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Parte IV – Problemas clínicos
4.4. Abordagem do paciente com problemas digestivos
215. Rectorragias
Maria dos Prazeres Francisco
Dr. José S. Medeiros
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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Melo, Miguel

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Introdução
Entende-se como rectorragia a emissão de sangue vivo pelo ânus. Este sintoma indica uma perca de sangue distal, abaixo do ângulo de Treitz.
É também de ter em conta a quantidade de sangue perdido, o tempo de evolução, e se existe aumento da velocidade do trânsito intestinal, dados importantes para a avaliação diagnóstica. Ter presente contudo que 5% das rectorragias tem a sua origem no tracto digestivo superior. A história clínica e a anamnese são instrumentos preciosos para o diagnóstico diferencial.
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Diagnóstico diferencial
Numa situação de rectorragia, devemos pensar nas causas mais frequentes por ordem de incidência.

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Quadro I

Causas mais frequentes de rectorragias

1. Hemorróidas e fissuras e fístulas
2. Proctities
- Gonorreia;
- Mycoplasma.
3. Colite isquémica:
- Infecciosa;
- Idiopática;
- Inflamatória:
   - Ulcerosa;
   - D. Crohn
4. Tumores;
5. Divertículo/Diverticulite;
6. Malformações vasculares;
7. Lesões traumáticas/Corpos estranhos

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Avaliação diagnóstica

A abordagem do doente com rectorragias deve orientar-se no sentido clínico identificar:
1. Local de hemorragia;
2. Quantidade de sangue perdido;
3. Tempo e duração do sangramento.
Por vezes percas prolongadas mas de pequenas quantidades pode não apresentar grande repercussão no estado geral do doente e por outro lado uma perca de grande quantidade num só episódio agudo pode colocar o doente com depleção do volume intravascular e instabilidade hemodinâmica e stock:

Anamnese
1. História familiar: pesquisar doença intestinal; patologia da coagulação (diátese hemorrágica); doença sistémica com características familiares ou hereditárias.
2. Antecedentes pessoais: história anterior de patologia ulcerosa ou hemorragia digestiva; etilismo; ingestão de fármacos gastro-erosivos e de anticoagulantes; hemorróidas; doença sistémica preexistentes; hábitos de vida sexual; cirurgia recente; história ginecológica.
3. História pregressa: duração e frequência da hemorragia; quantidade e aspecto do sangue eliminado; aspecto e consistência das fezes; existência de dor abdominal ou anal; alterações dos hábitos intestinais; hemorragia a outros níveis (epistáxis; hematúria); qualquer sintoma contemporâneo da rectorragia.

Exame físico
Devemos iniciar pela observação e avaliação geral, o que nos dá indicação do estado hemodinâmico, cor e temperatura da pele orientação temporo-espacial do doente; pulso e TA; o exame naso-orofaríngeo (sinais de epistáxis recente por exemplo) e o exame dermatológico (despiste de anomalias vasculares; estigmas de hepatopatia crónica) constituem passos fundamentais.
O exame do abdómen (defesa à palpação ou ventre em madeira; hepatosplenomegalia; massa palpável) e o exame rectal são imprescindíveis; e que nos permite descartar lesões locais (hemorróides e fissuras corrimentos; patologia infecciosa). O toque rectal deve ser sempre realizado a menos que exista situação clínica muito dolorosa ou que não seja possível (como no espasmo do esfíncter anal) dando informações preciosas para o diagnóstico (tumores, irregularidades do parede ou sistema da mucosa; corpos estranhos).

Exames complementares de diagnóstico
Inicialmente devemos avaliar o estado geral: 
1. Hemograma completo;
2. VS; 
3. Estudo do coagulação; 
4. Electrocardiograma.
Posteriormente os EAD’s para esclarecimento diagnóstico:
1. Anuscopia;
2. Rectosigmoidoscopia;
3. Estudo radiológico com contraste baritado – clister opaco (caso não haja contra indicação e sempre e só depois da endoscopia pois pode dificultar a interpretação desta).
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Intervenção terapêutica em medicina geral e familiar
1. Avaliar a quantidade de sangue perdido baseando-nos na TA na frequência cardíaca e sinais de perfusão periférica. Deve avaliar-se a TA e o pulso com o doente. deitado e se for possível com o doente de pé; se o diferencial destas avaliações for uma pulsação mais de 20 pulsações por minuto e na TA uma baixa de 20 mmHg, respectivamente podemos pensar numa perca superior a 1000 ml. Nestes casos é imprescindível a reposição do volume circulante e enviar aos cuidados secundários – Urgência.
2. Num doente hemodinamicamente instável (hipotensão; taquicardia superior a 120 pulsações por minuto e TA sistólica inferior a 100 mmHg) estabilizar os sinais vitais canalizando veias e perfusão de soros ou de expansores plasmáticos e enviar ao Serviço de Urgência mais próximo.
3. Num doente sem sinais de instabilidade hemodinâmica e cuja hemorragia é ligeira, crónica ou intermitente, iniciar estudo diagnóstico ambulatório e tratamento etiológico. Nas situações de não esclarecimento, diagnóstico, onde patologia tumoral que necessite de intervenção cirúrgica referenciar para a consulta externa de cuidados secundários.
4. Educação sobre higiene corporal, alimentar sempre com uma atitude de informação educativa (e não alarmista) sobre sinais de alerta (alterações dos hábitos digestivos, tenesmo rectal; falsas vontades e vigilância do aspecto consistência e cor das fezes; hemorragia de repetição).
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Erros e limitações em medicina geral e familiar
1. Admitir como certos os «palpites» diagnósticos dos doentes não realizando o exame e o estudo complementar adequados.
2. Não esclarecer obrigatoriamente um episódio de rectorragia moderada em doentes com idade superior ou igual a 40 anos, nomeadamente quando há patologia hemorroidária.
3. Não efectuar profilaxia de hemorragia digestiva a doentes com idade superior a 65 anos quando prescrição de AINE’s.
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Prognóstico e seguimento
Devem ser considerados de alerta prognóstico e orientados para exaustivo esclarecimento diagnóstico e vigilância periódica os doentes com episódio de rectorragia e com: 
1. Idade superior a 60 anos;
2. Doenças associadas;
3. Coagulopatias; 
4. Imunodepressão; 
5. Repetição de episódios hemorrágicos digestivos; 
6. Varizes sagrantes; 
7. Homossexuais masculinos