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Parte IV – Problemas clínicos
4.4. Abordagem do paciente com problemas digestivos
206. Prevenção de parasitoses
Sebastião Baleiras
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Outeirinho, C;
Melo, Miguel


As parasitoses são muito frequentes nas regiões rurais de África, Ásia e América do Sul, e pouco frequentes nos países com um bom nível de desenvolvimento. Centrar-nos-emos nas que têm mais probabilidade de ser contraídas nos países desenvolvidos e nas que ocorrem com maior incidência nos outros. Os residentes em centros urbanos que tenham vivido ou viajado em países em vias de desenvolvimento podem ver-se expostos a parasitas exóticos. Para evitar a infecção, é útil recomendar medidas gerais acerca dos alimentos, higiene e outras normas sanitárias às pessoas que viajam para países em vias de desenvolvimento. Os médicos que tenham que tratar doentes com parasitas exóticos pouco frequentes, podem recorrer à consulta de Doenças tropicais no Hospital Egas Moniz ou a uma das várias Consultas do Viajante que funcionam nos hospitais centrais e em alguns distritais. Nestas consultas, os técnicos dispõem formação específica na área, de uma vasta experiência, de acesso a meios de diagnóstico inacessíveis na generalidade dos laboratórios e de medicamentos que não estão disponíveis nas farmácias comerciais.
O conhecimento da história natural de toda a infecção, incluindo o período de incubação, os vectores potenciais, o ambiente, animais ou insectos e a variabilidade da sua apresentação, são de uma grande importância na abordagem das parasitoses. O mesmo agente infeccioso pode ser a causa de uma grave doença num paciente, ou de um quadro leve ou inexistente noutro. Os sinais clínicos de infecção dependem da interacção entre o hospedeiro, com a sua resposta imunitária variável, e o agente, com a sua também variável carga de factores virulentos. A idade, o stress e a nutrição constituem importantes condicionantes do hospedeiro sobre a história natural da infecção.
Outros factores epidemiológicos são o local de trabalho, as viagens, os animais domésticos e a origem da água e da comida. 
A imunidade, o estado de nutrição, as doenças subjacentes, o viver amontoado e a exposição precoce aos agentes infecciosos representam os principais factores relacionados com a disseminação ou extensão da doença na família. 
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Oxiuríase
Infestação causada pelo enterobius vermicularis, caracterizada por prurido perianal. O oxiuro é o parasita mais frequente que infesta as crianças nos climas temperados. A prevalência do enterobius na população infantil é de cerca de 20%. A infestação faz-se através dos dedos, desde a área perianal até à roupa, objectos de uso comum, locais a partir donde os ovos são recolhidos por um novo hospedeiro, que os transporta à boca e deglute. Os ovos transportados pelo ar podem ser inalados e de seguida deglutidos. A re-infestação, ou auto-infestação produz-se frequentemente pelo transporte dos ovos através dos dedos, desde a área perianal à boca. 
Muitos dos indivíduos que têm oxiúros não apresentam quaisquer sintomas. O prurido perianal e perineal, acompanhados de lesões de coceira são sintomas frequentes. Têm-se atribuído aos oxiúros algumas queixas sem uma clara relação causal, nomeadamente dor abdominal, insónias, convulsões e muitas outras.
O tratamento faz-se com mebendazol em dose única de 100 mg per os, ou pamoato de pirantel numa dose de 11 mg/kg e repetida 2 semanas depois. O tratamento deverá ser feito a todos os membros da família já que existem geralmente vários infestados na mesma casa.
A profilaxia fundamenta-se na aplicação de medidas de higiene geral (defecar em locais apropriados, lavar as mãos antes de comer e depois de defecar, cortar as unhas curtas), no tratamento adequado dos portadores e dos prováveis portadores, assim como no tratamento simultâneo dos conviventes (colegas de escola e familiares).
