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Parte IV – Problemas clínicos
4.2. Abordagem do paciente com problemas cardiovasculares
159. Edema dos membros inferiores
Mónica Granja
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Trigueiros, Paz
Ramos JF

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Introdução
Os edemas são o resultado da acumulação excessiva de líquido extra celular no espaço intersticial. Quer sejam localizados, quer sejam generalizados, os edemas atingem, na maioria das vezes, os membros inferiores. Fonte de desconforto físico e de preocupação estética, os edemas dos membros inferiores (EMI) podem corresponder a um largo espectro de problemas, desde triviais alterações locais até gravíssimas doenças sistémicas. 
Pela anamnese e exame objectivo, é possível ao médico de família avaliar correctamente a maioria dos EMI, decidindo quais os casos que necessitarão de exames complementares de diagnóstico e, eventualmente, de observação por especialidades hospitalares.
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Prática clínica
Os EMI são um problema comum na população geral, atingindo em particular os idosos. Um estudo estimou para os EMI de causa exclusivamente venosa uma prevalência na população portuguesa de 14,6% no sexo masculino e de 31,0% no sexo feminino (DC). A insuficiência quer venosa quer linfática dos membros inferiores parece ser a causa mais frequente de EMI.
Na génese dos EMI está habitualmente um (ou vários) dos seguintes mecanismos patológicos:

1. diminuição da pressão oncótica do plasma (hipoalbuminemia)
- desnutrição
- perdas renais (síndrome nefrótico)
- perdas gastrointestinais (síndromes de má absorção)
- insuficiência hepática

2. aumento da pressão hidrostática do plasma
retenção de fluidos
- menstruação
- gravidez
- iatrogénica (corticosteróides, estrogénios)
- hipocaliemia
- insuficiência cardíaca congestiva
- insuficiência renal

doenças endócrinas
- diminuição do fluxo venoso
- prolongada posição dependente dos membros inferiores
- trombose venosa profunda
- insuficiência venosa
- compressão extrínseca (mais frequentemente por quisto de Baker)
- paralisia (acidente vascular cerebral)
- pericardite constritiva
- síndrome de Budd-Chiari

3. aumento da permeabilidade capilar
- iatrogénica (estroprogestativos, minoxidil, amantidina)
- avitaminoses B1 e C
- traumatismos
- inflamação / alergia (picada de insecto)
- infecção (erisipela, celulite)
- dermatoses
- edema angioneurótico hereditário
- doença imunológica
- edema associado à diabetes
- edema cíclico idiopático

4. causa linfática (linfedema)
- agenesia de vasos linfáticos
- infestação
- compressão extrínseca (especialmente por adenomegalias ou tumores)
- sequelas cirúrgicas ou de radioterapia
- iatrogénica (antagonistas dos canais de cálcio)

