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Parte IV – Problemas clínicos
4.13. Abordagem do paciente com problemas de saúde mental
408. Psico-fármacos – utilização racional
José Augusto Simões
João Amílcar Teixeira
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Silva, Pedro Ribeiro

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Introdução
Os psico-fármacos (fármacos psicotrópicos ou psicoactivos) são fármacos com predomínio de acções sobre o psiquismo, as emoções, as atitudes mentais e o comportamento dos doentes, daí resultando as suas potencialidades terapêuticas.
Os psico-fármacos são valiosos sobretudo no tratamento da doença mental. Não são, contudo, um substituto do tratamento psicológico e dos cuidados sociais; os melhores resultados são muitas vezes alcançados com uma combinação de todas estas abordagens.
As doenças psiquiátricas graves serão as que melhor respondem a estes fármacos, mas a medicação pode ser menos eficaz para casos ligeiros, perturbações da personalidade e do comportamento e reacções ao stress.
De facto, vários trabalhos puseram em evidência uma banalização do uso de psico-fármacos, particularmente no que se refere a benzodiazepinas e a anti depressivos.
Alguns estudos realizados em Portugal sobre prescrição de psico-fármacos em Clínica Geral evidenciaram que uma percentagem elevada (25 a 39%) de pessoas receberam uma ou mais prescrições de psicotrópicos, sobretudo as mulheres e pessoas com idade igual ou superior a 40 anos. Os fármacos mais prescritos foram os tranquilizantes/hipnóticos seguidos pelos anti depressivos.
De uma forma genérica a doença depressiva tratada com antidepressivos pode levar quatro a seis semanas a melhorar. No entanto, o uso de doses subterapêuticas de antidepressivos é um erro comum, esta terapêutica se eficaz, deve ser mantida durante vários meses para prevenir recaídas.
Por outro lado, as benzodiazepinas para a ansiedade e insónia só devem ser dadas durante poucas semanas, por causa do risco de tolerância e dependência.
Contudo, o lítio como profilaxia da perturbação afectiva e os antipsicóticos como tratamento de manutenção da esquizofrenia são normalmente mantidos por vários anos e, por vezes, são necessários por toda a vida.
A medicação oral é a regra. Existem fórmulas líquidas mais fáceis de tomar por alguns doentes e mais difíceis de “esconder” para os não cooperantes. E injecções intramusculares, que incluem as de acção imediata, por exemplo, haloperidol 10 mg, para a agitação grave em doentes psicóticos e as preparações de acção retardada («depot») nas quais o princípio activo se liberta lentamente, por exemplo, haloperidol decanoato 100 mg, todas as três-quatro semanas para manter a esquizofrenia crónica em remissão. As injecções intravenosas são raramente usadas e não são seguras com alguns psico-fármacos.
Todos os fármacos eficazes têm efeitos colaterais. Os doentes idosos, as mulheres grávidas ou a amamentar e os pacientes com doença médica estão em maior risco de apresentar efeitos adversos. Muitos psicotrópicos interagem com outros fármacos ou com o álcool e diminuem a capacidade de conduzir veículos. A tolerância e/ou dependência raramente causam problemas, excepto com as benzodiazepinas, mas os doentes estão muitas vezes desnecessariamente preocupados sobre “tornarem-se dependentes” relativamente a outros psicotrópicos, especialmente os antidepressivos. Os doentes com ideação suicida podem usar os psico-fármacos para esse fim. 
O custo financeiro do tratamento com estes fármacos é outro factor a ter em conta, embora possivelmente menor do que o custo a suportar por um tratamento inadequado da doença mental.
Quanto à adesão ao tratamento note-se que muitos doentes tomam a medicação irregularmente ou não a tomam, facto para o qual o Médico não está muitas vezes alertado. A adesão pode ser melhorada utilizando regimes posológicos simples, de preferência com um só medicamento, tomado uma vez por dia.
Para além disso a prescrição dos fármacos deve ser sempre acompanhada de uma explicação clara e de uma discussão sobre a necessidade da medicação, porque é que um determinado composto foi escolhido, os benefícios e riscos prováveis e os efeitos desejados e não desejados. Estas conversas, breves, são muito valorizadas pelos doentes e têm demonstrado melhorar a adesão ao tratamento. Os folhetos escritos são também úteis.
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Neurolépticos
Os neurolépticos (antipsicóticos, tranquilizantes major) melhoram especialmente sintomas como ideias delirantes e alucinações, apresentando também uma acção sedativa. A clorpromazina foi o primeiro, nos anos 50, inicialmente introduzida como um anti-histamínico. Outros compostos estão actualmente disponíveis (Quadro I).

