índice parcial
Parte IV – Problemas clínicos
4.16. Abordagem do paciente oftalmológicos

464. Conjuntivites infecciosas
Jaime Brito da Torre
José Cabrita
Délio Portela
Lucília Lopes

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Prata, Leonor


A conjuntivite infecciosa é uma inflamação da mucosa conjuntival provocada por vírus, bactéria ou raramente parasita. É a principal causa de olho vermelho. Observa-se mais frequentemente em crianças.
Um olho vermelho com hiperemia conjuntival difusa e mais intensa na periferia, com lacrimejo, secreções aquosas, mucosas ou purulentas, sensação de corpo estranho, irritação, picadas e/ou ardor, prurido variável, dor, perturbações da acuidade visual e fotofobia inexistentes ou pouco significativas, no contexto de uma consulta solicitada pela pessoa com carácter de urgência, fará o médico pensar no diagnóstico de conjuntivite.
Se o quadro não incluir prurido intenso e história pessoal e/ou familiar de febre dos fenos, rinite alérgica, asma ou eczema atópico, o diagnóstico excluirá conjuntivite alérgica e estaremos muito provavelmente em presença de uma conjuntivite infecciosa.
A atitude a tomar depende da etiologia (viral, bacteriana ou outra) e do modo de apresentação (hiperaguda, aguda ou crónica).
1
Conjuntivite viral
O principal agente etiológico é o adenovírus, do qual são conhecidos 47 serotipos, podendo também encontrar-se o herpes simplex e os agentes do sarampo, rubéola e varicela entre outros.
As conjuntivites por adenovírus podem aparecer isoladas ou fazer parte de um quadro sistémico. São de contagiosidade elevada. As formas de apresentação mais comuns são a conjuntivite folicular (CF), a febre faringo-conjuntival (FFC) e a queratoconjuntivite epidémica (QCE).
A CF é a mais frequente, é muito contagiosa, atinge sobretudo crianças e acompanha-se muitas vezes de infecção das vias respiratórias superiores (faringite exsudativa aguda). A rinite sem febre, faringite, conjuntivite ligeira uni ou bilateral são auto limitadas durando cerca de duas semanas. Podem observar-se folículos, ou seja, manchas pequenas avasculares, arredondadas e de cor acinzentada ou esbranquiçada, na conjuntiva palpebral inferior.
A FFC, também mais frequente em crianças e muito contagiosa, evolui em 10 a 15 dias com febre, faringite e conjuntivite folicular bilateral com adenopatia pré-auricular geralmente bilateral. Olhos vermelhos com lacrimejo/secreção aquosa, fotofobia, prurido, sensação de corpo estranho e de preenchimento da pálpebra são os sintomas e sinais habitualmente observados.
QCE pode afectar qualquer grupo etário, muito contagiosa, não se acompanha de sintomas sistémicos. Os doentes apresentam uma conjuntivite folicular bilateral mas assimétrica, com adenopatia pré-auricular e queratite associada em 80% dos casos(referência). Esta pode ser ligeira e resolver ao fim de duas semanas, mas pode evoluir para infiltrados no estroma anterior da córnea que podem persistir meses a anos.
Aos sintomas e sinais descritos para a FFC juntam-se um edema importante da pálpebra e conjuntiva e por vezes a diminuição da acuidade visual. A dor e a fotofobia terão maior intensidade.
2
Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se na história clínica com particular atenção para a existência de surto epidémico, para os sintomas sistémicos assim como para a observação. Na observação os cuidados de higiene são muito importantes - usar luvas, material esterilizado e lavar cuidadosamente as mãos após a observação. Deve fazer-se o diagnóstico diferencial com outras causas de olho vermelho.
3
Actuação terapêutica
O tratamento é fundamentalmente de apoio e consiste em:
1. Tranquilizar o doente explicando que é uma situação auto-limitada;
2. Prevenir a disseminação da doença - evicção da escola ou do local de trabalho por 1 a 2 semanas, lavar cuidadosamente as mãos após contacto com os olhos, não partilhar toalhas, evitar apertos de mão;
3. Compressas frias várias vezes ao dia 1-3 semanas;
4. Lubrificantes (metilcelulose 0,5%) 4 a 8 vezes ao dia 1-3 semanas;
5. Vasoconstritor/anti-histamínico (nafazolina+antazolina) se prurido é severo;
6. Os antivíricos são normalmente ineficazes mas estudos clínicos indicam que o cidofovir pode ser útil;
7. Se dor ou fotofobia pode prescrever-se analgésicos e anti-inflamatórios orais ou tópicos (diclofenac 1 gota 4 vezes ao dia) além de óculos de sol;
8. Não usar corticóides;
9. Tratar manifestações sistémicas.
4
Referenciação
Devemos referenciar à Oftalmologia sempre que se verifique:
1. Suspeita de envolvimento da córnea ou úvea;
2. Dor ocular muito intensa;
3. Persistência de visão turva;
4. Injecção ciliar; ou
5. Agravamento do problema após três dias de tratamento.
5
Conjuntivites bacterianas
A inflamação da conjuntiva por agentes bacterianos manifesta-se por sensação de ardor e corpo estranho de início agudo, uni ou bilateral associado a secreções muco-purulentas ou purulentas e hiperemia conjuntival progressivamente mais intensa. Geralmente não há alteração da acuidade visual.
Os organismos patogénicos têm origem habitualmente nas pálpebras, conjuntiva, canalículos, saco lacrimal, seios peri-nasais, vias respiratórias superiores, lentes de contacto e colírios ou soluções contaminadas.
Pela sua forma de apresentação classificam-se em agudas, hiperagudas e crónicas.

