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Parte IV – Problemas clínicos
4.2. Abordagem do paciente com problemas cardiovasculares
172. Trombose venosa profunda, flebite e tromboflebite
Mónica Granja
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Trigueiros, Paz
Ramos JF

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Trombose venosa profunda

Introdução

A trombose venosa profunda (TVP) é uma entidade clínica frequentemente silenciosa, pelo que, numa grande parte dos casos, o diagnóstico é feito apenas quando surgem complicações. Estas, no entanto, podem ser bastante graves: numa fase precoce, o trombo-embolismo pulmonar, raro mas potencialmente fatal; tardiamente, mas com muito maior frequência, o síndrome pós-flebítico, doença crónica e em alguns casos incapacitante.
Na impossibilidade de se diagnosticar uma parte significativa das TVP, é primordial a sua prevenção primária, detectando e actuando sobre os seus factores de risco. Perante uma suspeita de TVP, é necessária referenciação imediata para avaliação diagnóstica pois, se a suspeita se confirmar, deverá ser instituído tratamento hipocoagulante logo que possível. 
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A trombose venosa profunda na prática clínica
A TVP não é um problema muito frequente em cuidados de saúde primários. Dados de estudos europeus sugerem uma incidência anual de TVP de cerca de 160 casos por 100.000 habitantes, o que numa lista de 1500 utentes seria equivalente a 2,4 casos por ano. Não existem dados sobre a incidência deste problema especificamente em doentes de ambulatório mas detectam-se TVP em 20 a 25% dos doentes submetidos a cirurgia, em 20 a 50% dos que sofreram um enfarte agudo miocárdio e em 1 a 2% de todos os doentes internados.
Apesar de pouco frequente, a TVP repercute-se profundamente na consulta de Medicina Geral e Familiar pois um síndrome pós-flebítico surgirá, nos anos seguintes, em metade a dois terços das TVP não tratadas, o que vai engrossar o já grande contingente de doentes ambulatórios afectados de insuficiência venosa crónica dos membros inferiores. Além disso, em cada 100.000 pacientes afectados de uma TVP, 600 sofrerão trombo-embolismo pulmonar, 60 a 120 dos quais virão a falecer. 
A TVP atinge quase exclusivamente a veias dos membros inferiores e em 80 % dos casos envolve apenas veias abaixo do cavado poplíteo. No entanto, sem tratamento, entre 20 a 40% destas TVP inicialmente confinadas à perna vão propagar-se em 1 a 2 semanas, atingindo o sistema venoso proximal. As TVP que atingem apenas as veias da perna são quase sempre assintomáticas e só excepcionalmente se complicam de trombo-embolismo pulmonar. O envolvimento do sistema venoso proximal, presente em 20% das TVP, também pode ser silencioso (embora com menos frequência) mas complica-se de trombo-embolismo pulmonar em 50% dos casos. A síndrome pós-flebítico surge após TVP em qualquer localização embora pareça ser mais frequente após uma TVP proximal.
Dado que os sinais e sintomas não são frequentemente suficientes para levantarem uma suspeita de TVP, torna-se muito importante a noção de contexto de risco, pois determinadas situações fisiológicas ou patológicas, como as listadas no quadro I, predispõem comprovadamente para a TVP.

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Quadro I

Factores de risco para trombose venosa profunda

FACTORES DE RISCO PARA TVP 
idade > 40 anos 
alectuamento > 3 dias 
gravidez e puerpério 
contracepção com estrogénios 
obesidade 
história prévia de TVP 
história familiar de TVP 
trombose venosa superficial actual 
insuficiência venosa crónica MI* 
traumatismo / fractura MI* recente 
cirurgias recentes / de repetição 
doença cardíaca 
neoplasias malignas 
AVC** recente 
hemiplegia / paraplegia 
internamento em Unidade de Cuidados Intensivos 
doenças do tecido conjuntivo 
síndrome nefrótico 
policitemia / trombocitemia 
doenças congénitas ou adquiridas da coagulação***

*membros inferiores
**acidente vascular cerebral
***por exemplo: deficiências de proteína C ou S, deficiência de antitrombina III, síndrome antifosfolipídeo, etc.