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Quadro I

Fármacos neurolépticos

Nome genérico
Clorpromazina
Clozapina
Flufenazina decanoato *
Flupentixol
Flupentixol decanoato *
Fluspirileno *
Haloperidol
Haloperidol decanoato *
Levomepromazina
Loxapina
Metilperona
Olanzapina
Perfenazina
Pimozide
Risperidona
Sulpiride
Tioridazina
Zuclopentixol
Zuclopentixol decanoato *
Zuclopentixol acetato **

* = injecção intramuscular de acção retardada (dépôt)
** = injecção intramuscular de acção média

As suas principais indicações são a esquizofrenia, a mania, o comportamento muito agitado ou violento associado a alguma perturbação psiquiátrica ou síndrome cerebral orgânica, eventualmente na ansiedade que não respondeu a outros tratamentos, e na medicina geral como antieméticos e para potenciar analgésicos e anestésicos.
Vulgarmente dividiam-se os neurolépticos em dois grandes grupos: os de mais alta dosagem e normalmente mais sedativos e também com mais efeitos anticolinérgicos e menos efeitos extrapiramidais (de que a Clorpromazina poderia ser o paradigma);e os de baixa dosagem e mais potentes (“incisivos”) em que só os efeitos extrapiramidais são mais intensos (de que o Haloperidol poderia ser o exemplo). Contudo, haverá pouca diferença na eficácia clínica destes fármacos; as diferenças serão notórias no que respeita aos efeitos secundários. Actualmente assistimos ao aparecimento de novos antipsicóticos, “atípicos”, onde se pode incluir a Clozapina. É usada habitualmente para casos resistentes que não responderam ao tratamento com fármacos de primeira linha, mas tem risco de agranulocitose, o que exige controle regular do hemograma. Entre outros “atípicos”, a risperidona e a olanzapina, com fortes propriedades antipsicóticas e poucos efeitos extrapiramidais.
Uma psicose aguda pode ser tratada com medicação oral três a quatro vezes por dia, e/ou com uma preparação intramuscular de acção média. Há um efeito calmante desde o início mas o controlo de ideias delirantes ou alucinações pode levar duas a quatro semanas e muitas vezes a sua acção completa não é visível antes de seis a doze meses. Na esquizofrenia, os sintomas positivos respondem melhor que os negativos.
A esquizofrenia crónica exige frequentemente terapias de manutenção, optando-se algumas vezes por injecções intramusculares de acção retardada (dépôts) de três em três ou quatro em quatro semanas. Estas injecções têm vantagens farmacológicas para alguns pacientes, nos quais a medicação oral é incompletamente absorvida ou sofre uma rápida metabolização hepática. Mas a sua principal vantagem é assegurar medicação regular a um grupo de doentes cuja adesão ao tratamento tende a ser fraca.
Para alguns casos de esquizofrenia que não respondem às doses convencionais de fármacos, os regimes de altas doses podem ser eficazes mas o seu uso é controverso devido ao risco de arritmias cardíacas potenciais. Pode ser preferível mudar para um neuroléptico de grupo químico diferente ou acrescentar um fármaco de outra classe, por exemplo uma benzodiazepina.
