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Parte IV – Problemas clínicos
4.3. Abordagem do paciente com problemas respiratórios
201. Prova tuberculínica
António Simões
Isabel Almeida Santos
Abel Afonso
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Gonçalves, C
Silva, ML

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Introdução
A tuberculina é um concentrado esterilizado de um filtrado de Mycobacterium tuberculosis em caldo glicerinado, de modo a conter 100.000 unidades internacionais (U.I.) por cm3. É o principal constituinte do bacilo ao qual o indivíduo se torna «sensível» depois de infectado com o Mycobacterium tuberculosis.
Inicialmente, foi utilizada (sem qualquer sucesso) por Kock com propósitos terapêuticos. Esta era a «Old Tuberculin» (OT).
Hoje a tuberculina utilizada designa-se por proteína «purified derivative» (PPD) em oposição à «Old Tuberculin» (OT), em virtude do grande número de reacções cruzadas com outras micobactérias não tuberculosas que esta provocava.
Existem duas formas de PPD: além da PPD-s geralmente referido nos trabalhos americanos e actualmente não disponível, e a PPD RT 23 – a mais utilizada na actualidade – e que é doseada em U.I. Uma unidade de PPD RT 23 equivale a 3 unidades PPD-S.
O teste tuberculínico é um teste cutâneo em que o antigénio (tuberculina) induz localmente um processo inflamatório de tipo retardado em pessoas infectadas com o Mycobacterium tuberculosis. Este processo é mediado por linfócitos T com memória imunológica, que produzem linfoquinas que atraem ao local do teste linfócitos sensibilizados que causam a induração e por vezes vesiculação e necrose.
O teste tuberculínico ou prova de Mantoux, é um método de demonstração de infecção com o bacilo, que mesmo correctamente avaliado, apresenta especificidade e sensibilidade inferior a 100%. É no entanto um bom método para a detecção da tuberculose infecção e não para detecção de doença.
Da confusão entre as duas situações (infecção e doença) resulta muita da polémica quanto à sua utilidade e utilização.
A tuberculina está disponível em várias doses 1; 2; 5; 10; 250 U. No entanto a tuberculina PPD RT 23 a 2 U é a adoptada de uma forma geral nos serviços de saúde do nosso país, tendo em conta a relação custo/beneficio.
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Técnica de execução da prova
A prova tuberculínica consiste na injecção intradérmica de 0,1 ml de tuberculina 2 U RT 23 (método de Mantoux). Recomenda-se este método por ser o mais sensível.

Material indispensável:
Seringa descartável de 1 ml graduada em 0,01 ml 
Agulha curta, fina e de bisel curto (calibre 25 ou 26)
Tuberculina a 2 U PPD RT 23 adicionada de Twen 80 (detergente para prevenir a adesão ao vidro) armazenada a temperaturas que não excedam os 20º C, sem exposição directa à luz do sol.
Régua transparente graduada em ml.

Modo de Execução:
Depois da limpeza simples da pele com álcool, deve introduzir-se a ponta da agulha na camada superficial da derme do antebraço na transição da região ventral com a dorsal e esticando ligeiramente a pele no sentido longitudinal em direcção ao bisel da agulha que deverá estar virado para cima.
Recomenda-se só tocar no canhão da seringa quando a ponta estiver correctamente introduzida.
Introduzir lentamente 0,1 ml de tuberculina e retirar o dedo do canhão antes de exteriorizar a agulha.
Formar-se-á uma pápula nitidamente bem delimitada muito pálida e com aspecto cor de laranja – indicação de que foi correcta a injecção intradérmica.