Conjuntivites bacterianas agudas
Os agentes mais frequentes são o S. aureus, S. pneumoniae e o H. influenza.
Apresenta-se de início unilateralmente, passando a bilateral em 2 a 3 dias por auto inoculação.
O quadro caracteriza-se por lacrimejo, sensação de corpo estranho, secreções purulentas amarelas ou esverdeadas, pálpebras coladas de manhã pelas secreções, olho vermelho com hiperemia conjuntival predominando na periferia e conjuntiva tarsal com pequenas e grandes papilas.
Geralmente não se acompanha de adenopatia pré-auricular.
Nas crianças é frequente a coexistência de faringite ou otite que devem ser pesquisadas na presença de conjuntivite aguda muco-purulenta bilateral.

Conjuntivite bacteriana hiperaguda
Os agentes mais frequentemente implicados são a N. gonorrhoeae e a N. meningitis.
Predomina em jovens sexualmente activos mas pode aparecer em qualquer grupo etário.
Os sintomas e sinais referidos na conjuntivite aguda são mais intensos com os olhos muito irritados e dolorosos, podendo existir fotofobia e diminuição da acuidade visual se a córnea está afectada.
A conjuntiva pode apresentar alterações hemorrágicas assim como membranas ou pseudomembranas.
Há adenopatia pré-auricular proeminente e dolorosa e as secreções são purulentas e muito abundantes.

Conjuntivite bacteriana crónica
Os agentes mais frequentes são o S. aureus e epidermidis e alguns bacilos Gram -.
O seu início é mais subtil e segue um curso mais arrastado.
Está associada muitas vezes a blefarite ulcerativa causada por toxinas bacterianas libertadas pelos microrganismos que colonizam o bordo palpebral.
Além dos sintomas e sinais referidos para as conjuntivites agudas que aqui se apresentam mais moderados, podemos encontrar bordo palpebral hiperemiado e edematoso, perda de cílios, hordéolos e chalazios recorrentes.
6
Actuação terapêutica

Conjuntivites agudas
Higiene palpebral - remoção de secreções, compressas quentes para limpeza do bordo palpebral
Cloranfenicol, Gentamicina, Tobramicina, Neomicina + Polimixina + Gramicidina, Ofloxacina ou Ciprofloxacina tópicas de 2 em 2 horas de início. Colírio de dia e pomada ao deitar durante 7 a 10 dias.
Deve ser reobservado se piorar nas primeiras 48 horas, observar ao fim de 7 dias e se não melhorar mudar o antibiótico ou referenciar.

Conjuntivites hiperagudas
Necessitam de antibioterapia sistémica e por vezes de colírios fortificados pelo que têm indicação para referenciação.

Conjuntivites crónicas
Informação/Educação do doente - explicando tratar-se de um problema que pode não curar definitivamente e que os sintomas embora persistentes podem ser controlados
Higiene palpebral - compressas quentes durante 15 minutos 2 vezes por dia, limpeza do bordo palpebral com cotonete molhada numa solução 50:50 de champô de RN e água quente, 2 vezes por dia
Lágrimas artificiais sempre que necessário
Antibioterapia tópica - preferir pomadas e usar ao deitar Gentamicina, Tobramicina, Neomicina + Polimixina + Gramicidina, durante 7 a 10 dias.
7
Situações particulares a salientar:

1 - Conjuntivite neonatal
É a conjuntivite que aparece no 1º mês de vida. Como os RN são imunologicamente imaturos há sempre a possibilidade de produzir sépsis. O estudo laboratorial e tratamento sistémico em caso de conjuntivite bacteriana é obrigatório e o RN deve ser referenciado ao oftalmologista ou pediatra. Como orientação em relação ao início da conjuntivite podemos considerar:
1º e 2º dia irritação devida ao nitrato de prata
2º ao 4º dia infecção por N. gonorrhoeae ou raramente meningitidis
a partir do 5º dia várias causas em particular Chlamydia trachomatis

2 - Conjuntivite por obstrução do canal lacrimo-nasal (CLN)
A mais frequente no RN. O lacrimejo é persistente e favorece a aparição de uma dacriocistite crónica.
Ao fazer a pressão no saco lacrimal sai um líquido mucopurulento ao nível dos pontos lacrimais.
O tratamento inicial das obstruções do CLN é médico:
Massagem - Os pais devem ser instruídos na massagem do saco lacrimal. O dedo indicador pressiona o canalículo comum para prevenir regurgitação de material pelos pontos lacrimais e então deve fazer pressão deslizando para baixo aumentando a pressão hidrostática dentro do saco lacrimal e CLN. Devem ser feitas cinco massagens 2 vezes por dia
Tratar conjuntivite com antibiótico tópico
Explicar aos pais que a situação resolve em 90% espontaneamente nos primeiros 12 meses de vida.
8
Bibliografia
Carol M.W, Joseph W. E. Olho vermelho agudo (Diferenciar a conjuntivite viral de outras causas menos frequentes). Postgraduate Medicine (edição Portuguesa), 1998; 10 (2) 92-101.

Polack FM. Enfermidades Oculares Externas (edição Portuguesa), Ediciones Scriba, S.A. 1992.

Spalton DJ, Hitchings RA, Hunter PA. 2nd Edition. Mosby. 1994