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Introdução
O líquen plano é uma dermatose inflamatória aguda
ou crónica que envolve a pele e/ou mucosas, unhas, pêlos
e o cabelo. É caracterizado por pápulas pruriginosas, brilhantes,
violáceas e achatadas localizadas na pele e pápulas branco-leitosas
na boca. Existem diversos subtipos do líquen plano, como a variante
hipertrófica, folicular, vesicular, actínica e ulcerado
e outras formas mais raras.
2
Epidemiologia
A prevalência estima-se entre 1,5 a 8 por 1000 indivíduos,
sem predilecção de raça. Cerca de dois terços
dos casos ocorrem entre os 30 e os 60 anos, sendo raro nas crianças
e nos idosos. As mulheres são geralmente atingidas entre os 50
e 60 anos, enquanto os homens são-no mais cedo.
3
Etiologia
e Histopatologia
A causa é desconhecida, mas foram propostas várias etiologias,
possivelmente de natureza autoimune e/ou uma disfunção da
queratinização. É provável que factores endógenos
(genéticos) e exógenos (ambientais, fármacos, infecções)
possam interagir para provocar a doença. A associação
entre o «stress» emocional e a erupção do líquen
plano é controversa. Não foi encontrada associação
entre o tabagismo ou a infecção por Cândida e o líquen
plano de atingimento oral.
O líquen plano está associado a diversas doenças,
algumas das quais de natureza ou com manifestações autoimunes
(Quadro I).
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Quadro
I
Doenças
associadas ao líquen plano
|
Hepatite
C |
Penfigóide
bulhoso |
Alopécia |
Miastenia
Gravis |
Lúpus
Eritematoso Sistémico |
Cirrose
Biliar |
Vitiligo |
Colite
Ulcerosa |
Reacção
enxerto-versus-Hospedeiro |
Morfea |
Líquen
Escleroso e Atrófico |
Histologicamente
observa-se inflamação cutânea com hiperqueratose,
aumento da camada granulosa, acantose irregular, estreitamento da camada
de células basais, em "dentes de serra", corpos hialinos
abaixo da epiderme e infiltrados mononucleares em faixas, que "abraçam"
a epiderme.
4
Curso
e prognóstico
A erupção pode ser aguda, em dias, ou insidiosa, durante
várias semanas, com regressões e surgimento noutros locais.
A duração está relacionada com os locais de envolvimento
e a extensão das lesões. O líquen plano que envolva
apenas a pele mantém-se, em média, durante 11 meses; com
envolvimento da pele e das mucosas, durante 17 meses; com envolvimento
apenas da mucosa oral, durante 4,5 anos; com lesões hipertróficas,
durante uma média de 8,5 anos. O envolvimento folicular é
ainda mais crónico, com muito baixo potencial para o renascimento
de pêlos e cabelo. A erupção aguda e generalizada
tende a ter uma evolução rápida e a remitir espontaneamente
com maior rapidez que a lesão cutânea limitada.
Recorre em 15 a 20% dos doentes e tende a localizar-se nas mesmas áreas
do episódio inicial. As recorrências são mais comuns
no líquen plano generalizado e são frequentemente de menor
duração.
A incidência de cancro oral (carcinoma de células escamosas)
nos doentes com líquen oral é 50 vezes maior que na população
geral, ocorrendo em 3% dos doentes seguidos ao longo de 7 anos; está
aconselhada a vigilância e acompanhamento a intervalos regulares.
As restantes formas de líquen plano não estão associadas
a neoplasia cutânea ou interna.
5
Manifestações
Clínicas
As lesões do líquen plano podem ter lugar na pele, mucosas,
genitais e unhas.
- Lesões
cutâneas
TIPO: Pápulas achatadas, de 1 a 10 mm, bem demarcadas, brilhantes,
de forma poligonal ou oval (Fig. 1). Em casos raros, bolhas (Fig. 2).
Placas hipertróficas, em muitos casos com hiperpigmentação
pós-inflamatória.
COR: Violáceas, com linhas brancas (estrias de Wickham) mais visíveis
sob a lente de aumento (dermatoscópio), após a aplicação
de óleo mineral (Fig. 3). A presença das estrias de Wickham
é praticamente patognomónica de líquen plano. Nos
indivíduos de pele escura, é comum haver hiperpigmentação
pós-inflamatória (Fig. 4).
DISPOSIÇÃO: Podem apresentar-se agrupadas, lineares, anulares
(Fig. 5), variegadas e disseminadas.
DISTRIBUIÇÃO: Punhos e braços (superfície
flexora, Fig. 6), região lombar, pálpebras, canelas (lesões
mais espessas, hiperqueratóticas), dorso dos pés, virilha
(Fig. 7), região sagrada, couro cabeludo (Fig. 8) e glande. Frequentemente
observa-se o fenómeno de Koebner, com o aparecimento de pápulas
em locais de microtraumatismo frequente. O líquen plano actínico
ocorre nas áreas expostas ao sol.