Os fármacos antipsicóticos têm um grande potencial de efeitos indesejáveis. Os mais comuns são aqueles que envolvem o sistema nervoso extrapiramidal:
- Distonia aguda, incluindo torcicolo e outras posturas anormais e crises oculógiras.
- Acatisia, com agitacão psicomotora.
- Parkinsonismo, com tremores, rigidez, bradicinesia e sialorreia.
Normalmente os efeitos extrapiramidais respondem a fármacos antiparkinsónicos, tais como biperideno ou trihexifenidilo, mas estes fármacos só devem ser administrados quando necessários, porque podem causar sedação e confusão, exacerbar sintomas psicóticos e efeitos anticolinérgicos. Considera-se que a acatisia responde ao uso de diazepam.
A discinesia tardia é outra síndrome extrapiramidal que se desenvolve em cerca de 20% dos doentes após um tratamento a longo prazo com neurolépticos. Os doentes idosos, do sexo feminino e com lesões cerebrais são os mais afectados. Movimentos involuntários do tipo coreiforme ou atetósicos afectam os músculos orofaciais e muitas vezes os membros e o tronco. Não existe tratamento eficaz, embora paradoxalmente, aumentando a dose do medicamento responsável, se produza alguma melhoria temporária. É preferível a prevenção, que pode ser conseguida usando a dose mínima eficaz.
Outros efeitos indesejáveis dos neurolépticos incluem hipotensão, arritmias cardíacas, boca seca ou salivação excessiva (sialorreia), obstipação, aumento de peso, fertilidade reduzida, depressão da medula óssea, visão nublada, retenção urinaria, impotência, icterícia, «rash», fotossensibilidade e hipotermia, especialmente nos idosos.
A síndrome maligna dos neuroléptícos é uma complicação rara mas potencialmente fatal, produzida pelo uso de fármacos antipsicóticos. Inclui sintomas extrapiramidais graves, hiperpirexia, disfunção autonómica, alterações da consciência, leucocitose e elevação da CPK. Os doentes afectados requerem a imediata suspensão do fármaco e cuidados médicos intensivos.
Os neurolépticos são metabolizados principalmente no fígado. A sua principal interacção é potenciar os efeitos sedativos de outras substâncias psicoactivas, principalmente álcool, anti depressivos e benzodiazepinas. A lesão do fígado é a sua principal contra-indicação. Quanto ao uso na gravidez, nenhum efeito adverso grave foi detectado no feto, no entanto, o seu uso deve ser cauteloso, sobretudo no primeiro trimestre. Os neurolépticos são excretados pelo leite materno em pequenas quantidades. Estes fármacos reduzem ligeiramente o limiar convulsivo, pelo que a sua utilização requer precaução em doentes com epilepsia. Não ocorrem tolerância nem dependência.
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Anti depressivos tricíclicos
Os tricíclicos são fármacos de primeira linha para tratamento da doença depressiva. A imipramina e a amitriptilina são os fármacos do grupo tricíclico utilizados há mais tempo, mas existem outros (Quadro II), tendo alguns uma estrutura tricíclica ou derivada.