O risco de desenvolver uma TVP depende do número de factores de risco presentes, sendo que o risco total resulta do produto, e não apenas da soma, dos vários factores. Num estudo em doentes internados, 90% dos doentes com 4 ou mais factores de risco tinham evidência objectiva de TVP.
O tipo de factores de risco presentes também é determinante na determinação da probabilidade de desenvolvimento de uma TVP. Alguns deles, como a imobilidade prolongada, certas cirurgias (por exemplo a prótese total da anca) e a história pessoal de TVP, têm significativamente mais peso que outros (como por exemplo uma fractura da tíbia ou o uso de estrógenos).
Estudos realizados em ambiente hospitalar determinaram para cada tipo de cirurgia e de acordo com a presença de factores associados, o risco de desenvolvimento de TVP e de trombo-embolismo pulmonar fatal. Desta forma, existem algoritmos aprovados em consensos internacionais que equacionando a situação de cada doente cirúrgico o classificam numa categoria de risco pré-definida de acordo com a qual se instituem determinadas medidas profilácticas.
Pelo contrário, poucos estudos se têm debruçado quer sobre o risco de TVP, quer sobre o benefício da terapêutica profiláctica nas várias situações médicas e em particular nos doentes de ambulatório. Um estudo espanhol levado a cabo em ambiente de cuidados de saúde primários detectou em indivíduos com mais de 25 anos uma prevalência de 17% de situações de risco moderado a alto de TVP, sendo que apenas metade destes pacientes eram identificados como tal pelos seus médicos. Neste mesmo estudo e de acordo com as recomendações internacionais em vigor utilizadas nos hospitais, 1,5% dos indivíduos tinham indicação para iniciar terapêutica profiláctica do trombo-embolismo.
Se uma TVP é sintomática, em 80 a 90 % dos casos o sistema venoso proximal está atingido. Os sintomas e sinais mais frequentes são inflamatórios, de intensidade variável e estão presentes quase sempre a nível da barriga da perna, o que não tem qualquer relação com a localização da TVP. O sinal clássico de Homan (dor despertada pela dorsiflexão do pé) é, na realidade, pouco sensível e pouco específico. De uma forma global, em caso de TVP a sensibilidade e a especificidade do exame objectivo não ultrapassam os 50% cada. No entanto, investigação recente, levada a cabo em ambiente de cuidados de saúde primários, sugere que comparados com os estudos que tiveram por base populações de doentes internados, a anamnese e o exame objectivo em doentes ambulatórios podem mais facilmente levar ao estabelecimento de suspeitas clínicas de TVP com elevadas probabilidades pré-teste.
A maioria das situações inflamatórias dos membros inferiores não são trombóticas e, portanto, na anamnese e no exame objectivo é imprescindível fazer o diagnóstico diferencial com os traumatismos músculo-tendinosos, com a erisipela e a celulite e com a rotura de um quisto de Baker.
Após um episódio de TVP, 10 a 24 % dos doentes experimentarão uma recorrência nos três anos seguintes. Se se tiver desenvolvido uma síndrome pós-flebítico após a primeira TVP, os sinais inflamatórios crónicos que lhes estão associados podem mascarar (ou simular, numa exacerbação) uma TVP sobreposta.
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Avaliação diagnóstica
Um exame clínico sugestivo de TVP não permite o seu diagnóstico, pelo que, se outro diagnóstico não for feito e sobretudo se existe um contexto de risco, será necessário avançar para exames complementares de diagnóstico. A realização destes exames não está ao alcance do médico de cuidados de saúde primários que terá de referenciar o doente a um serviço de urgência com a especialidade de Cirurgia Vascular. No entanto, é importante que o médico que referencia tenha noção do valor diagnóstico dos exames disponíveis bem como das principais questões que se podem pôr na avaliação do doente com TVP.
O «eco-doppler» dos membros inferiores é actualmente o exame preferido na avaliação diagnóstica de uma suspeita de TVP. Como se trata de um exame não invasivo, a possibilidade de o realizar num mesmo doente de forma seriada aumenta o seu valor diagnóstico. A sua sensibilidade pode atingir os 97% e a especificidade os 100%, dependendo da experiência do examinador, da localização da TVP, da presença de sintomas e da identificação de um contexto de risco.
O valor preditivo positivo e negativo do «eco-doppler» são máximos (97% cada) nos casos em que o exame objectivo é sugestivo mas não se detectam factores de risco evocadores de TVP. Já quando se associam um exame objectivo positivo e um contexto clínico de risco, o valor preditivo negativo cai para 78%. Neste último caso, ou se confirmam os «eco-dopplers» negativos (por exemplo pela repetição do exame) ou um quarto das TVP ficarão por diagnosticar. O «eco-doppler» tem ainda a vantagem de poder fazer diagnósticos alternativos à TVP, como por exemplo o de rotura de quisto de Baker ou o de hematoma da região gemelar.
A sensibilidade do «eco-doppler» cai para menos de 50 % no caso de TVP limitadas à perna. Assim, perante um «eco-doppler» negativo poder-se-á excluir uma TVP proximal mas, num contexto de risco, a atitude recomendada é a realização de novo exame dentro de alguns dias (4 a 14, conforme os vários autores) para despiste da propagação proximal de um trombo distal previamente oculto. Entre 1 a 7% dos «eco-dopplers» inicialmente negativos tornam-se positivos se realizado repetidamente, tendo vários estudos documentado a segurança desta atitude expectante.
Uma limitação do «eco-doppler» é não fazer distinção entre uma TVP aguda e um episódio antigo e não resolvido.
É sugerido que quando a informação clínica e a do «eco-doppler» não coincidem, um outro exame deva ser realizado. No entanto os restantes exames anteriormente usados na avaliação das TVP estão praticamente postos de lado no nosso país. A venografia, ainda considerada por muitos a técnica «standard» na avaliação diagnóstica de uma TVP, é um exame invasivo, moroso (logo, caro) e desconfortável. A pletismografia de impedância, apesar de não invasiva, não atinge o valor diagnóstico nem a relação custo-benefício alcançados pelo «eco-doppler».
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Possibilidades de intervenção em medicina geral e familiar

