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Parte IV – Problemas clínicos
4.14. Abordagem do paciente com problemas dermatológicos

418. Afecções pruriginosas e urticária
Lígia Trindade
Luciana Couto

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Lourenço, Rui

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Prurido

Introdução
É um sintoma importante e frequente, descrito como uma sensação cutânea desagradável que obriga o doente a coçar-se. Pode estar associado a doenças dermatológicas ou ser o reflexo de doenças sistémicas, podendo ser localizado ou generalizado.
Diversos factores têm sido implicados na fisiopatogénese do prurido, tais como, proteases, histamina, prostaglandinas, quininas e ácidos biliares, mas o mecanismo subjacente a muitas patologias mantém-se desconhecido.
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Etiologia

As causas do prurido (Quadros I, II e III) podem classificar-se de acordo com a existência ou não de lesões cutâneas, mas por vezes torna-se difícil, devido à presença de lesões de coceira.

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Quadro I

Causas de prurido associado a lesões cutâneas
alergias (alimentares, medicamentosas, etc.)
dermatite de contacto
infestações cutâneas
- escabiose
- pediculose
- picadas de insectos
eczema
infecções
- virais (varicela, etc.)
- fúngicas
dermatite herpetiforme
líquen plano
pitiríase rósea
penfigóide bolhoso
psoríase
urticária
xerose

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Quadro II

Causas sistémicas de prurido
hepáticas
- icterícia obstrutiva
- gravidez (3º trimestre)
endócrinas
- diabetes mellitus
- tirotoxicose
- hipotiroidismo
- hiperparatiroidismo
renais
- insuficiência renal crónica
hematológicas
- policitemia vera
- deficiência de ferro
- mastocitose sistémica
- micose fungóide
neoplasias malignas
- linfoma, leucemia
- mieloma múltiplo
- carcinóide maligno
reacção a fármacos
infecção pelo HIV
parasitoses
- ascaridíase
- oncocercose
- triquinose

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Quadro III

Causas psicológicas
escoriações neuróticas
depressão
delírios

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Diagnóstico
A história clínica e o exame físico do doente com prurido, poderão orientar-nos para um diagnóstico. Nesta importa conhecer a localização, a gravidade e a duração do prurido, a existência de gravidez ou a presença de doença sistémica prévia (doença renal, hepática, etc.), estado psicológico subjacente e ainda exposição a fármacos, tóxicos ou outros factores ambientais.
No exame objectivo é fundamental observar a maior extensão possível de pele e fazer exame minucioso das lesões existentes. Procurar palidez ou icterícia, adenopatias, organomegalias ou massas palpáveis, sinais de obstrução biliar, etc.
Pode ser necessário recorrer a exames laboratoriais ou outros meios complementares (Quadro IV), de acordo com a história clínica e exame objectivo.

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Quadro IV

Exames complementares de diagnóstico
hemograma
V.S.
ferritina sérica
provas de função hepática
ureia e electrólitos
glicemia em jejum
TSH
Radiografia do tórax


Se necessário recorrer a raspados da pele (escabiose), testes epicutâneos (dermatite de contacto) ou à biopsia da pele (micose fungóide, mastocitose, por ex.) ou ainda, a outros exames complementares de diagnóstico (ecografia ou outros).
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Tratamento
O tratamento dependerá da etiologia. As medidas para alívio sintomático serão tomadas se o diagnóstico ainda não está estabelecido ou se o prurido perturbar o sono e a actividade diária do doente.
1 – Medidas comportamentais e terapêutica tópica
O doente deve cortar as unhas rentes e mantê-las limpas, e na higiene diária deverá evitar banhos prolongados ou água muito quente e preferir sabonetes suaves e emolientes após o banho. Deverá usar roupa confortável e macia de algodão.
Evitar fármacos vasodilatadores assim como café, especiarias ou álcool. 
O uso de preparados tópicos com mentol, fenol e cânfora podem aliviar a sintomatologia, assim como a loção de calamina.
Quanto aos corticóides dar preferência à hidrocortisona para evitar o estabelecimento de atrofia da pele.
2 – Terapêutica sistémica
Se as medidas anteriores não se revelarem suficientes recorre-se então aos anti-histamínicos, sedativos, aspirina e outros fármacos.
Os anti-histamínicos bloqueadores H1 são muito eficazes principalmente na etiologia alérgica. A hidroxizina é dos mais eficazes (25 mg p.o. 4 vezes/dia), tendo também efeito sedativo. Os anti-histamínicos não sedativos (astemizol, terfenadina, loratadina) são úteis nas tomas diurnas e na urticária. Os bloqueadores H2 como a cimetidina podem ser úteis no prurido idiopático e nos casos de policitemia ou uremia, mas podem provocar confusão mental nos idosos e ginecomastia.
Quando o mecanismo é mediado por quininas ou prostaglandinas, podem usar-se anti-inflamatórios como a aspirina.
As benzodiazepinas são úteis se há ansiedade e perturbação do sono acompanhando o prurido.
A doxepina (antidepressivo tricíclico com propriedades anti-histamínicas é útil nos casos associados a depressão. Na presença de delírio usar um neuroléptico (pimozide).
Para o prurido colestático (também na gravidez), usa-se a colestiramina ou o colestipol.
A radiação com ultravioleta (ultravioleta B, psoralenos com ultravioleta A (PUVA)) é usada no prurido renal ou biliar ou no tratamento de doenças dermatológicas (psoríase).
No prurido urémico resistente pode-se recorrer à fotoquimioterapia, xilocaína endovenosa, carvão activado, eritropoietina endovenosa, transfusão sanguínea e à paratiroidectomia, devendo ser efectuado a nível da especialidade de dermatologia.
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Referenciação