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Quadro II

Antidepressivos tricíclicos e outros relacionados

Nome genérico
Amitriptilina
Clomipramina
Dotiepina
Doxepina
Imipramina
Lofepramina
Maprotilina
Mianserina
Nortriptilina
Trazodona *
Trimipramina

* = 2ª geração

As principais indicações destes fármacos são a doença depressiva, a depressão associada com outras patologias psiquiátricas, os estados de ansiedade e perturbações de pânico, a enurese nocturna, e a dor crónica, especialmente a do tipo “neuropático”.
Estes fármacos devem ser iniciados com doses pequenas e aumentados regularmente após alguns dias se bem tolerados. É, quase sempre, utilizada a via oral, existem algumas preparações parentéricas, mas para uso em internamento hospitalar. É, muitas vezes, possível dar dose única diária, o que facilita a adesão terapêutica. Pode haver um intervalo de três ou mais semanas antes de o efeito se manifestar e é essencial alertar os doentes a este respeito, especialmente porque os efeitos colaterais são mais notórios na primeira semana. Alguns doentes, no entanto, começam por melhorar no espaço de dias e não de semanas, o que pode ser devido ao efeito ansiolítico e hipnótico destes fármacos. Contudo, não se aconselha a mudança de antidepressivo, em dose claramente terapêutica, sem se esperar cerca de seis semanas. Mesmo que o episódio depressivo pareça ter desaparecido completamente com o tratamento, o fármaco deve ser continuado na dose terapêutica, pelo menos por mais seis meses antes de ser gradualmente retirado.
É referida uma longa lista de possíveis efeitos indesejáveis, muitos deles devido às propriedades anticolinérgicas dos tricíclicos, mas na prática apenas alguns ocorrem normalmente.
A sedação pode ser benéfica se o paciente dorme mal ou está ansioso, mas pode ser um incómodo durante o dia. Os doentes afectados devem ser advertidos para não conduzir ou utilizar máquinas. A sedação é agravada pelo álcool.
São comuns a boca seca, a visão nublada e a obstipação, e pode ocorrer retenção urinária. A hipotensão postural pode ser limitativa da dose, especialmente nos idosos. Os tricíclicos podem ainda causar confusão nestes doentes ou quando há doença cerebral orgânica. Reduzem o limiar convulsivo, mas este efeito não deve impedir o seu uso nos epilépticos deprimidos, onde os benefícios de um tratamento eficaz compensam de longe o risco de precipitar um ataque.
Menos frequentemente, os tricíclicos, especialmente a amitriptilina, podem causar arritmias cardíacas ou bloqueio cardíaco, precipitando morte súbita em alguns pacientes com doença cardíaca.
Outros efeitos raros, mas potenciais, são o agravamento do glaucoma de ângulo fechado, reacções hepáticas e hematológicas.
O aumento do peso é comum e dissuade alguns doentes de tomar estes fármacos.
Os tricíclicos são metabolizados no fígado. Têm uma interacção aditiva com os inibidores da monoamino-oxidase, com os barbitúricos, com as fenotiazinas, com os anticolinérgicos e anticoagulantes e também com o álcool.
As principais contra-indicações são doença cardíaca, glaucoma e hipertrofia da próstata.
Apesar de se desconhecerem efeitos adversos graves no feto, o uso na gravidez deve ser cauteloso, sobretudo no primeiro trimestre. Os tricíclicos entram em doses muito pequenas na composição do leite materno. A tolerância e a dependência não são um problema na clínica e é importante tranquilizar os doentes sobre esse facto. Contudo, uma brusca abstinência de um tricíclico pode causar náuseas, dores de cabeça, diaforese e insónia.
Os doentes em que a depressão é acompanhada de agitação ou insónia são mais susceptíveis de beneficiar de um dos tricíclicos mais sedativos tais como amitriptilina, dotiepina ou trimipramina, enquanto os doentes com lentificação psicomotora podem ficar melhor sob a acção de fármacos não sedativos como a imipramina, a lofepramina ou a nortriptilina.
O perfil dos efeitos colaterais pode também determinar a escolha do fármaco, especialmente em doentes com perturbações médicas coexistentes. Compostos como a amitriptilina tendem a produzir mais efeitos indesejáveis do que os novos anti depressivos, embora para alguns pareçam ser mais eficazes como anti depressivos.
Se a depressão se mostrar resistente aos tricíclicos pode ser questionado, o aumento da dose, a substituição do anti depressivo, ou a associação com outro fármaco, da mesma ou outra família terapêutica.
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Anti depressivos inibidores selectivos da recaptação da serotonina (isrss)
Os ISRSs (Quadro III) têm visto o seu uso incrementado. No entanto, existe alguma discussão sobre se eles devem substituir os tricíclicos como tratamento de primeira linha para a doença depressiva, com base em vantagens terapêuticas, que nem sempre têm sido sujeitas a um exame crítico.

