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Parte IV – Problemas clínicos
4.14. Abordagem do paciente com problemas dermatológicos
423. Infecções víricas da pele
Susana Figueiredo
Luciana Couto
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Lourenço, Rui


As afecções víricas com comprometimento cutâneo são a varíola, varicela, sarampo, rubéola, exantema súbito, febre aftosa, dermatite pustulosa dos carneiros, «cowpox», angina herpética, vacínia, herpes simples, herpes zóster, molusco contagioso, verrugas e nódulos dos mungidores. As cinco primeiras são febres eruptivas, exantemáticas, generalizadas e ultrapassam os limites deste capítulo. As restantes limitam-se a áreas circunscritas da pele e designam-se, habitualmente, por viroses cutâneas, sendo apesar de tudo um motivo frequente de solicitação de consulta em Medicina Geral e Familiar.
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Herpes simples ou vulgar
O vírus herpes simplex (VHS) é um organismo ubiquitário que pode ser patogénico para o homem. É um vírus filtrante, de núcleo ADN. Conhecem-se dois tipos: o vírus, do tipo 1 (VHS-1) que é colonizador major das células ganglionares do nervo trigémeo e produz lesões na face, lábios, boca e conjuntivas e o vírus do tipo 2 (VHS-2) situa-se mais frequentemente nos gânglios de Gasser e sagrados sendo o responsável pelas lesões genitais , que não são abordadas no presente capítulo. O doente procura o médico perante a suspeita duma infecção herpética ou quando apresenta uma erupção cutânea e sintomas frequentes ou recorrentes. Em cerca de 80 a 90% dos casos de herpes labial é o VHS-1 o responsável, sendo reservado para o VHS-2 os restantes 10 a 20%. O panarício herpético nos pacientes com menos de 20 anos geralmente é causado pelo VHS-1; nos pacientes com mais de 20 anos é causado pelo VHS-2. A infecção herpética neonatal em cerca de 70% é da responsabilidade do VHS-2. A transmissão faz-se geralmente pelo contacto pele-pele, pele-mucosas e mucosas-pele. Ter em atenção que há aumento da transmissão do VHS-1 associado às condições de vida em grandes aglomerados e com baixo nível sócio-económico.
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Herpes Primário

O período de incubação vai de 2 a 20 dias (média de 6 dias). A infecção primária é muitas vezes assintomática. Nas crianças pode adquirir a forma duma faringite exsudativa ou duma gengivoestomatite grave, com febre alta e linfoadenopatias dolorosas. O herpes primário sintomático que não é comum, caracteriza-se por vesículas no local da inoculação, associadas a linfadenopatia regional e em alguns casos acompanhadas de febre, cefaleia, indisposição e mialgia, os sintomas atingem intensidade máxima 3 a 4 dias após o surgimento das lesões e regridem nos 3 a 4 dias subsequentes. Nas fases iniciais há eritema, seguido logo depois por vesículas agrupadas e geralmente umbilicadas, que podem-se transformar em pústulas; estas últimas sofrem erosão à medida que a epiderme que as recobre se desprende. As erosões podem crescer e formar ulcerações que em alguns casos, são crostas ou lesões húmidas. Estas alterações epiteliais curam dentro de 2 a 4 semanas, em muitos casos resultando em hipo ou hiperpigmentação pós-inflamatória, raramente com cicatrizes.
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Herpes Recorrente

Pródromo de parestesia, prurido ou ardência, geralmente precedendo em 24 horas o aparecimento de qualquer alteração cutânea detectável. Em geral não há sintomas sistémicos. As lesões são em tudo similares às do herpes primário, mas em escala reduzida. Geralmente há uma placa eritematosa de 1 a 2 cm, circundada por vesículas. Curam em 1 a 2 semanas. Podem estar associadas a linfadenite regional. Podem ocorrer em qualquer área mucocutânea. Os locais mais comummente envolvidos são a área perioral, malar, nariz, ponta dos dedos (panarício herpético). A localização periocular deve indicar um exame da córnea.

Factores precipitantes da recorrência.
Cerca de um terço dos pacientes que desenvolvem herpes labial terão recorrência, destes metade terá pelo menos dois episódios por ano. Os factores habituais desencadeantes do herpes labial são a irritação da pele/mucosas (radiação ultra violeta), alterações hormonais (menstruação), febre, constipação, alterações do estado imunológico e o local da infecção. As recorrências tendem a ser menos frequentes com o passar dos anos. Os pacientes com imunodeficiência podem apresentar disseminação cutânea e sistémica do VHS e úlceras herpéticas crónicas.