SINTOMAS: as pápulas são geralmente pruriginosas, podendo
o prurido ser intenso.
- Mucosas
40% a 60% dos doentes com líquen plano (LP) têm lesões
orofarígeas. 20% dos doentes apenas apresenta lesões nas
mucosas.
TIPO: o tipo mais comum é o LP reticular: padrão reticulado
de hiperqueratose branca e rendilhada na mucosa oral, lábios, língua
e gengiva (Fig. 9). Outros tipos são LP tipo placa: leucoplasia
com estrias de Wickham na mucosa bucal (Fig. 10). LP atrófico:
placa vermelho-brilhante, muitas vezes com estrias de Wickham na mucosa
adjacente (Fig. 11). LP bulhoso: bolhas intactas até vários
centímetros de diâmetro; a sua ruptura resulta no LP erosivo.
LP erosivo ou ulcerado: erosão superficial com coágulo de
fibrina na superfície; ocorre na língua e mucosa oral; a
erosão é dolorosa, vermelha e brilhante na gengiva (fig.
12).
LOCAIS DE PREDILECÇÃO: Mucosa bucal, gengiva, língua
(Fig. 13), lábios (Fig. 14), palato, esófago.
SINTOMAS: As lesões da mucosa são geralmente dolorosas,
sobretudo as erosões e ulcerações.
- Órgãos
genitais
Lesões papulares, anulares ou erosivas no pénis (especialmente
na glande, Fig. 15), escroto (Fig. 16), grandes e pequenos lábios
(Fig. 17), vagina.
- Pêlos
e Unhas
COURO CABELUDO: Atrofia da pele do couro cabeludo com alopécia
cicatricial, permanente, podendo chegar a ser total.
UNHAS: Presente em 10% dos casos. Poderá causar fendas no sentido
proximal-distal, com destruição parcial a completa do leito
ungueal, com a formação de pterigium (fig. 18). O primeiro
dedo do pé é geralmente mais afectado.
As lesões
descritas podem agrupar-se e constituir subgrupos ou variantes.
VARIANTE HIPERTRÓFICA: placas espessas e grandes, que se desenvolvem
nas canelas: mais comum na raça negra.
VARIANTE FOLICULAR: pápulas e placas queratótico-foliculares
isoladas (fig.19), que causam alopécia cicatricial. A associação
de lesões espinofoliculares, líquen plano típico
da pele e mucosas e alopécia cicatricial do couro cabeludo constitui
a Síndrome de Graham Little.
VARIANTE VESICULAR: As lesões vesiculosas ou bulhosas podem desenvolver-se
dentro das placas do líquen plano, ou independentemente destas
na pele de aspecto normal. Neste último caso, a imunofluorescência
directa é compatível com penfigóide bulhoso, e o
soro destes doentes possui autoanticorpos IgG como no penfigóide
bulhoso.
VARIANTE ACTÍNICA: As lesões papulares do LP desenvolvem-se
nas áreas expostas ao sol, especialmente no dorso das mãos
e braços.
VARIANTE ULCERADA: O líquen plano pode se tornar bulhoso e formar
úlceras refratárias ao tratamento, principalmente nas regiões
plantares, necessitando de enxertos cutâneos.
6
Diagnóstico
O diagnóstico realiza-se através dos aspectos cutâneos
e das mucosas, a exclusão do uso de fármacos ou químicos
(Quadro II), bem como da presença de patologias que fazem o diagnóstico
diferencial (quadro III). O diagnóstico pode ser confirmado por
biópsia cutânea.
30
Quadro
II
Agentes
referidos como causadores de reacções cutâneas
semelhantes ao Líquen Plano
|
IECA
-Captopril
-Enalapril |
Tuberculostáticos
-Ácido p-amino-salicílico |
Antibióticos
-Estreptomicina
-Tetraciclina |
Antipsicóticos
Derivados da fenotiazina
-Metopromazina
- Levopromazina |
Antimalárico
-Quinacrina
-Cloroquina
-Quinidina e isómeros |
Agente
Quelante
-Penicilamina |
Agentes
hipoglicemiantes
-Cloropropamida
-Tolazamida |
Diurético
-Hidroclorotiazida
-Clorotiazida |
Antiartríticos
-Ouro |
Metil-Dopa |
Reveladores
de filme fotográfico colorido
-Sais da p-fenilenediamina
-Monocloreto de 2-amino-5-dietilaminotolueno (CD2)
-Sulfato de 4-amino-N-dietilanilina (TTS)
- Trióxido de antiamônio |
7
Diagnóstico Diferencial
Podem ocorrer
erupções semelhantes ao líquen plano como manifestação
clínica de doença enxerto-versus-hospedeiro crónica,
na dermatomiosite e como manifestação cutânea do linfoma
maligno, (Quadro III) bem como reacção farmacológica
ou após o uso de determinados compostos químicos (Quadro
II). Estas erupções simulam rigorosamente o líquen
plano, quer do ponto de vista clínico, quer histológico
e dizem-se reacções liquenóides.