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Quadro III

Antidepressivos ISRSs

Nome genérico
Citalopram
Fluoxetina
Fluvoxamina
Paroxetina
Sertralina

Ensaios clínicos sugerem que os ISRSs e os tricíclicos são quase idênticos nas suas propriedades antidepressivas, embora alguns doentes respondam melhor a um ou a outro tipo de fármaco. As diferenças radicariam a nível dos efeitos secundários, já que teriam menos efeitos indesejáveis. Especificamente, os ISRSs não provocam efeitos anticolinérgicos, cardiotoxicidade ou aumento de peso. Contudo, podem causar náuseas, diarreia, ansiedade e perda de peso. A diminuição da capacidade de condução é menor do que com os tricíclicos. Têm sido referidos alguns comportamentos violentos ou suicidas, mas se isto representa de facto um risco real, não é claro. Uma vez que os ISRSs são fármacos recentes, não são ainda conhecidos alguns efeitos tóxicos a longo prazo.
As semividas destes fármacos variam, e por exemplo a fluoxetina tem uma semivida longa, isto é uma desvantagem quanto às interacções com outros fármacos.
Os ISRSs são seguros em caso de intoxicação. A maioria dos tricíclicos, com a excepção da lofepramina, é tóxica e deste modo os ISRSs são cada vez mais utilizados em doentes com ideação suicida.
Os ISRSs têm uma margem de variação terapêutica mais estreita e portanto a vantagem de um regime com doses simples, especialmente útil nos idosos. Contudo, o campo mais alargado de dosagem dos tricíclicos também é útil, ao permitir uma dose inicial muito pequena, num paciente susceptível de sofrer efeitos colaterais.
Certos ISRSs são indicados para serem utilizados em perturbações do comportamento alimentar, de pânico e perturbações obsessivo-compulsivas, para além das doenças depressivas.
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Outros antidepressivos
A venlafaxina (um inibidor da receptação da serotonina e noradrenalina ou IRSN), a tianeptina (um estimulante da recaptação da serotonina), a reboxetina (um inibidor selectivos da recaptação da noradrenalina), e a mirtazapina (uma antagonista de alfa-2 adrenorreceptores), são alguns dos antidepressivos novos no mercado.
Os inibidores de monoamino-oxidase (IMAOs), (Quadro IV) praticamente não são usados em Portugal por causa das suas interacções, potencialmente perigosas, com fármacos simpaticomiméticos e alimentos que contenham tiramina (Quadro V). Única excepção é a moclobemida, por ser selectiva para a isoforma A da MAO (inibidor reversível da MAO). No entanto, são eficazes na depressão, ansiedade e estados fóbicos e, por vezes, conseguem respostas em doentes que não reagiram aos tricíclicos.

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Quadro IV

Antidepressivos IMAO

Nome genérico
Fenelzina
Isocarboxazida
Moclobemida
Tranilcipromina

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Quadro V

 lnteracções com IMAOs

Fármacos  Alimentos
ISRSs  Queijo (curado)
Anfetaminas  Vinho tinto maduro
L-Dopa Cerveja (forte)
Fenfluramina  Aves (caça)
Anestésicos locais Peixe fumado
Efedrina  Fígado de frango


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Benzodiazepinas
As benzodiazepinas (Quadro VI) foram largamente prescritas como ansiolíticos e hipnóticos. Durante algum tempo, foram vistas como fármacos contra a neurose, sem efeitos colaterais, em contraste com os seus antecessores, os barbitúricos.

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Quadro VI

Benzodiazepinas

Nome genérico
Alprazolam
Bromazepam
Clobazam
Clorazepato
Clordiazepóxido
Cloxazolam
Diazepam
Estazolam
Flunitrazepam
Flurazepam
Halazepam
Lorazepam
Lormetazepam
Medazepam
Oxazepam
Temazepam
Triazolam