A leitura da prova deve fazer-se entre as 48 e 72 horas, palpando cuidadosamente a induração e determinando os seus limites, no seu diâmetro horizontal.
Deve anotar-se o resultado em milímetros no B.I.S. e registar simultaneamente o tipo e unidades de tuberculina utilizados.
A repetição (em indivíduos não sensibilizados) de provas intradérmicas, não os sensibiliza à tuberculina. Isto quer dizer que se um indivíduo for realmente negativo, por não estar vacinado/infectado com micobactéria tuberculosa ou não tuberculosa, a repetição de provas intradérmicas no mesmo local e com intervalos curtos, não os torna tuberculinopositivos. No entanto, naqueles que foram previamente sensibilizados a repetição da prova tuberculínica pode desencadear uma estimulação da hipersensibilidade retardada com consequente aumento da induração – efeito intensificador ou efeito «booster». Este efeito pode surgir quando as provas tuberculínicas são repetidas com intervalos de uma semana a um ano ou mais, podendo ocorrer em qualquer idade, revestindo-se da maior importância em indivíduos com mais de 55 anos.
Para ultrapassar este problema, aplica-se o teste «two-step» que serve para distinguir efeito «booster» de reacções devidas a infecção recente, e consiste em realizar no braço oposto uma prova de Mantoux 7 a 15 dias após a primeira prova.
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Quando efectuar a prova?

Fazer de imediato:
1. A todas as crianças que no âmbito do PNV não fizeram BCG nos primeiros 2 meses de vida, com a finalidade de cumprir o PNV; aos 11 – 13 anos, com a finalidade de conhecer a prevalência da infecção e como auxiliar de diagnóstico de casos de tuberculose doença na criança.
2. Imigrantes provenientes de países de alta prevalência com o propósito de ponderar o inicio de quimioprofilaxia, como auxiliar diagnostico de doença e para conhecer a prevalência de infecção no grupo.
3. Recrutas, tendo como objectivo a detecção de casos, e o conhecimento da prevalência da infecção.
4. Contactos de crianças infectadas ou doentes. Deve fazer-se prova tuberculínica na altura do diagnóstico do caso índice. Se não reactivo, repetir ao fim de 2 meses nas crianças até aos 16 anos.
5. Contactos de tuberculose pulmonar (BK positivo ou não) fazer prova tuberculínica na altura do diagnóstico do caso índice. Se não reactivo, repetir passados 2 meses ou quando o caso índice negativar. A finalidade será o diagnóstico de infecção, auxiliar no diagnóstico de doença e ponderar o início de quimioprofilaxia. Efectuar o teste «two-steps».
6. Foco suspeito (considerar crianças com menos de 16 anos de um agregado populacional epidemiologicamente suspeito) com a finalidade de detecção de casos.
7. Suspeitos de tuberculose doença (sinais clínicos ou radiológicos) como auxiliar no diagnóstico de doença.

Fazer anualmente:
Quando a reacção for desconhecida ou não reactiva, com a finalidade de ponderar o inicio de quimioprofilaxia, como auxiliar diagnostico de doença, para estudo da prevalência da infecção e para estudo do risco de infecção, nos seguintes indivíduos:
Reclusos
Infectados com HIV/ SIDA
Toxicodependentes
Profissionais de saúde

Nestas situações, está indicado fazer o teste «two steps»
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Interpretação dos Resultados
Na análise dos resultados da prova deve ter-se em conta o grupo populacional, a região e respectivas prevalências de tuberculose ou outras micobacterioses e taxas de vacinação BCG. A elevada taxa de cobertura vacinal por BCG, particularmente nos grupos etários mais jovens, vem dificultar a análise dos resultados, que deverão ser ponderados quando há vacinação prévia. Nos adultos dado o contexto epidemiológico do nosso país, a prova tuberculínica é apenas mais um elemento no estudo de cada caso, excepto nas situações em que há registo nos últimos dois anos de uma reacção negativa prévia. Assim, a interpretação dos resultados deve ter em conta a finalidade com que a prova é realizada e o grupo etário:

1. Selecção para vacinação
A selecção dos indivíduos a vacinar com BCG efectuada com prova tuberculínica prévia permite detectar os indivíduos infectados ou os já vacinados anteriormente e ainda reagindo positivamente, e evitar a vacinação BCG que provocaria reacção local exuberante conduzindo a má opinião sobre a vacinação. A vacinação directa se bem que possível de ser efectuada não está aconselhada por estes motivos. Ainda há pouco tempo era habitual no nosso país a prova de tuberculina para verificação do estado de alergia pós-vacinal. No entanto a existência de imunização é também atestada pela cicatriz vacinal (aparente em 95%) sendo assim o sinal proposto no PNV para confirmar a alergia após a primeira vacinação BCG. Assim no âmbito do PNV uma reacção inferior a £ 5 mm, na ausência de vacinação anterior, implica necessidade de vacinação.