2
Ascaridíase
Infecção causada pelo Ascaris lumbricoides, que cursa com sintomas pulmonares precoces e sintomas intestinais mais tardios. Tem uma distribuição mundial, mas prevalece em regiões quentes e húmidas, com más condições sanitárias, persistindo sobretudo pelos hábitos alimentares das crianças e o costume de defecar em locais inadequados.
A infestação faz-se através do consumo de legumes e hortaliças contaminados por ovos do parasita existentes no solo, provenientes de fezes de portadores que não as depuseram em local apropriado.
O diagnóstico faz-se geralmente pelo reconhecimento dos ovos nas fezes. Os ovos fecundados são geralmente bem identificados, distinguindo-se bem dos outros helmintas.
O tratamento faz-se com antiparasitários, usando-se o albendazol, o mebendazol e o pamoato de pirantel, com preferência pelo primeiro pela comodidade de administração.
A profilaxia assenta numa boa higiene pessoal e na utilização de instalações sanitárias adequadas.
3
Tenia solium 
Infestação intestinal causada pela tenia solium. É frequente na Europa Oriental, América Latina e Ásia. O parasita adulto mede de 2,5 a 3 metros, desenvolvendo-se no intestino do hospedeiro. O hospedeiro intermédio é o porco, podendo o homem actuar também como hospedeiro intermediário, quer pela ingestão directa dos ovos como pela regurgitação de proglotides grávidas do intestino para o estômago, onde libertam embriões que atravessam a parede intestinal e são transportados ao tecido subcutâneo, músculos, vísceras e SNC. Em geral a infecção é assintomática, podendo no entanto causar mialgias, falta de força muscular, febre, meningoencefalite ou epilepsia. O diagnóstico faz-se pelo achado dos ovos do parasita nas fezes ou na região perianal. Existem testes imunológicos com um elevado grau de sensibilidade e especificidade.
A prevenção faz-se evitando o consumo de carne de porco mal passada, devendo preferir-se a bem cozida. Para controlar a infecção deve dispor-se de um bom sistema veterinário-sanitário que inspeccione as carnes.
4
Equinicocose (Equinococus Granulosus)
Infestação causada pelas larvas de equinococus granulosus, sendo o principal hospedeiro definitivo o cão, e o intermédio a ovelha. O homem pode adquirir a infecção durante a infância ao brincar com cães infectados. Os ovos libertados pelos cães, passam para o meio ambiente sendo depois ingeridos pelo hospedeiro intermédio (ovelhas ou mesmo homens), e uma vez dentro deste hospedeiro os embriões atravessam a parede intestinal e são transportados pela circulação portal até ao fígado, ou mesmo pulmão, cérebro, rins, ossos ou outros tecidos. As larvas que sobrevivem formam quistos hidáticos que aumentam lentamente de tamanho até darem uma sintomatologia compressiva. 
A maioria dos quistos localiza-se no fígado onde pode permanecer de forma assintomática durante décadas, causando dor ou uma massa palpável. A rotura do quisto pode fazer-se para o canal colédoco, cavidade abdominal ou pulmão, podendo causar febre, urticária ou uma reacção anafilática grave.
A profilaxia consiste em tratar repetidamente com desparasitantes os cães das regiões onde existem ovelhas. Devem destruir-se os restos e despojos de ovelhas mortas para evitar que os cães ingiram esse material eventualmente contaminado. 
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Fasciolíase
A fasciola hepática parasita as vias biliares de numerosos animais, em particular os bovinos e os ovinos, e acidentalmente o homem. O seu hospedeiro intermediário é um molusco do género limnea, enquistando-se os seus metacercos nos vegetais aquáticos. O homem contamina-se ingerindo esses vegetais. Este parasita encontra-se disseminado por todos os continentes. 
No homem, a doença cursa em duas fases: período de invasão, correspondendo à migração transtecidolar das larvas; período de estado, em que as perturbações são devidas à presença de parasitas adultos nas vias biliares.