Preocupações com a sua utilização inapropriada, em pessoas com problemas mais sociais e interpessoais do que psiquiátricos e o risco de dependência, levaram ao desencorajamento da prescrição de benzodiazepinas. Têm sido recomendadas como alternativa, terapias psicológicas de controlo da ansiedade.
As principais indicações das benzodiazepinas são o tratamento de curto prazo da ansiedade patológica, tratamento de curto prazo da insónia, estados de abstinência alcoólica, estados epilépticos, espasticidade muscular, pré-medicação anestésica e sedação em doença terminal.
Estão disponíveis muitas benzodiazepinas. Variam em potência e duração da acção, embora sem diferenças terapêuticas significativas. Muitas são metabolizadas no mesmo composto, oxazepam, e são até certo ponto permutáveis. As benzodiazepinas de acção prolongada podem ser dadas numa única dose à noite para se obter um efeito hipnótico imediato seguido de um efeito ansiolítico no dia seguinte. As de acção mais rápida serão mais apropriadas para casos de insónia sem ansiedade no dia imediato ou para ansiedade fóbica relacionada com situações específicas.
As benzodiazepinas, quando utilizadas para a ansiedade ou insónia, são mais eficazes se tomadas quando necessário do que tomadas em regime de doses fixas e por apenas algumas semanas.
Estão disponíveis para emergências em preparações intramusculares, intravenosas e rectais.
As benzodiazepinas têm poucos efeitos indesejáveis nas pessoas jovens e saudáveis, mas os idosos podem experimentar efeitos colaterais, sendo os psiquiátricos e os neurológicos os mais marcantes. Estes incluem confusão, depressão, sonolência, amnésia, inibição do desempenho psicomotor incluindo efeitos na capacidade de condução, ataxia, com risco de queda, disartria e dores de cabeça. Alguns sujeitos experimentam efeitos “paradoxais” como excitação, agressividade e insónia.
As benzodiazepinas potenciam o efeito do álcool e de outros depressores cerebrais.
O uso na gravidez deve ser cauteloso. Numa fase tardia, as benzodiazepinas podem provocar “a síndrome da criança mole” com hipotonia, deficiência respiratória e hipotermia e o bebé pode desenvolver síndrome de abstinência depois de nascer. As benzodiazepinas são excretadas pelo leite materno.
A dependência e a tolerância podem desenvolver-se com o uso regular. A dependência psicológica é comum e a dependência física desenvolve-se em 20% dos sujeitos que tomam benzodiazepinas a longo prazo. Nestes doentes a interrupção súbita do fármaco provoca síndrome de abstinência com insónia, tremores, convulsões, anorexia, vómitos, sudação e caimbras. Esta síndrome, que é mais vezes observada depois da retirada de um fármaco de acção imediata como o alprazolam, o lorazepan ou o temazepam, pode ser confundida com a recorrência da ansiedade original para a qual o fármaco foi prescrito. As síndromes de abstinência podem ser evitadas fazendo uma redução gradual do fármaco, enquanto se introduzem outras estratégias como técnicas psicológicas de controlo da ansiedade. Alguns terapeutas recomendam a reconversão das doses de benzodiazepinas em doentes dependentes para doses equivalentes de benzodiazepinas de longa semivida, como por exemplo o diazepam, as quais podem de seguida ser reduzidas 1 mg por semana durante um período de 1-12 meses.
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Outros fármacos para a ansiedade e insónia
Estão disponíveis várias alternativas às benzodiazepinas, embora todos tenham efeitos indesejáveis.
Os antidepressivos tricíclicos são muitas vezes usados para tratamento da ansiedade crónica ou da ansiedade associada à depressão. São apropriados a amitriptilina, a dotiepina ou o menos tóxico trazodona. Pode ocorrer algum benefício imediato devido à sua acção sedativa e espera-se uma melhoria gradual nas semanas seguintes.
Outras opções incluem os beta-bloqueantes tais como o propranolol, eficaz principalmente para os sintomas físicos da ansiedade; antipsicótícos como a tioridazina em doses baixas, e preparações mais recentes como a buspirona.
Para a insónia, os remédios tradicionais incluem a valeriana e a prometazina, fármacos recentes são o zolpidem e a zopiclona. Os hipnóticos recomendam-se apenas para uso ocasional.
Os barbitúrícos, anteriormente utilizados como ansiolíticos e hipnóticos, antes de as benzodiazepinas estarem disponíveis, são agora obsoletos como fármacos psicotrópicos devido ao alto risco de dependência e alta toxicidade em caso de intoxicação.
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Lítio