Profilaxia
A detecção precoce das situações de risco e a sua profilaxia são os aspectos mais importantes na abordagem da TVP e suas complicações. Ao médico de família cabe, em particular, a vigilância de:
1. manutenção do peso correcto
2. deambulação frequente em todos os doentes acamados (desde que não haja indicação para repouso absoluto)
3. contra-indicação da contracepção estroprogestativa em mulheres com outros factores de risco para TVP
4. uso de meias elásticas em todos os portadores de varizes tronculares e em todos os que já sofreram um episódio de TVP 
Para os doentes internados, e em especial para os doentes cirúrgicos, existem algoritmos definidos internacionalmente que, de acordo com o tipo de cirurgia e com o grau de risco prévio, estipulam a instituição de profilaxia, farmacológica ou não. Como profilaxia não farmacológica usa-se o posicionamento cuidadoso na mesa de operações, evitando pressão sobre a barriga da perna, o uso de meias elásticas, a compressão pneumática intermitente das pernas e a deambulação precoce. 
Como profilaxia farmacológica usa-se a heparina em baixas doses e, mais recentemente, as heparinas de baixo peso molecular (HBPM). Uma ou outra devem ser iniciadas peri-operatoriamente e continuadas até 7 a 10 dias depois ou até à deambulação total. 
As HBPM são derivados fraccionados da heparina convencional que, apesar de relativamente recentes, foram já largamente estudadas e utilizadas. As HBPM têm sobre a heparina a vantagem de não necessitarem de monitorização dos tempos de coagulação, terem uma menor frequência de administração e, para um mesmo efeito anti-trombótico, apresentarem menor risco hemorrágico. Além disso, induzem menos trombocitopenia, menos osteoporose e podem ser usadas em ambulatório visto serem de administração subcutânea.
O custo por dose das HBPM é cerca de dez vezes superior ao da heparina mas a menor incidência de efeitos secundários e, sobretudo, a possibilidade de ser utilizada em ambulatório, tornam-na muito mais económica em termos de custos indirectos. O uso das HBPM em grávidas ainda não é consensual, enquanto que a heparina convencional goza de um perfil de segurança conhecido.
A generalidade dos estudos e das recomendações para profilaxia das doenças trombo-embólicas dizem respeito a doentes internados. No entanto, com o aumento da esperança de vida, com o aumento das intervenções cirúrgicas em pessoas idosas e com a tendência progressiva para as altas hospitalares precoces, é de esperar que, no futuro, a questão passe a pôr-se cada vez mais ao nível dos cuidados de saúde primários.