As principais manifestações da doença caracterizam-se por cólicas no hipocôndrio direito, colecistite, manifestações alérgicas (urticária, dermografismo, crises asmatiformes), sub-icterícia ou icterícia, hepatomegalia discreta. O diagnóstico assenta na existência de uma leucocitose, eosinofilia (chegando a atingir 50%), e testes serológicos. A existência de ovos nas fezes ou no aspirado duodenal confirmam o diagnóstico, na segunda fase da doença.
A profilaxia assenta nos cuidados alimentares, evitando o consumo de vegetais aquáticos crus, principalmente agriões; deverão evitar-se os legumes cultivados em campos com águas contaminadas e deverá consumir-se apenas água tratada.
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Toxoplasmose
Doença causada pelo Toxoplasma Gondii, sendo frequentes as infecções assintomáticas. Apresenta uma distribuição mundial. Os exames serológicos mostraram que 7 a 80% de diferentes populações estudadas já foram infectadas, desconhecendo-se os valores respeitantes a Portugal. No feto e nos imunodeprimidos a doença assume geralmente um carácter grave.
O toxoplasma gondii é um parasita intracelular, de pequeno tamanho, capaz de infectar qualquer animal de sangue quente. Invade o interior do citoplasma das células nucleadas do hospedeiro parasitado, onde se reproduz de forma assexuada. Quando o hospedeiro desenvolve um estado de imunidade, a multiplicação do parasita diminui e formam-se quistos nos tecidos. Nas células intestinais dos gatos ocorre a reprodução sexual do parasita, com a formação de oócitos, que se eliminam pelas fezes do animal. A transmissão da doença pode ocorrer por via transplacentar, por ingestão de carne crua ou pouco cozida que contenha quistos ou pelo contacto com terra contaminada com fezes de gato que contenha oocitos.
A profilaxia dirige-se principalmente às mulheres grávidas e aos imunocomprometidos, consistindo em evitar o contacto com gatos e outros animais de pelo, consumir apenas carnes bem passadas, não comer saladas cruas, lavagem cuidadosa das mãos depois de contactar com terra.
7
Amebiase (Disenteria Amibiana)
A amebíase é uma infecção do intestino grosso causada pela Entamoeba histolytica. Geralmente os indivíduos infectados são portadores assintomáticos, mas por vezes apresentam-se com um quadro de diarreia crónica que pode ser ligeira até muito grave. A mais comum das complicações extra intestinais é o abcesso hepático, que pode romper para o peritoneu, pleura, pulmão ou pericárdio.
Esta infecção ocorre em todas as partes do mundo, sendo no entanto mais frequente nos países subdesenvolvidos e nas comunidades mais desfavorecidas 
Nas pessoas infectadas que apresentam sintomatologia, existe diarreia intermitente que consiste numa a 4 dejecções diárias, geralmente fétidas, pastosas ou líquidas. As evacuações por vezes podem ter muco ou sangue. As evacuações pastosas alternam com períodos de relativa normalidade e podem persistir por meses ou anos. A sigmoidoscopia, por vezes revela a existência de ulcerações típicas, intercaladas de mucosa normal. O diagnóstico faz-se pela verificação do microorganismo nas fezes ou pela verificação das ulcerações na mucosa intestinal.
O tratamento baseia-se fundamentalmente na administração de metronidazol ou tetraciclinas, podendo ser administrados em conjunto para se atingir uma maior eficácia.
Para controlar a propagação da entamoeba histolítica deve evitar-se a contaminação dos alimentos, da água e outras substâncias, evitando o contactado com fezes humanas. Nas zonas mais desfavorecidas, a alta incidência de portadores assintomáticos dificulta o problema da prevenção. O tratamento massivo da população e a implementação de medidas higieno-sanitárias poderão ter um papel essencial no controle desta doença.
8
Giardíase (Giardia Lamblia)
Na maioria das vezes é assintomática, pode no entanto causar flatulência, dor epigástrica, cólicas, distensão abdominal, diarreia aquosa e perda de peso. Nas crianças a sintomatologia mais grave é geralmente mais frequente. Um cheiro característico a «ovos podres» (sulfureto de hidrogénio) é frequentemente, emitido com a respiração, as fezes ou ambas.