Tratamento
Profilaticamente durante um episódio de infecção cutânea deve-se evitar o contacto pele a pele. A maioria dos episódios recorrentes não melhora com a pulsoterapia com aciclovir oral. Assim, só se os pacientes iniciarem a terapêutica no início da fase prodrómica ou dentro dos primeiros dois dias após o aparecimento das lesões é que podem beneficiar do tratamento em termos de encurtamento da duração da lesão e atenuação da sua gravidade. No entanto as recorrências não podem ser evitadas.

Esquemas terapêuticos:
Aciclovir, 400 mg per os, três vezes ao dia, durante cinco dias, ou
Aciclovir, 800 mg per os, duas vezes ao dia durante cinco dias

Há quem preconize tratamento supressor contínuo, uma vez que este diminui em 75% a frequência das recorrências entre pacientes com recidivas frequentes (mais de 6 por ano). Depois de um ano de tratamento supressor contínuo, o aciclovir deve ser interrompido para que se possa reavaliar a frequência das recorrências do paciente.

Esquema terapêutico:
Aciclovir, 400 mg, per os, duas vezes ao dia.

Têm indicação para referenciação os doentes imunocomprometidos e as formas disseminadas como a meningoencefalite. Na presença duma suspeita de infecção ocular, o doente deve ser referenciado com urgência a um oftalmologista para um exame mais completo.
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Herpes zóster
A infecção por herpes zóster (HZ), é uma infecção dermatomial aguda associada à reactivação do vírus da varicela-zóster (VVZ), aumentando a sua incidência com a idade e com a diminuição das defesas imunitárias. Por vezes manifesta-se apenas como uma síndrome dolorosa e sem vesículas, o que dificulta o diagnóstico. O médico de cuidados de saúde primários deve ser capaz de diagnosticar a zona, aliviar o doente e evitar as complicações. Mais de 66% dos casos ocorrem em indivíduos com mais de 50 anos; 5% dos casos são em crianças com menos de 15 anos. O factor de risco mais comum é a depressão da imunidade ao VVZ à medida que aumenta a idade surgindo a maioria dos casos nos indivíduos com mais de 55 anos. São ainda factor de risco as neoplasias malignas a imunossupressão, e a radioterapia. Os indivíduos HIV positivos têm um aumento na incidência de zóster cerca de 8 vezes mais que os restantes. O HZ é cerca de três vezes menos contagioso do que a varicela e apresenta-se em três fases clínicas diferentes:

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Quadro I

Fases clínicas do herpes zóster
1. Estádio Prodrómica
Dor nevrítica (pontada, espetada, aguda, persistente, penetrante, lancinante, latejante) ou parestesia (prurido, ardência) precede a erupção cutânea em 3 a 5 dias, (variação de 1 a 14 dias). Alodinia. Cefaleia, mal-estar e febre em cerca de 5% dos pacientes.
2. Vesiculação activa
Duração de três a cinco dias, mantendo-se a sintomatologia do estádio anterior.
A formação de crostas vai de alguns dias a 2 ou 3 semanas.
3. Estádios Crónicos
A nevralgia pós herpética (NPH), descrita como ardência, queimadura, latejante ou lancinante, pode persistir por semanas, meses e anos, depois da regressão das lesões cutâneas. A depressão é muito comum nos pacientes com NPH.


As lesões cutâneas são caracterizadas por serem pápulas às 24 horas, que evoluem para vesículas às 48 horas, seguindo-se pústulas às 96 horas e crostas ao fim de 7 a 10 dias. Novas lesões podem ir aparecendo durante uma semana, podendo alguns doentes apresentar lesões necróticas e gangrenosas. A pele surge eritematosa com uma base edemaciada com vesículas transparentes sobrepostas, algumas vezes hemorrágicas, podendo haver umbilicação. A distribuição é unilateral e dermatomial e os locais de aparecimento são as regiões torácica (50%), trigeminal (10 a 20%), lombossagrada e cervical (10 a 20%), podendo haver comprometimento das mucosas e podendo ainda estar associadas a alterações dos nervos sensoriais ou motores, linfadenopatia e atingimento ocular. No doente imunocompetente, o exantema geralmente regride ao fim de 2 a 3 semanas. A dor prodrómica localizada pode simular enxaqueca, doença cardíaca ou pleural, abdómen agudo ou doença vertebral.

Tratamento
Em termos profiláticos impõe-se dizer que, a vacinação contra o VVZ pode reforçar a imunidade humoral e celular e reduzir a incidência do zóster nas populações. Por outro lado os indivíduos que estão sob grande rico de reactivação da infecção pelo VVZ, o aciclovir oral pode reduzir a incidência do HZ.
Em estádio agudo o tratamento anti-vírico iniciado em tempo inferior a 72 horas, acelera a cura das lesões, diminui a duração da dor aguda e pode reduzir a incidência da NPH. Este faz-se com aciclovir 800 mg per os, quatro vezes ao dia, durante 7 a 10 dias. O benefício da utilização dos corticóides orais não foi comprovado por estudos controlados. Para o controle da dor a utilização imediata de analgésicos pode conduzir inclusive ao uso, se necessário, de narcóticos. Fica também em aberto a possibilidade de usar antidepressivos tricíclicos como a doxepina, na dose de 10 a 100 mg por dia. A utilização de anestésicos tópicos sob a forma de cremes ou gel ou placa de lidocaína para tratamento da alodinia.

