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Parte IV – Problemas clínicos
4.14. Abordagem do paciente com problemas dermatológicos

409. Higiene da Pele
Maria Luciana Couto
Ana Maria Miranda

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Lourenço, Rui

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Introdução

A pele sendo a nossa interface vital com o ambiente é o maior órgão do nosso corpo e exerce funções cruciais para a nossa sobrevivência com saúde. Efectivamente previne ou neutraliza a maior parte das agressões físicas, químicas ou biológicas, estende os nossos sentidos (tacto, cheiro, sensação dolorosa e de alteração térmica) e através da sudação promove o controle termoregulador que nos distingue dos animais. As funções da pele podem estar relacionadas com funções específicas da região epidérmica ou dérmica. A epiderme diferencia-se para formar células queratinizadas anucleadas que vão actuar como barreira protectora relativamente impermeável à perda de líquidos corporais para o exterior e à penetração de várias substâncias e microorganismos. Essas lamelas de células queratinizadas da superfície, juntamente com o pigmento de melanina desempenham também um importante papel na protecção contra os efeitos carcinogénicos da radiação ultravioleta. Os dois componentes da derme, o sistema circulatório e anexos cutâneos especializados, as glândulas sudoríparas, actuam de forma vital na termoregulação do nosso corpo.
A pele serve também como órgão imunológico e a sua intervenção na regulação dos linfócitos parece ter um papel de protecção importante. Tanto a epiderme (células de Langerhans) quanto a derme (junção dermoepidérmica) são locais onde ocorrem as reacções imunológicas que podem dar origem a doenças cutâneas inflamatórias importantes. 
Numa percentagem elevada de consultas em Medicina Geral e Familiar são referidos problemas do foro dermatológico e mais de 80% das prescrições para esta área são efectuadas no âmbito da nossa especialidade. É por isso importante que o especialista de Medicina Geral e Familiar tenha conhecimento dos problemas mais frequentes em Dermatologia e da forma de os resolver e quando referenciar correctamente e que meios preventivos pode utilizar, passando por medidas de uma correcta e adequada higiene da pele.
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Princípios básicos de uma boa higiene da pele

A higiene cutânea pressupõe eliminar a sujidade que se encontra na superfície cutânea, constituída por gorduras (sebo, restos de «pomadas»), secreções orgânicas (suor, saliva, urina, fezes), restos celulares, poeiras atmosféricas, terra e microorganismos. Os produtos de higiene devem ser capazes de eliminar substâncias hidrossolúveis e lipossolúveis. Embora a água possa remover substâncias orgânicas (partículas de sujidade e microorganismos) não é capaz de remover gorduras. Para ser eficaz tem de ser associada a substâncias tensioactivas, naturais ou de síntese, ou seja substâncias capazes de reduzir a tensão superficial, rodeando os elementos gordos, permitindo à água arrastá-los com os elementos hidrossolúveis.

Os produtos tensioactivos têm propriedades intrínsecas:
1. Aumentar a exposição de um líquido sobre a superfície
2. Facilitar a formação de emulsões
3. Facilitar e remover a sujidade (poder detergente)
4. Facilitar a dispersão e a formação de espuma

Os produtos tensioactivos dividem-se quimicamente em iónicos e não iónicos. Estes têm efeito detergente, são bem tolerados e têm moderada a fraca capacidade de formação de espuma e não têm actividade anti séptica. Os iónicos subdividem-se em aniónicos, catiónicos, e anfotéricos. Os aniónicos (sulfato Algenil, sulfato Lauril, etc.) com um bom poder detergente, fraco poder anti séptico e capacidade de formação de espuma abundante. Os catiónicos (compostos de amónio quaternário) possuem fraco poder detergente e bom poder anti séptico. Os anfotéricos (betaínas) combinam as qualidades dos aniónicos e catiónicos, seguem o pH do meio sendo menos irritantes, mas mais dispendiosos.
Existem várias categorias de produtos com estas propriedades e utilizados na higiene da pele. Os sabões obtidos a partir da hidrólise uma gordura animal ou vegetal em meio alcalino têm a vantagem de terem bom poder detergente, emulsionante, anti séptico, facilidade de utilização e preço acessível. As desvantagens são que o contacto com a água leva à formação de solução alcalina, irritando as peles frágeis, com danificação da função de barreira. Os sabões podem entretanto ser beneficiados através da diminuição do teor em aditivos, particularmente dos corantes e perfumes, suavizando-os com óleos e humectantes.

Os «pains» ou «syndets» (também chamados sabões sem sabão) têm a vantagem de respeitarem o pH cutâneo, o filme hidrolípico indiferente à dureza das águas, sendo compatíveis com vários aditivos. Têm como desvantagens os preços menos acessíveis.