Tratamento
O tratamento de uma TVP deve ser considerado uma urgência pois os trombos podem propagar-se numa questão de horas. São precisamente os trombos recém-formados, ainda frágeis e instáveis, os mais propensos a embolizar. Um médico de família pode ter de decidir iniciar tratamento para uma TVP pois a maioria dos autores defende que, perante uma sólida suspeita clínica de TVP e na impossibilidade da sua confirmação imediata por «eco-doppler» ou outro exame, deve ser instituído tratamento hipocoagulante, dada a gravidade e precocidade das suas complicações. Logo que possível deverão ser realizados os exames necessários à confirmação da TVP, de acordo com os quais se decidirá manter ou não a hipocoagulação. 
Pode iniciar-se o tratamento hipocoagulante com heparina ou com HBPM. Logo que se confirme o diagnóstico iniciar-se-á, em sobreposição, um anticoagulante oral e, quando os tempos de coagulação estabilizarem, suspende-se a heparina ou a HBPM. Dados preliminares de estudos em curso sugerem que em breve a HBPM substituirá com vantagem a heparina como tratamento de primeira linha de todas as doenças trombo-embólicas, o que já sucede em alguns países.
As doses de HBPM variam entre as diferentes formulações disponíveis em Portugal. Cada marca vende seringas pré-doseadas para profilaxia e para terapêutica. Quando para fins curativos o ritmo de administração é sempre de 12 em 12 horas. A heparina convencional (após um bólus inicial de 5000 unidades endovenosas), deve ser administrada em perfusão contínua em dose de acordo com a monitorização contínua dos tempos de coagulação. Deste modo, o seu uso em cuidados primários não é viável. 
As alternativas à hipocoagulação, a trombectomia, os filtros da veia cava inferior e os agentes trombolíticos, têm indicações específicas e são da responsabilidade exclusiva do cirurgião vascular. 
A duração de um tratamento hipocoagulante de uma TVP oscila entre os 3 e os 6 meses. Se se tratar de uma recorrência de TVP, ou se um factor de risco não puder ser eliminado (por exemplo: insuficiência cardíaca congestiva, neoplasia maligna, deficiência de factores da coagulação, etc.), a hipocoagulação deve ser mantida indefinidamente. A contagem de plaquetas deve ser monitorizada semanalmente durante o tratamento com heparina ou HBPM. No fim do tempo de tratamento previsto e antes da suspensão dos anticoagulantes, deve ser realizado um «eco-doppler» de controlo. Se a cura se confirmar os anticoagulantes orais podem suspender-se em 3 a 6 dias.
Ao médico de família compete ainda a verificação de que uma contenção elástica forte é usada por todos os doentes com uma TVP. Após uma TVP a contenção elástica deverá ser mantida indefinidamente. As excepções são os casos em que o «eco-dopplers» de «follow-up» revele a completa resolução do trombo e em que os factores de risco também tenham sido eliminados.
Como medida terapêutica auxiliar, deve ser recomendado algum repouso ao doente portador de uma TVP. Os períodos de repouso devem fazer-se com o membro afectado em elevação, devendo o doente ser aconselhado a dormir numa cama de pés elevados. Deve frisar-se, no entanto, que o alectuamento está contra-indicado. Deve também prescrever-se algum exercício físico, inicialmente limitado. A marcha é o exercício mais desejável, sendo desaconselhado o ortostatismo prolongado. 
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Erros e limitações
A mais temida complicação da TVP, o trombo-embolismo pulmonar, ainda é, na maioria dos casos, um diagnóstico de autópsia. Tal é o resultado do sem número de TVP cujo diagnóstico escapa aos clínicos. Seja qual for a elevada sensibilidade e especificidade dos testes diagnósticos disponíveis, a maioria dos doentes não os fará se não suspeitarmos de uma doença trombo-embólica.