Outras patologias (Quadro III) podem exigir um diagnóstico diferencial
cuidado com o líquen plano.
31
Quadro
III
Diagnóstico
diferencial de líquen plano
|
Líquen
plano papular
-Lúpus Eritematoso Disseminado
-Psoríase
-Pitiríase rósea
-Dermatite Eczematosa
-Reacção Enxerto-versus-Hospedeiro
-Carcinoma Baso-Celular superficial
-Carcinoma Espinho-Celular in situ
-Escabiose |
Líquen
plano hípertrófico
-Psoríase vulgar
-Líquen Simples crónico
-Prurigo nodular
-Dermatite de estase
-Sarcoma de Kaposi
|
Líquen
plano oral
-Leucoplasia
-Candidíase pseudomembranosa
-Leucoplasia pilosa associada ao HIV
-Lúpus Eritematoso Disseminado
-Placas mucosas da Sífilis secundária
-Pênfigo vulgar
-Penfigóide Bulhoso
- Úlceras aftosas
-Estomatite Herpética
-Traumatismo por mordida |
8
Terapêutica
O líquen plano pode manifestar-se com sintomas ligeiros, ou com
queixas incapacitantes; pode existir boa resposta terapêutica ou,
pelo contrário, resistência. Assim, as opções
terapêuticas são ajustadas à extensão, intensidade
e resposta à terapêutica anterior das manifestações
desta doença.
Como medidas gerais, recomenda-se evitar medicação que possa
agravar o quadro e cuidados para minimizar o trauma da pele e mucosas.
Alguns autores aconselham a redução do stress emocional.
No envolvimento da mucosa oral, recomenda-se uma boa higiene oral e o
acompanhamento de rotina pelo estomatologista.
- Pele
CORTICOIDES: No líquen plano cutâneo podem ser usados corticóides
potentes (por exemplo, triamcinolona a 0,1%) com penso oclusivo. Outra
possibilidade é a injecção intralesional de triamcinolona
(5 a 10 mg/mL). No líquen plano hípertrófico poderão
ser necessárias maiores concentrações de triamcinolona
(10 a 20 mg/mL), com vigilância regular para detectar o desenvolvimento
de atrofia ou sinais de hiperpigmentação, que obrigam à
descontinuação do tratamento com corticóides.
HEPARINÓIDES: a heparina de baixo peso molecular (por ex., a enoxiheparina),
na dose de 3 mg por semana, pode melhorar os sintomas de prurido e diminuir
a actividade da doença. Num estudo verificou-se que 4 a 6 injecções
induziam a regressão de lesões em 4 a 10 semanas. O líquen
plano oral não responde significativamente a este tratamento.
FOTOTERAPIA: Fototerapia com psoralenos e ultravioletas A (PUVA) é
benéfica no líquen plano cutâneo generalizado e resistente
e pode ser usado juntamente com corticoterapia sistémica para acelerar
a resposta ao tratamento.
- Mucosa Oral
A substituição de massa dental ou peças dentárias
de ouro por material compósito é frequentemente benéfica
em doentes com envolvimento da mucosa oral, mesmo na ausência aparente
de reacção cutânea em provas de contacto. Poderá
verificar-se melhoria mesmo em zonas que não se encontram em contacto
com o material sensibilizante. A mucosa gengival poderá responder
pior que a mucosa oral.
CORTICOIDES: Podem ser usados corticóides tópicos muito
potentes associados a material oclusivo apropriado para a mucosa oral,
que promova a protecção, mantenha o contacto com o corticóide
e alivie a dor das lesões erosivas. O tratamento pode ser complicado
por infecções a cândida, com irritação
e inflamação secundária da mucosa oral. Outra forma
de administração de corticóides é a injecção
intralesional de triamcinolona (5 a 10 mg/mL), principalmente nas lesões
erosivas.
RETINÓIDES: O uso tópico de ácido trans-retinóico
(tretinoína) melhora as manifestações do líquen
plano oral, mas provoca irritação local como efeito secundário.
CICLOSPORINA: Bochechos de Ciclosporina (500 mg) diários, durante
5 min, ajudam sem efeitos secundários significativos, embora estas
conclusões não sejam apoiadas por todos os estudos.
ANESTÉSICOS: O uso de anestésicos tópicos pode beneficiar
os doentes que tenham dificuldade em mastigar ou engolir.
