodinâmica, transaccional e ética); b) Modelo de Bowen, que analisa os processos de propagação transgeracional e o grau de diferenciação do “self”. TF Formas de Aplicação - TF com a Família Nuclear é a dimensão mais corrente deste tipo de intervenção, contando com duas gerações: pais e filhos. - TF com a Família Alargada, com a participação da família alargada a três gerações. - Terapia de Casal. - Terapia Multifamiliar, onde se reúnem várias famílias. - Terapia Multiconjugal. - Terapia de Rede, onde a intervenção é feita não apenas na família, mas com outros sistemas relacionados com a família. - Psicoterapia Individual de Orientação Sistémica, onde um indivíduo é tratado com base na teoria sistémica, “através” do elemento que vem à consulta. Cada uma destas diferentes formas de TF tem as suas indicações próprias. Mas tal como Bateson consideramos que independentemente da forma o importante é saber “PENSAR SISTÉMICO” ao longo da relação terapêutica. 4 Aptidões que o terapeuta familiar deve reunir - saber entrevistar famílias ou membros de famílias que manifestem grande dificuldade de empenhamento no processo terapêutico; - elaborar e testar hipóteses sobre as dificuldades e os padrões de interacção; - induzir um conflito em escalada na família para quebrar um impasse familiar; - manter a neutralidade perante fortes pressões familiares ou do exterior; - “aliar-se temporariamente” a um membro da família; - manejar, construtivamente, uma forte resistência à mudança da família; - ser capaz de lidar com emoções intensas nas famílias e no “self”; - negociar relações de colaboração com outros profissionais que trabalhem com a família, mesmo quando estes têm relações conflituosas entre si. 5 Entrevista Familiar O instrumento da TF é a entrevista familiar, i.e., uma forma de explorar o contexto familiar em interacção e de visualizar as conexões entre os membros da família, através da comunicação. O terapeuta familiar funciona como catalisador. Com as suas técnicas e conhecimentos, estimula a competência das famílias, diminui a ansiedade familiar, melhora os conhecimentos e as soluções, cria condições para a mudança. Uma Entrevista Familiar é composta pelas seguintes fases: - Fase prévia ou social, durante a qual se estabelece o primeiro contacto com a família. O TF deve fazer sentir confortáveis todos os elementos da família e estar atento às comunicações verbais e não verbais. Visando a “co-participação” com a família, o TF deve usar a mesma linguagem que a família e mostrar respeito pelas regras, cultura e estética familiar. - Fase da entrevista propriamente dita ou da definição do problema, momento durante o qual o TF vai investigar o que cada elemento da família pensa sobre o problema, sobre os outros elementos e sobre a família no global, suas fronteiras intra e extra-familiares. É fundamental que nesta fase todos os elementos da família expressem a sua posição. É também ao longo desta fase que se pergunta o tempo de duração do problema e resoluções já tentadas e seus resultados. - Fase de intervenção ou interactiva, durante a qual se explora a estrutura familiar, se clarificam as regras de interacção entre os elementos e subsistemas da família. É durante esta fase que se pesquisam a existência de coligações, de alianças e se rectificam as formas de comunicação dos elementos da família entre si. Contrariamente ao ocorrido até esta fase, nesta parte da entrevista familiar, o TF incentiva os diálogos entre os vários elementos da família. Nesta fase podem ocorrer momentos de elevada tensão emotiva, serem feitas referências a outros problemas da família. O TF deve estar atento a fim de controlar as tensões emocionais e ainda que guarde as referências a outros problemas, não deve na primeira entrevista sair do problema que trouxe essa família à terapia. - Fase pós-sessão ou de redefinição do problema/sintoma. Nesta fase, há uma compreensão sobre a forma como o sintoma surgiu e se manteve. O TF pode neste momento inserir o sintoma no contexto familiar, dando-lhe um sentido diferente, pode apontar caminhos de mudança e valorizar as competências da família para alcançar a resolução do problema. É nesta fase que se delineia a continuação da terapia familiar iniciada. Resumindo as fases que compõem uma ENTREVISTA FAMILIAR (Quadro I):
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O espelho unidireccional e a gravação de sessões em «video-tape» são dois elementos que se usam em TF. Permitem analisar as repercussões da entrevista na família e a interacção que se produziu entre a família e o terapeuta. Bullock D. e Thompson B. “ Guidelines for family interviewing and brief therapy by the family physician”, J. Fam. Pract., 9:837, 1979. Eshet I, Margalit A, Almagor G, “SFAT-AM: Short Family Therapy in Ambulatory Medicine. Treatment Approach in 10-15 Minute Encounters", Family Practice, 1993, 10, 2, 178-86. Família: Saúde e Doença. Daniel Sampaio e Teresa Resina. Instituto Clínica Geral da zona Sul. Family therapy skills for general practinioners. Lívia Jackson, Miriam Tisher. Australian Family Physician, vol.25, nº 8, August 1996:1265-9. Family Therapy. Peter Steinglass, MD. Psychoterapies, cap 31, 1838-47. Health problems in family practice. Thorsteinn Njalsson, Jóhann A, Sigurdsson and Ronald G McAuley. Scand J Prim Health Care 1996; 4-12. Livre de L’aproche thérapeutique de la famille, G. Salem, Ed. Masson, Paris. Minuchin S. “Families and family therapy”, Harvard University Press, Cambridge, 1974. Minuchin, S. Familles en thérapie. Editions universitaires. Jean-Pierre Delarge. Paris 1979. Minuchin, S; Fischman, HC. Técnicas de Terapia Familiar. Ediciones Paidos, 1984. Terapia Familiar Breve:una opcíon para el tratamiento de los transtornos somatoformes en atención primaria. M. Real Pérez et al, Atencion Primaria, vol 17, nº 4, 15 de Marzo 1996, 241-19-26. Terapia Familiar Médica. Susan H McDaniel, Jeri Hep Worth, William J Doherty. Training for systemic general practice: a new approaach from the Tavistock Clinic. Jonh Launer, Caroline Lindsey. British Journal of General Practice, July 1997, 453-6. Transmorming Narratives: A Change Event in Constructivist Family Therapy. Robin Coulehan; Myrna L Friedlander, Laurie Heatherington. Fam Proc, vol 37, Sring 1998, 17-33. Watzlawick, P; Helmich JB; Jackson DD. Une logique de la communation. Editions du Seuil, 1972. Working with the family in primary care. Christie – Seely |