A identificação dos contextos de risco para TVP, pedra-chave na suspeita de TVP, ainda não é praticada de forma sistemática, nem nos cuidados de saúde primários nem nos hospitalares. Médicos especialmente motivados que aderiram a um estudo realizado em Espanha e para o qual receberam formação específica, só identificaram como tal 50% das situações de risco que se lhes apresentaram na sua consulta de Medicina Geral e Familiar. No mesmo estudo era referido que dos doentes internados em hospitais espanhóis com critérios para iniciarem profilaxia do trombo-embolismo, apenas 47% a estavam receber.
Uma TVP não tratada leva invariavelmente, em alguns anos, à hipertensão venosa do membro atingido; isto quer o vaso atingido se mantenha ocluído, quer ocorra a recanalização do mesmo (pois a recanalização faz-se à custa da destruição das válvulas). Para esta situação, denominada síndrome pós-flebítico, não há actualmente solução cirúrgica e uma contenção elástica permanente poderá apenas evitar a progressão da doença. Todos os esforços devem pois ser envidados na sua prevenção. 
Inúmeros estudos estão a ser conduzidos para determinar, entre outros, a dose e o «timing» perfeito da administração da HBPM em cada cirurgia, bem como qual, de entre as várias HBPM, aquela com mais vantagens. No entanto, à Medicina Geral e Familiar interessava sobretudo que se realizassem estudos que incidissem sobre os seguintes parâmetros:
1. risco trombo-embólico dos doentes operados após a alta hospitalar
2. risco trombo-embólico dos doentes médicos em geral
3. benefício da profilaxia nos primeiros e nos segundos
4. eficácia da compressão elástica se associada à HBPM
5. factores de risco trombo-embólico em ambulatório 
6. eficácia e relação custo-benefício da profilaxia farmacológica em pacientes ambulatórios que apresentem o mesmo risco dos internados 
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Pontos práticos a reter
As pedras-chave na abordagem da TVP são a sua prevenção e detecção precoce. Todos os médicos de família se devem familiarizar com as noções de contexto de risco, revendo-as periodicamente em relação a cada um dos seus doentes. 
Como estratégia de avaliação na consulta de uma suspeita de TVP, expõe-se um algoritmo proposto por Wells PS, et al. para utilização em cuidados de saúde primários, por várias vezes referido e avaliado positivamente na literatura. Este algoritmo (quadro II) estabelece factores major e minor a detectar exclusivamente pela anamnese e pelo exame objectivo. Em função do número destes factores presente é estabelecida uma probabilidade diagnóstica de TVP (alta, média ou baixa).
Qualquer que seja a probabilidade obtida pela aplicação do algoritmo a realização de «eco-doppler» deve ser tentada logo que possível, desde que se mantenha a suspeita de TVP. Como tal, todos os casos deverão ser referenciados, com urgência, a centros que disponham de atendimento por cirurgiões vasculares. Em alguns casos, como nas consultas distantes dos grandes centros, é lícito iniciar hipocoagulação antes que se confirme o diagnóstico. Neste caso, as HBPM são os fármacos mais seguros e em doses curativas são tão eficazes como a heparina convencional.
O uso de meias elásticas é, tal como na insuficiência venosa dos membros inferiores, um meio terapêutico e profilático essencial, passível de ser prescrito prelos médicos de família, mas ainda sub-utilizado.