Quando Referenciar?
A referenciação do doente impõe-se se há atingimento do ouvido ou envolvimento ocular, lesões em doentes imunocomprometidos e ainda a existência concomitante de sinais de irritação meníngea.
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Infecções cutâneas causadas pelo papilomavírus humano

Alguns tipos de papilomavírus humano (HPV) frequentemente infectam a pele queratinizada. A verruga vulgar, que é uma hiperplasia epitelial benigna discreta evidencia-se como pápulas e placas. O HPV é um vírus ADN, cuja transmissão se faz pelo contacto cutâneo directo. Traumatismos ainda que pequenos, com ruptura da camada córnea, facilitam a infecção epidérmica. As verrugas persistem por vários anos, se não forem tratadas. São bastante inestéticas e as verrugas plantares funcionam como corpos estranhos sendo muito dolorosas nas actividades quotidianas normais tais como o caminhar.
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Verruga Vulgar

Pápula firme de 1 a 10 mm ou raramente maiores, hiperqueratose, superfície fissurada com vegetações. As lesões palmares interrompem as linhas normais das impressões digitais. Surgem por vezes uns pontos vermelhos característicos, que são anças capilares trombosadas. Distribuem-se de forma predilecta pelas zonas de traumatismo, como mãos dedos e joelhos.
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Verruga Plantar

Inicialmente uma pápula brilhante, pequena e nitidamente demarcada que se transforma numa pápula com superfície hiperqueratósica rugosa, salpicada de pontos vermelho escuro (capilares trombosadas), com hiperestesia acentuada. Por vezes há a confluência de várias verrugas pequenas, formando uma verruga em mosaico. Distribuem-se pela região plantar caracteristicamente nas zonas de pressão.
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Verruga Plana

Pápulas planas e bem definidas (1 a 5 mm) superfície plana; a espessura da lesão é de 1 a 2 mm, são da cor da pele ou castanho claro. Estas lesões desenvolvem-se depois de traumatismos e podem ter uma configuração linear e aparecem sempre como várias lesões pequenas muito próximo umas das outras. Os locais mais característicos são a face, região da barba e o dorso das mãos.
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Epidermodisplasia Verruciformis

São lesões planas, semelhantes à Pitíriase versicolor, à queratose seborreica e queratose actínica, algumas são numerosas, grandes e confluentes. Surgem principalmente no tronco, face e extremidades. As lesões pré malignas ou malignas desenvolvem-se mais frequentemente na face e podem conduzir a carcinoma espino-celular «in situ» invasivo. Podem ter a cor da pele, vermelho claro, rosa ou hipo pigmentação.
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Tratamento

O tratamento para lesões pequenas: ácido salicílico e 5-fluorouracilo tópico. As lesões grandes necessitam da formação de emplastro de ácido salicílico a 40% durante uma semana que é removido a cada 24 a 72 horas. Há ainda a criocirurgia e electrocirurgia, mais usadas na área de cuidados de saúde secundários, em Dermatologia.
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Molusco contagioso

O molusco contagioso é uma infecção vírica autolimitada à epiderme que se caracteriza clinicamente por pápulas da cor da pele que em geral são umbilicadas e ocorrem em crianças e adultos sexualmente activos.
Epidemiologia e Etiologia - O vírus do molusco contagioso (VMC), que é um poxvírus, tipos VMC-1 e VMC-2. Surge nas crianças e adultos sexualmente activos, mais no sexo masculino que no sexo feminino. A transmissão é feita pelo contacto cutâneo directo.

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Quadro II

Grupos de risco para o molusco contagioso
Grupos de Risco  
1. Crianças Surge fundamentalmente nas áreas expostas da pele. A transmissão entre as crianças é extremamente rara. As lesões regridem espontaneamente e em geral, são causadas pelo VMC-1.
2. Adultos sexualmente activos Ocorre na região genital. O vírus é transmitido durante a actividade sexual, regredindo as lesões espontaneamente.
3. Pacientes HIV-Positivos A maioria dos casos, ocorre na face e é disseminado pelo acto de barbear. Apesar de serem submetidos a tratamentos agressivos os moluscos crescem e não há regressão espontânea. As lesões são causadas pelo VMC-2.