O lítio é o mais leve dos metais alcalinos.
As indicações para o seu uso são a profilaxia dos episódios recorrentes de perturbação afectiva, quando estes são suficientemente frequentes ou incapacitantes para justificar um tratamento continuado a longo prazo com fármacos. No passado, o lítio foi utilizado principalmente na perturbação bipolar, sendo eficaz na redução quer da gravidade quer da frequência dos episódios. O lítio é cada vez mais utilizado na profilaxia da depressão unipolar recorrente, no tratamento adjuvante de episódios de mania e depressão, na psicose esquizoafectiva, e até na esquizofrenia, no comportamento agressivo e automutilante.
Embora qualquer um dos sais solúveis de lítio possa ser potencialmente usado, apenas o carbonato e o benzoato estão comercializados. O carbonato de lítio deve ser dado duas a três vezes ao dia para produzir um nível plasmático constante, mas estão disponíveis comprimidos de libertação controlada para uma dose diária. Não existe nenhuma preparação parentérica.
O efeito terapêutico está relacionado com o nível de lítio no sangue (litémia). Níveis de 0,6-1,2 mmol/litro são tradicionalmente recomendados para profilaxia mas alguns doentes são controlados com níveis mais baixos de 0,5-0,8 mmol/litro. Podem ser requeridos níveis mais altos para o tratamento da mania mas os efeitos tóxicos são mais prováveis acima de 1,5 mmol/litro.
O lítio tem uma janela terapêutica muito estreita e existe uma variação individual na dosagem necessária para produzir um dado nível no soro, de modo que devem ser feitas determinações regulares. A medição de lítio no sangue deve ser realizada oito a doze horas depois de tomada a última dose. Recomendam-se litémias semanais durante as primeiras quatro semanas de tratamento, depois mensalmente durante um ano e em seguida trimestralmente. Devem ser efectuadas determinações extra na altura de uma mudança na preparação ou, em caso de sintomas que sugiram toxicidade, doença intercorrente ou prescrição de fármacos adicionais que possam interagir, especialmente os diuréticos.
As funções tiroideia, cardíaca e renal devem ser avaliadas antes de se iniciar o lítio e depois anualmente.
Se o doente permanecer livre da depressão ou mania durante alguns anos, é razoável tentar uma redução gradual do lítio, supondo que a doença teve uma remissão natural.
Os efeitos indesejáveis do lítio são relativamente inofensivos, náuseas, diarreia ligeira, pequenos tremores (que podem ser tratados com beta-bloqueantes), aumento de peso, edema e psoríase.
Sintomas agudos que sugerem intoxicação são vómitos, diarreia, tremor grosseiro, sonolência, vertigens, disartria e arritmias cardíacas. Esta condição é grave. Ao desenvolver-se, o lítio deve ser retirado imediatamente e deve ser colhido sangue para determinação da litémia.
Efeitos a longo prazo, com evolução gradual, são o hipotiroidismo (afectando 3% dos doentes por ano, normalmente reversível quando o fármaco é suspenso e tratável com tiroxina se o lítio for continuado), raramente tirotoxicose, alterações histológicas e funcionais nos rins, com significado, e possivelmente perda de memória e supressão da criatividade, o que é discutível.
Em doentes com insuficiência cardíaca ou renal, doença da tiróide, diabetes insípida, doença de Addison, obesidade ou a realizarem terapêutica com diuréticos ou dietas sem sal, o lítio deve ser utilizado com cautela, em doses baixas e com frequente supervisão. Têm sido referidas alterações neurológicas com a combinação de lítio e haloperidol em altas doses. Usado no início da gravidez é teratogénico, a malformação fetal mais vulgar é a que afecta a válvula cardíaca tricúspida. Esta e outras deformações podem ser detectadas por ecografia. Depois do primeiro trimestre acredita-se que o lítio é seguro e pode ser necessário em mulheres com doença maníaco-depressiva grave, embora o fármaco deva ser suspenso poucos dias antes do nascimento devido ao risco de toxicidade. O lítio é excretado pelo leite materno.
A carbamazepina, largamente utilizada como anticonvulsivante e noutras indicações como dor facial atípica. É uma alternativa na profilaxia da perturbação afectiva, sendo eficaz e melhor tolerada em alguns pacientes que o lítio, tal como o valproato de sódio. São também necessárias determinações regulares dos níveis plasmáticos para se averiguar se estão dentro dos limites terapêuticas. Em casos resistentes, o lítio e a carbamazepina ou o valproato de sódio, podem ser usados em conjunto.

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