Não é ainda bem conhecido o mecanismo pelo qual surgem os edemas (que podem ser generalizados) na doença tiroideia, vulgarmente designados por mixedema.
Quanto à sua forma de apresentação, os EMI podem ser agudos (em caso de trombose venosa profunda, de traumatismos, de alergia ou inflamação, de infecção ou de doença imunológica) ou crónicos (na insuficiência venosa, no linfedema ou no edema posicional). Quanto à sua distribuição, os EMI podem ser generalizados (na hipoalbuminemia, na retenção de fluidos e no edema cíclico idiopático) ou localizados (geralmente unilaterais).
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Avaliação diagnóstica
O primeiro passo na avaliação de EMI deverá ser a exclusão das causas sistémicas mais importantes (doença cardíaca, hepática ou renal) e da iatrogenia. As doenças do colagénio também não devem ser esquecidas pois, ainda que raramente, podem ter os EMI como a sua primeira manifestação.
Para que um edema generalizado seja aparente é necessária a retenção de cerca de 5 litros de líquido (correspondendo a um aumento de peso de 5 kg). Nesta situação o doente poderá queixar-se de sensação de inchaço, sendo evidente, para além dos EMI, o edema das mãos (com dificuldade em retirar anéis que ao sair deixam uma marca profunda) e o edema palpebral matinal. No seu extremo, a anasarca, haverá ainda ascite e derrame pleural.
Um edema unilateral deve documentar-se através da medição do perímetro da coxa e da região gemelar, comparando estes valores com os do membro contralateral. São exemplos de edemas unilaterais agudos, normalmente de fácil identificação pela anamnese e pelo exame objectivo, os traumatismos, a rotura de um quisto de Baker, a alergia (por exemplo à picada de insectos) e a infecção. Uma situação aguda de mais difícil avaliação em termos exclusivamente clínicos é a trombose venosa profunda pelo que, na sua suspeita (ver capítulo respectivo), será sempre necessária uma avaliação por um cirurgião vascular.
Na investigação de EMI crónicos localizados, a anamnese deve pesquisar a posição prolongada em ortostatismo (causa muito frequente de edemas ligeiros) ou com os membros inferiores pendentes (por exemplo como posição antiálgica na insuficiência arterial), bem como antecedentes de trombose venosa profunda (frequentemente desconhecidos mesmo na presença de síndrome pós-flebítico evidente).
Devem ainda pesquisar-se sinais e sintomas de insuficiência venosa crónica, tais como agravamento com o calor e o ortostatismo, maior proeminência do edema a nível dos tornozelos e das pernas, poupando o pé, veias varicosas, alterações tróficas cutâneas e hiperpigmentação.
O linfedema é outra causa de EMI crónicos que, tipicamente, atinge mulheres jovens, é indolor, frequentemente unilateral e não melhora muito com o repouso. Caracteristicamente, o linfedema envolve os dedos e o dorso do pé e, se de longa data, apresenta-se sob uma pele hiperqueratósica e liquenificada. No seu extremo, a elefantíase, o seu diagnóstico é óbvio mas, na maioria das vezes, as alterações são mais subtis e o diagnóstico é de exclusão.
O edema cíclico idiopático é uma situação ainda pouco compreendida que surge em mulheres associado a aumento de peso pré-menstrual. Estas mulheres referem obstipação crónica, sensação de aumento do volume abdominal e edemas recidivantes com predomínio nos membros inferiores. Os EMI evoluem por surtos, no decurso dos quais podem surgir astenia, cefaleias, ansiedade, hipotensão ortostática, taquicardia e uma perturbação da permeabilidade capilar. Apesar do desconforto que provocam, o seu prognóstico é muito favorável.
Os diabéticos podem apresentar edemas sem que haja doença renal associada. São edemas distais e atingem os diabéticos mais idosos. Crê-se que resultam de uma anomalia anatómica da membrana basal capilar condicionando um aumento da sua permeabilidade.
O edema que surge nos membros paréticos ou plégicos de um doente que sofreu um acidente vascular cerebral, devem-se à diminuição do tónus vascular com diminuição da drenagem venosa e linfática. Estes membros estão também em maior risco de virem a ser sede de uma trombose venosa profunda. 

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Quadro I

Avaliação inicial dos EMI

idade e sexo
peso habitual
medicação em curso
distribuição e extensão dos edemas (perímetros)
factores de risco para trombose venosa profunda*
sinais inflamatórios associados
sintomas associados e cronologia
peso actual
tensão arterial
avaliação cardio-vascular 
- insuficiência cardíaca 
- varizes / insuficiência venosa 
- turgescência venosa jugular 
- dimensão e consistência hepática e esplénica 
- insuficiência arterial periférica 
estado das serosas
estigmas de doença hepática crónica
palpação pélvica e inguinal
diurese e aspecto da urina
pesquisa de proteinúria com tiras teste

*ver capítulo respectivo

O sinal de «godet» está presente na fase inicial da generalidade dos edemas não inflamatórios, tendendo a desaparecer com a sua cronicidade, devido à deposição de fibrina no espaço intersticial, pelo que é um sinal com pouco valor diagnóstico. No quadro 1 enunciam-se os passos iniciais na avaliação dos EMI.