- Mucosa Genital e Rectal
CORTICOIDES: Supositórios rectais ou cones vaginais com corticóides
poderão melhorar a sintomatologia.
- Unhas
CORTICOIDES: administrado através da injecção de
triamcinolona (5 a 10 mg/mL) junto da raiz da unha cada 4 semanas. A regressão
das lesões ocorre em 3 a 4 meses.
- Medicação Sistémica
CORTICOIDES: São frequentemente benéficos em doses superiores
a 20 mg/dia (por exemplo, 30 a 60 mg de prednisolona) por 4 a 6 semanas,
com "desmame" subsequente em 4 a 6 semanas. Outros autores acham
preferível um ciclo breve com doses progressivamente reduzidas:
início com 70 mg de prednisolona reduzidos diariamente em 5 mg.
Para além de diminuírem a actividade da doença, podem
melhorar as queixas de prurido, erosões dolorosas, disfagia ou
desfiguração. Os doentes que se encontram nas fases iniciais
de doença ou em fase de agravamento parecem conseguir melhor uma
atenuação marcada ou interromper a progressão da
doença. No entanto não está determinado a taxa de
recaída após a terapêutica. O uso prolongado, de corticóides
orais ou intralesionais é contra-indicada pelo risco elevado de
complicações a longo prazo.
RETINÓIDES: Demonstram actividade anti-inflamatória, podendo
complementar terapêuticas orais e tópicas. A tretinoína
oral (10 a 30 mg) resulta em remissão completa ou melhoria significativa
em 90% dos doentes num período de 1,7 a 19 meses de tratamento,
com menores efeitos secundários que outros retinóides. Um
estudo randomizado, duplamente cego, demonstrou melhoria significativa
ou remissão completa em 8 semanas após início de
tratamento com acitretina, a 30 mg/dia.
CICLOSPORINA: Tem sido usado com sucesso no líquen plano recalcitrante,
em doses de 2 a 5 mg/kg/dia. O seu uso exige doseamentos séricos
regulares e é frequentemente limitado pelos efeitos adversos sobre
a função renal, desenvolvimento de hipertensão, bem
como recaída após descontinuação.
OUTRAS TERAPÊUTICAS: Antifúngicos: A griseofluvina têm
sido usado empiricamente para o tratamento do líquen plano cutâneo
e oral, mas sem eficácia comprovada. Usa-se também o fluconazol
e o itraconazol no líquen plano oral com evidência de sobrecrescimento
de cândida. Antimaláricos: A hidroxicloroquina, em doses
de 200 mg/dia a 400 mg/dia, por pelo menos 6 meses, resultou em remissão
completa das lesões orais num estudo. Os antimaláricos parecem
ser particularmente eficazes na variante actínica; devem ser usados
com precaução pois podem eles próprios induzir o
líquen plano. Antilepróticos: A dapsona permitiu a remissão
de 2 em cada 3 doentes com líquen plano cutâneo e oral em
4 meses, com doses de 200 mg/dia per os. Imunomodeladores: A azatioprina
pode ser útil com terapêutica adjuntiva aos corticóides
orais no líquen plano cutâneo generalizado e recalcitrante.
O Interferon a2b pode ser usado no líquen plano generalizado, mas
encontram-se também implicado no desenvolvimento ou exacerbação
do líquen plano. Outros: Pequenos estudos têm demonstrado
resultados com o uso de talidomida, tetraciclina ou doxiciclina, nicotinamida,
ciclosfosfamida, metotrexato ou fenitoína, embora com relações
risco/benefício ainda mal estabelecidos. Muitos destes consideram-se
apenas em situações refractárias a terapêutica
com fármacos menos tóxicos.
9
Pontos
práticos
- É uma dermatose que atinge a pele, mucosas, unhas, cabelos e
pêlos.
- As lesões cutâneas são caracterizadas por pápulas
pruriginosas, brilhantes, violáceas e achatadas.
- Prevalência entre 1,5 a 8/1000, principalmente entre os 30 e 60
anos.
- Pode estar associado a doenças de natureza ou com manifestação
autoimune.
- Exige a exclusão do uso ou contacto com diversas substâncias
e um diagnóstico diferencial cuidado com algumas patologias.
- A terapêutica é dirigida para a atenuação
ou remissão da actividade da doença e das queixas, com fármacos
tópicos ou sistémicos, em monoterapia ou combinados.
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Bibliografia
Dambro MR. Griffith's 5-minute clinical consult. Lippincott
Williams & Wilkins, 2000.
Fitzpatrick et al. Dermatologia - Atlas e texto, 3ª edição.
McGraw Hill, 1998.
Rook, Wilkinson and Ebling. Textbook of Dermatology, 6ª edição.
Blackwell Science, 1998.
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