Os champôs cutâneos produtos recentes com boa aceitação no mercado são semelhantes aos do cabelo e as vantagens ou desvantagens estão dependentes dos aditivos neles introduzidos.

Os leites ou emulsões de limpeza são emulsões de fraca viscosidade que contêm tensioactivos de síntese. A vantagem que possuem é fornecerem uma limpeza mais suave e personalizada, isto é possuem a facilidade de adaptarem a sua composição ao tipo de pele e têm como desvantagem o serem mais dispendiosos e ser necessário efectuar-se a higiene em dois tempos.
Na higiene infantil em particular podem ser usados produtos com base em cereais, por exemplo, extracto coloidal de aveia que é o mais utilizado e cujo poder de absorção lhe confere a capacidade de remover a sujidade e tem como vantagens a sua acção calmante, hidratante, emoliente e regeneradora. As desvantagens são o seu custo e a possibilidade de poderem originar sensibilização.
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Noções gerais do banho

A pele é um órgão com susceptibilidade singular às formulações usadas topicamente, por isso o uso de água com ou sem aditivos pode proporcionar muitos benefícios, inclusive conforto calmante, efeitos antipruriginosos e maior velocidade de cicatrização epidérmica com a hidratação e desbridamento de crostas, remoção de pele desvitalizada e de bactérias.
A duração do banho deve ser curta, 5 a 10 minutos. Na criança o extracto córneo é mais fino e em contacto com a água edemacia e conjuntamente com a falta de coesão celular leva a maceração.
Quanto à frequência, a óptima será ser diariamente, ou em dias alternados, e varia em função de factores individuais ou de condições climatéricas (o Verão é diferente do Inverno). A temperatura ideal não deve ultrapassar os 37º C.
Existem diversos tipos de banho:

1. Desinfectante, utilizado quando há infecção cutânea ou se pretende prevenir infecções, usando-se permanganato de potássio em baixa concentração para se obter acção anti bacteriana e sem grande toxicidade. Ter em atenção a necessidade de se fazer uma diluição completa para se evitar impregnação das unhas, pele ou dermite caústica. Podem também ser usadas compressas com cloro-hexidina ou banho esponja para se obter acção anti-séptica.

2. Banho coloidal, usado como antipruriginoso, calmante, regenerador, sendo a acção de limpeza feita por absorção, normalmente bem tolerado.

3. Banho emoliente, destinado a amaciar e reduzir a xerose, usando-se óleos de origem vegetal ou mineral. A parafina, óleo de origem mineral, apresenta vantagens pela sua estabilidade química e não contribui para a proliferação da microflora local, tendo como inconveniente o potencial poder oclusivo. A lanolina de origem animal, só é utilizada como emoliente.

Existe uma situação particular que é o banho do recém-nascido (primeiro mês de vida) que, como a sua pele se encontra recoberta após o nascimento com o vernix caseosa, é a primeira protecção contra as infecções, deve ter-se especial cuidado. Pode o banho ser efectuado antes da queda do cordão umbilical, este devendo ser desinfectado com um anti-séptico, como a cloro-hexidina em solução aquosa. O banho nesta fase deve ser efectuado só com água quente, não usando produtos tensioactivos nem champôs.
Entre o ano e os cinco anos de vida a frequência do banho deve ser diária não ultrapassando os dez minutos, começando a utilização de champôs com fraca concentração de tensioactivos suaves. Dos cinco aos doze anos os produtos de higiene são semelhantes aos adultos, com excepção da área genital, em que devem ser evitados os produtos tensioactivos que podem lesar essa mucosa.
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Eritema das fraldas

Deve a pele da área da fralda manter-se seca para prevenir dermatoses. O mais importante é diminuir a humidade e o atrito, mudando imediatamente após urinar ou defecar, devendo se estiver acordado ser mudado de 2 em 2 horas e uma vez durante a noite (mínimo 6 fraldas por dia). Utilizar emolientes e cremes de barreira em camada espessa após cada mudança, sendo a limpeza com água morna o mais suave possível obrigatória após defecar. Os toalhetes só devem ser usados em pele íntegra e em último recurso. A fralda deve não ser muito apertada e a eficácia das fraldas super-absorventes é superior às de algodão. A obsessão pela limpeza nos bebés pode perpetuar a irritação e atrasar a cicatrização.

Uma boa higiene da pele evitando secagem excessiva ou uso indiscriminado de preparações tópicas com acção irritante é muito importante, tanto mais que as doenças cutâneas constituem uma das causas mais frequentes de morbilidade humana. Devem ser usados produtos cuja tolerância e inocuidade estejam devidamente comprovadas e utilização de forma moderada.
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Bibliografia
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