Apresentação das lesões – No doente imunocompetente os moluscos geralmente persistem durante 6 meses e depois apresentam regressão espontânea. São lesões assintomáticas e só muito raramente pode surgir prurido se houver infecção secundária. A apresentação das lesões surge como pápulas (1 a 2 mm), nódulos (5 a 10 mm) e em casos raros lesões gigantes. Têm a forma oval, redonda ou hemisférica umbilicada e são de cor branca/pérola ou cor da pele. Os moluscos que se encontram em regressão apresentam um halo eritematoso. Distribuem-se em lesões únicas isoladas ou várias lesões pequenas dispersas, pela face, pálpebras, pescoço; tronco, especialmente axilas; região ano-genital.

O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas, regredindo por si nos indivíduos saudáveis, devendo evitar-se o contacto cutâneo directo, sob o ponto de vista profilático.

Tratamento
- O tratamento possível será a curetagem, a criocirurgia e a eletro-dissecção, sendo estas técnicas efectuadas normalmente em cuidados de saúde secundários.
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Doença mão, pé boca

A doença Mão Pé Boca (DMPB) é uma infecção sistémica causada pelo vírus coxsackie A16.
Epidemiologia e etiologia – Aparecem geralmente nas crianças com menos de 10 anos, mas também em adultos jovens e de meia-idade. A incidência é igual em ambos os sexos. Habitualmente surgem por surtos epidémicos de 3 em 3 anos. Nos climas temperados, os surtos ocorrem durante os meses mais quentes. O vírus coxsackie A16 é o responsável mas também há relatos de casos esporádicos cuja responsabilidade é de A4-7, A9, A10, B2, e B5 e enterovírus 71. A transmissão faz-se por via oral e orofecal.

Apresentação da doença – O período de incubação é de 3 a 6 dias. O pródromo caracteriza-se por 12 a 24 horas de febre baixa, mal-estar e dor abdominal ou sintomas respiratórios. A sintomatologia é característica, em geral 5 a 10 lesões orais ulcerosas e dolorosas, que resultam em recusa alimentar pelas crianças. Algumas lesões ou até cerca de 100 lesões cutâneas aparecem simultaneamente ou então logo depois das lesões orais, estas podem ser assintomáticas ou sensíveis e dolorosas. As lesões são máculas ou pápulas (inicialmente de cor rosa ou vermelha) de 2 a 8 mm, que rapidamente evoluem para vesículas (com líquido transparente de aspecto aquoso ou tonalidade amarelada). As localizadas nas palmas das mãos e plantas dos pés raramente rompem e têm uma forma linear típica. Nas restantes áreas as vesículas rompem e formam erosões e crostas. As lesões regridem sem deixar cicatrizes. As lesões das mucosas aparecem sob a forma de úlceras dolorosas, pequenas (5 a 10 mm), precedidas por máculas que evoluem para vesículas acinzentadas. Distribuem-se pelo palato duro língua e mucosa oral. A DMPB acompanha-se de febre baixa, mal-estar, nos casos típicos. Em alguns pacientes, a doença pode estar associada a febre alta, mal-estar intenso, diarreia e dores articulares.

O diagnóstico baseia-se nas manifestações clínicas. A implantação dos enterovírus no aparelho gastrointestinal resulta na disseminação para os gânglios linfáticos regionais e 72 horas depois, há uma viremia com implantação do vírus na mucosa oral e pele das mãos e pés.

Evolução e Prognóstico – A DMPB é na maioria dos casos autolimitada e o aumento dos títulos dos anticorpos séricos elimina a viremia em 7 a 10 dias. Raramente há sequelas graves. Os vírus coxsackie têm sido implicados na miocardite, meningoencefalite, meningite asséptica, doença paralítica e na doença sistémica semelhante à rubéola. Se adquirida durante o primeiro mês de gestação a infecção pode causar abortamento espontâneo, como tal não esquecer de referenciar a cuidados secundários.

Tratamento – É apenas sintomático. A aplicação tópica de solução de cloridrato de diclonina ou lidocaína para atenuar o desconforto oral.
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Bibliografia

Fitzpatrick, Thomas B, Richard A. Johnson e Klaus Wolff et al Dermatologia. Atlas e Texto. 3ª ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Companies, 1997.

Goroll, Allan H., Lawrence A. May e Albert G.Mulley. Cuidados Primários em Medicina: Uma Abordagem do Paciente Adulto em Ambulatório. 3ª ed: Lisboa: McGraw-Hill Companies, 1997.

Guimarães, José M. Dermatologia Parasitária e Infecciosa. Venerologia: Noções Fundamentais. ed. Porto Editora, s.d.

Martin Zurro, A. e Cano Pérez JF. Manual de Cuidados Primários: Organização e Protocolos de Actuação na Consulta. ed. Farmapress Edições, 1991