A giardia lamblia é considerada uma das principais causas da diarreia do viajante, tem geralmente um início tardio e pode persistir por várias semanas. 
O homem contamina-se ao ingerir água ou alimentos crus que contenham quistos maduros. Os quistos ingeridos transformam-se em trofozoitos no duodeno. A transmissão pode ser directa de homem para homem ou através das moscas que podem veicular passivamente os quistos à distância. 
O diagnóstico baseia-se no achado dos parasitas nas fezes diarreicas, no líquido duodenal ou nas biopsias do jejuno. Por vezes identificam-se formas quísticas nas fezes. 
O tratamento faz-se geralmente com metronidazol, 250 mg 3 vezes/dia, durante 7 a 10 dias; quinacrina, 100 mg 3 vezes/dia também durante 7 a 10 dias.
Esta infecção apresenta uma distribuição mundial, sobretudo nas regiões de más condições sanitárias e nas crianças. Os parasitas eliminam-se pelas fezes, na forma normal ou na forma de quistos. A forma quística é bastante resistente e transmite a doença do hospedeiro para outra pessoa por via fecal-oral, quer por contacto directo ou indirecto. São reservatórios da doença tanto o homem como os animais selvagens.
Após um período de incubação de 1 a 2 semanas, a maioria dos doentes fica com diarreia, náuseas, anorexia e perda de peso.
Os doentes com alterações do sistema imunitário, como a hipogamaglobulinemia ou SIDA, podem ser especialmente vulneráveis a infecção por Giardia lamblia.
A profilaxia colectiva é difícil, resumindo-se à luta contra o perigo fecal. É necessário tratar sistematicamente os portadores para evitar as reinfestações.
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Paludismo (Plasmodium)
-Caracteriza-se por episódios paroxísticos de febre, calafrios e sudorese, assim como por causar anemia, esplenomegalia e uma evolução crónica e recidivante. A maioria das zonas endémicas localiza-se nos trópicos, onde o paludismo constitui, com frequência, uma das doenças mais importantes. O homem pode infectar-se por 4 tipos de parasitas do tipo plasmodim (P), apresentando cada um deles um padrão biológico diferente (P. vivax, P. Falciparum, P. Malariae e P. Ovale). A infecção produz-se pela picada de um mosquito Anopheles infectado, por transfusão de sangue de um dador infectado e pela partilha de seringas nos drogados.
A profilaxia consiste no controle dos lugares onde proliferam os mosquitos, no uso de pulverizadores com insecticida de acção prolongada nas casas, no emprego de redes mosquiteiras nas portas e janelas, no uso de repelentes contra os mosquitos, e na utilização de bastante roupa, sobretudo depois do anoitecer, com o objectivo de proteger ao máximo a pele das picadas dos mosquitos. As pessoas que viajam para locais endémicos devem fazer uma quimioprofilaxia com uma substância adequada ao local para onde viajam.
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Tripanosomíase
Doença crónica, causada pelos Tripanosomas (T) e que pode assumir dois aspectos distintos, consoante o tipo de T. infectante. Os T. Gambiense e Rodesiense provocam a doença do sono, enquanto que o T. Cruzi provoca a Doença das Chagas. 
A Doença do Sono ocorre em África, e a Doença das Chagas na América do Sul e Central. A forma africana da tripanosomíase transmite-se pela picada da mosca tse-tse e, a doença das Chagas pela picada de insectos do tipo redúvio. 
A profilaxia da tripanosomiase africana faz-se pela protecção contra as moscas vectoras e evitando as zonas endémicas. Os redúvios, transmissores da Doença das Chagas, alojam-se em casas mal construídas, pelo que se aconselha a não dormir nestes edifícios e a usar redes nas camas ou insecticidas. Estes conselhos devem ser transmitidos aos turistas que se deslocam para as zonas endémicas do continente americano.
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