O «eco-doppler» é o exame complementar de diagnóstico mais valioso na avaliação dos EMI não esclarecidos apenas pela clínica. Nos edemas agudos, este exame é necessário quando existe uma suspeita de trombose venosa profunda. No caso de edemas crónicos dos membros inferiores, o «eco-dopller» pode excluir a doença venosa como causa dos edemas ou fornecer uma explicação funcional para eles, tal como uma obstrução ou uma incompetência valvular no sistema venoso profundo. De entre os doentes venosos o «eco-doppler» vai ainda determinar quais os poucos que beneficiarão de uma intervenção cirúrgica. O «eco-doppler» é realizado apenas por cirurgiões vasculares, pelo que o doente deve ser referenciado a uma consulta dessa especialidade.
De igual modo, devem ser referenciados os doentes com suspeita de linfedema, aos quais poderá vir a ser realizada venografia e/ou linfangiografia diagnóstica.
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Possibilidades de intervenção em Medicina Geral e Familiar
Como medidas gerais, deve recomendar-se a todos os doentes com EMI a perda do peso excessivo, o exercício físico regular, a evicção do ortostatismo prolongado, do calor excessivo e de roupas apertadas e a elevação dos pés da cama durante a noite. Deve ainda ser reforçada a necessidade de manter uma higiene e hidratação rigorosas da pele dos membros.
Nos edemas generalizados, é necessário, antes de mais, tratar a causa sistémica subjacente ou suspender qualquer droga que possa estar na origem dos edemas. A restrição salina, o repouso no leito intermitente ao longo do dia e os diuréticos estão também indicados nos EMI por insuficiência cardíaca, hepática, por síndrome nefrótico ou no edema cíclico idiopático. 
Excluídas as causas sistémicas, o tratamento dos EMI crónicos assenta no uso de meias elásticas. Os EMI de causa venosa poderão em alguns, poucos, casos ter solução cirúrgica (por exemplo, as varizes tronculares). Os doentes obesos, aqueles com causas sistémicas de EMI (por exemplo, insuficiência cardíaca) e os que passam a maior parte do dia sentados, serão muito provavelmente refractários a qualquer terapêutica.
A maioria dos linfedemas é provocada por obstruções do sistema linfático distal e têm muito bom prognóstico. No entanto, se o seu início for mais agressivo, envolvendo a perna e a coxa, ele deve ser referenciado numa fase precoce pois, se se tratar de uma obstrução iliinguinal e se ainda não tiver ocorrido obliteração dos vasos linfáticos mais distais, poderá haver lugar a solução cirúrgica («by-pass»). A infecção cutânea é uma complicação muito frequente e de difícil resolução no linfedema, pelo que todos os esforços devem ser envidados na sua prevenção e no seu tratamento precoce.
Os doentes com edemas crónicos dos membros inferiores encontram-se em risco acrescido para trombose venosa profunda, pelo que devem ser instruídos sobre as medidas gerais de profilaxia dessa situação, bem como dos sinais que a podem anunciar e que os devem levar a procurar imediatamente o seu médico.
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Erros e limitações
1. não reconhecer a insuficiência venosa como a causa mais frequente de EMI
2. não prescrever a perda de peso em excesso em todo e qualquer EMI
3. sobrestimar o valor dos diuréticos (indicados apenas na hipoalbuminemia, na retenção de fluidos e em alguns edemas cíclicos idiopáticos), subestimando o da contenção elástica (indicada nos EMI quer de causa venosa e linfática, quer de causa postural); a contenção elástica tem ainda, nos edemas crónicos, a vantagem de diminuir o risco de trombose venosa profunda.
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Prontos práticos a reter
Quando os edemas são restritos aos membros inferiores, procurar um processo inflamatório (infecção, dermatose, etc.) ou uma obstrução vascular (venosa, linfática ou arterial).
Quando os edemas se integram num quadro de edemas generalizados, procurar, como causas mais prováveis, uma insuficiência cardíaca, renal ou hepática ou um síndrome nefrótico.
A anamnese e o exame objectivo permitem estabelecer o diagnóstico da maioria dos EMI.
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Bibliografia
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