2. Ponderar a instituição de quimioprofilaxia
Indivíduos menores de 15 anos – Considera-se reacção positiva (infecção):
Quando a induração >= a 5 mm, se não houver vacinação prévia
Induração >= a 15 mm, independentemente da situação vacinal
Conversão tuberculínica recente documentada (viragem) 
Indivíduos maiores de 15 anos – Considera-se reacção positiva (positiva):
Induração >= a 15 mm, em indivíduos saudáveis sem qualquer contacto com tuberculose activa.
Induração >= a 10 mm em indivíduos com viragem recente e indivíduos com condições predisponentes à tuberculose (diabetes, insuficiência renal crónica, malnutrição, etc.).
Induração >= a 5 mm, em doentes com HIV.

3. Auxiliar de diagnóstico de tuberculose-doença
Não há qualquer valor de referência para diâmetro de reacção à tuberculina que permita interpretar, isoladamente, como sendo indicativo de doença activa. No entanto na criança, pode ser um auxiliar precioso. Uma forte reacção tuberculínica não significa a presença de tuberculose activa, mas sempre de tuberculose infecção (com maior risco de adquirir a doença).

4. Analise epidemiológica de uma população
A estimativa da prevalência de infecção numa população implica a analise da distribuição dos diâmetros das reacções, com vista à identificação criteriosa dum ponto de «cut-off» entre o nível de reacção atribuível à infecção pelo M. tuberculosis e nível atribuível a outros factores possíveis. Segundo recomendações internacionais aceites, assume-se que diâmetros superiores a 10 mm correspondem a infecção. É o ponto em que será menor o número de falsos infectados excluídos. Em Portugal, dada a elevada cobertura vacinal pelo BCG, estabelece-se como critério de infecção diâmetros iguais ou superiores a 15 mm nos menores de 16 anos, 10 mm nos outros grupos etários e 5 mm nos imunodeprimidos. A análise futura dos perfis tuberculínicos condicionará a manutenção ou alteração destes critérios. Chama-se a atenção que estes critérios dizem respeito à análise epidemiológica e não ao diagnóstico individual de infecção.
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Causas de negativação da prova tuberculínica
Uma reacção negativa, se pode significar a inexistência de infecção, não exclui a existência de doença activa. Todas as situações de depressão da imunidade, transitórias ou definitivas, devidas a doença subjacente ou iatrogénicas podem provocar uma prova tuberculínica negativa.


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Quadro I

Causas de negativação da prova tuberculínica

DOENÇA SUBJACENTE IATROGÉNICAS
- Víricas (sarampo, rubéola, gripe etc.)
- Neoplasias
- Sarcoidose
- Sífilis
- Silicose 
- Má nutrição avançada 
Diabetes 
Insuf. renal crónica 
Insuf. renal crónica 
- Imunodepressão dos idosos 
- Formas graves de tuberculose 
Pleurite bacilar
- Vacinação – antiviral recente
- Terapêuticas imunossupressoras (corticóides, citostáticos)
- Fase pré-alérgica (realização da prova no período inferior a 8 semanas após o contacto)
- Má técnica (injecção, leitura, conservação, dose, etc.)

São de realçar as infecções víricas pela sua frequência e as formas graves de tuberculose pelo seu aspecto paradoxal. Estas situações de negativação são habitualmente reversíveis quando cessa a depressão imunitária.
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Recomendações:
Não esquecer que o programa mais fiável de controlo da tuberculose se baseia em investigações agressivas e oportunas dos contactos, e não em provas tuberculínicas de rotina em grandes populações.
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