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Quadro II

Determinação clínica da probabilidade de trombose venosa profunda

FACTORES MAJOR
cancro em actividade 
paralisia ou perna engessada recentemente 
acamado mais de 3 dias ou grande cirurgia nas 4 semanas anteriores 
dor localizada ao longo do sistema venosos profundo 
coxa ou perna edemaciada (medida) 
perna do lado sintomático edemaciada em mais de 3 cm 
pesada história familiar de TVP
FACTORES MINOR
hospitalização nos 6 meses anteriores 
traumatismo da perna nos últimos 2 meses 
apenas na perna sintomática 
edema godet positivo 
veias superficiais dilatadas (não varicosas) 
eritema
ALTA PROBABILIDADE = TVP em 85 % dos casos
sem diagnóstico alternativo 
e pelo menos 3 factores major 
ou pelo menos 2 factores major e pelo menos 2 factores minor
BAIXA PROBABILIDADE = TVP em 5 % dos casos
sem diagnóstico alternativo
e 1 factor major e 1 ou 0 factor minor 
ou 0 major e 2 ou menos factores minor 
ou
com diagnóstico alternativo 
e 1 factor major e 2 ou menos factores minor 
ou 0 major e 3 ou menos factores minor
PROBABILIDADE MODERADA = TVP em 33 % dos casos
todos os doentes sem critérios para alta nem para baixa probabilidade

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Trombose venosa superficial
A trombose venosa superficial, também denominada tromboflebite ou varicoflebite, ocorre quase sempre como complicação das varizes dos membros inferiores ou como sequela de cateterismos venosos múltiplos ou usando substâncias esclerosantes mal diluídas (neste caso mais frequentemente nos membros superiores). Menos frequentemente, as tromboses venosas superficiais, sobretudo se recorrentes, podem ser um síndrome paraneoplásico ou uma manifestação de doenças raras com a doença de Buerger, a doença de Behcet ou as doenças da coagulação.
Com alguma frequência (10 a 25% dos casos dependendo dos autores), associada a uma trombose venosa superficial encontra-se uma TVP pelo que, na presença da primeira, a procura da segunda, por «eco-doppler», deveria ser sistemática. Na impossibilidade desta procura sistemática, deveriam ser investigadas, pelo menos, as tromboses venosas superficiais com mais de 5 cm de extensão, com rápida propagação em altura ou com dor ou edema intensos associados. 
Clinicamente, a trombose venosa superficial apresenta-se por sinais inflamatórios de uma veia varicosa que se converte então num cordão duro e doloroso.
Na abordagem da trombose venosa superficial dos membros inferiores, é obrigatória a deambulação precoce e o uso de uma meia elástica até à raiz da coxa (para prevenir a propagação do trombo). A administração de um anti-inflamatório não esteróide sistémico será toda a medicação necessária quando não existe uma TVP associada. A administração de antibióticos é uma prática frequente mas só está indicada na tromboflebite dos toxicodependentes por via endovenosa. 
A persistência do trombo após 10 a 15 dias de tratamento deve levar à sua evacuação, através de uma simples incisão. No caso, raro, de uma trombose venosa superficial do membro inferior se propagar à virilha, será necessário uma intervenção urgente de remoção do trombo e laqueação da safena. Alguns autores advogam o uso de HBPM durante 10 dias nas tromboses venosas superficiais que sejam muito extensas ou proximais.
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