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Parte IV – Problemas clínicos
4.2. Abordagem do paciente com problemas cardiovasculares
168. Cor pulmonale crónico
José Augusto Simões
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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Ramos JF

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Introdução
Cor pulmonale é o aumento do ventrículo direito resultante de uma doença pulmonar primária, que leva à hipertrofia e, por fim, à insuficiência desse ventrículo. A sua etiologia pode incluir:
1. Doença parenquimatosa pulmonar ou de vias aéreas: doença pulmonar obstrutiva crónica, pneumopatias intersticiais, bronquiectasias, fibrose quística.
2. Doença vascular pulmonar: embolia pulmonar recorrente, hipertensão pulmonar primária, vasculite, anemia de células falciformes. 
3. Ventilação mecânica inadequada: cifoescoliose, doenças neuromusculares, obesidade acentuada, apneia do sono.
4. Doença cardíaca: insuficiência cardíaca esquerda crónica, estenose mitral, comunicações interventricular ou inter-auricular.
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Sintomas
Os sintomas são variáveis e dependem da patologia subjacente, sendo na sua maioria inespecíficos, mas incluem dispneia aos esforços leves (por baixo débito cardíaco), cansaço, tosse e expectoração (nas doenças parenquimatosas), ingurgitação venosa sistémica, edema periférico e cianose das extremidades (por falência do ventrículo direito), dor abdominal (por congestão dos órgãos).
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Exame físico
No exame físico a taquipneia, a cianose e o hipocratismo digital são comuns. Pode-se palpar um impulso do ventrículo direito ao longo do bordo esquerdo do esterno, na auscultação detecta-se um segundo tom aumentado com o componente pulmonar mais intenso, a presença de um sopro de insuficiência mitral e por vezes, um sopro de insuficiência pulmonar. Quando se desenvolve a insuficiência do ventrículo direito pode-se detectar elevação da pressão venosa jugular, hepatomegalia com ascite e refluxo hepato-jugular.
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Exames complementares de diagnóstico
Radiografia do Tórax: No geral detecta-se um aumento do ventrículo direito e da artéria pulmonar. Na presença de hipertensão pulmonar primária, pode-se detectar um afunilamento dos ramos da artéria pulmonar. No entanto, são as provas de função pulmonar e a gasimetria arterial que caracterizam a doença pulmonar intrínseca.

ECG: Pode-se detectar uma hipertrofia do ventrículo direito e um aumento da aurícula direita, são também comuns as taquiarritmias e, por vezes o bloqueio de ramo direito. Frequentemente não existem alterações electrocardiográficas.

Ecocardiograma: É o exame não invasivo mais sensível para a detecção de hipertensão pulmonar, pelo estudo «Doppler». Sendo comum a hipertrofia do ventrículo direito com função do ventrículo esquerdo normal.

Outros exames: Se a obtenção de imagens ecocardiográficas for difícil devido ao ar nos pulmões distendidos, o volume e espessura da parede do ventrículo direito podem ser avaliados por Ressonância Magnética Nuclear. Para a avaliação de embolia pulmonar, deve-se realizar uma cintigrafia pulmonar de ventilação-perfusão. Com frequência é necessário o cateterismo das cavidades cardíacas direitas e, por vezes, das esquerdas, para avaliar o grau de hipertensão e a possibilidade de uma disfunção valvular ou ventricular esquerda ser o motivo da hipertensão pulmonar.
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Tratamento
O tratamento visa, em primeiro lugar, aumentar o conforto dos doentes com cor pulmonale crónico através de uma cuidada vigilância do seu estado volumétrico, grau de hipoxemia e hematócrito. A pneumopatia subjacente pode necessitar de broncodilatadores, antibióticos e administração de oxigénio em baixo fluxo contínuo, o que pode estar indicado em doentes que se encontrem cronicamente hipóxicos. A sobrevivência é melhorada, embora o mecanismo preciso desta melhoria seja desconhecido. Permanece sem resposta definitiva a questão, se a oxigenoterapia previne ou não o desenvolvimento ou o agravamento do cor pulmonale. Caso esteja presente insuficiência do ventrículo direito, pode-se tratar como uma insuficiência cardíaca congestiva, instituindo uma dieta pobre em sódio e diuréticos, a digoxina deve ser administrada com precaução, pois a sua toxicidade aumenta em virtude da hipoxemia, hipercapnia e acidose existentes, e a resposta clínica é frequentemente duvidosa. Também se devem usar os diuréticos de ansa com cuidado, para prevenir uma alcalose metabólica significativa, a qual prejudicaria o estímulo respiratório. As taquiarritmias supraventriculares, que são comuns, podem ser tratadas com digoxina, quinidina ou verapamil, não se devendo dar b-bloqueadores. A anticoagulação crónica com varfarina está indicada quando a hipertensão pulmonar é acompanhada de insuficiência do ventrículo direito, mantendo um INR («International Normalization Ratio») entre 2,0 e 3,0. A flebotomia apenas está indicada no tratamento urgente, quando a eritrocitose secundária é suficientemente grave para reduzir de forma marcada a viscosidade sanguínea, incapacitar de forma grave o aporte de oxigénio e provocar uma exacerbação da doença. O risco desta descompensação é maior quando o hematócrito ultrapassa os 55%.
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Bibliografia
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Goroll AH. Abordagem do Cor Pulmonale. In Goroll AH, May LA, Mulley AG. (eds) Cuidados Primários em Medicina (trad. Port.) Lisboa, McGraw-Hill, 1997, pp. 265.

Newman JH, Ross JC. Chronic cor pulmonale. In Schlant RC, Alexander RW, O’Rourke RA et al (eds) The Heart, 8th ed. New York, McGraw-Hill, 1994, pp. 1896-1904.