Se um doente apresenta prurido refractário ou idiopático, deverá ser referenciado a uma consulta de dermatologia para avaliação e orientação adequadas. Se necessário, em cooperação com uma consulta de medicina interna ou psiquiatria se o prurido tiver como base uma situação de insuficiência renal ou perturbação psíquica não controlada.
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Urticária
A urticária é um padrão de reacção cutânea que se caracteriza pelo aparecimento de pápulas edematosas, de tamanhos variáveis, pruriginosas, de consistência dura e coloração rósea, às vezes de bordos circinados e palidez central, podendo envolver toda a pele. Trata-se de uma perturbação comum, na maior parte dos casos com evolução aguda. As lesões individuais duram menos de 24 horas. Pode evoluir por surtos cíclicos. Se persistir por períodos superiores a 6 semanas, classifica-se como crónica. Pode atingir a derme superficial ou então, a derme profunda e o tecido celular subcutâneo (urticária profunda ou angioedema).
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Fisiopatologia
Na produção do edema e da pápula urticariforme, têm papel fundamental a acção de substâncias vasoactivas, das quais a mais importante é a histamina. Quase todas estas substâncias são sintetizadas e armazenadas nos mastócitos, principais células efectoras da urticária. Outras células como o basófilo, eosinófilo, neutrófilo e linfócito, parecem ter também, papel importante. São múltiplas e variadas as causas da urticária (Quadro V) e só é possível determinar a sua etiologia em 10-20% dos casos.

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Quadro V

Classificação da urticária
Urticária dependente da Ig E, incluindo atópica, secundária a alergéneos específicos e estímulos físicos como o frio.
Urticária mediada pelo complemento, incluindo angioedema hereditário e erupções relacionadas com a doença do soro ou vasculite.
Urticária imunológica, por agentes ou fármacos que induzem libertação de mediadores e desgranulação dos mastócitos.
Urticária idiopática

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Diagnóstico

A história clínica é fundamental (exposição a agentes, incluindo fármacos), exame físico (a urticária dura menos de 48 horas e a urticária vasculítica mais de 72 horas). O estudo laboratorial que deve ser efectuado, deve incluir, hemograma, V.S., complemento, crioglobulinas e auto-anticorpos, provas de função hepática, antigénio da hepatite B e anticorpos, níveis do inibidor da C1 esterase se história compatível com angioedema hereditário, urina tipo II e exame parasitológico de fezes. Os testes epicutâneos e os testes de provocação (ao frio ou à pressão) podem ser utilizados. Normalmente não é necessária a realização de biopsia da pele.
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Tratamento

Se possível eliminar a causa.
Anti-histamínicos: bloqueadores H1 como hidroxizina (10-25 mg p.o. 4 vezes/dia) e difenidramina (25-50 mg p.o. 4 vezes/dia). Têm o inconveniente de, como efeito lateral, serem sedativos embora mais baratos que os anti-histamínicos mais recentes que são menos sedativos (astemizol, terfenadina, loratadina). Pode utilizar-se a associação de um agente menos sedativo durante o dia com um mais sedativo à noite, e nos casos refractários usar bloqueadores H2 como a cimetidina ou ranitidina, pode ser útil.
A ciproheptadina (4 mg p.o. 3 vezes/dia) pode ser Tl na urticária induzida por agentes físicos.
Pode utilizar-se ainda a doxepina (antidepressivo tricíclico com efeitos anti-histamínicos) em certos tipos de urticária com componente psíquico importante.
Os corticosteróides e outros fármacos, em casos mais graves e refractários usam-se os corticóides sistémicos (por ex., prednisolona 20-40 mg/dia), por um período de tempo curto, seguido da toma em dias alternados e desmame até à suspensão. Podem usar-se por períodos mais prolongados mas tendo em atenção as complicações resultantes da terapêutica com corticóides. Nas formas agudas e muito extensas usar corticóides parentéricos e/ou cimetidina intramuscular.
No angioedema é importante prevenir a obstrução das vias aéreas superiores, administrando adrenalina subcutânea (0,3 ml numa diluição de 1/1000). Em doentes com crises graves e recorrentes pode-se fazer prevenção com esteróides anabólicos como o danazol e o estanazol e devem trazer estojo com adrenalina para auto administração.
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Bibliografia

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