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Parte IV – Problemas clínicos
4.4. Abordagem do paciente com problemas digestivos
234. Hérnias da parede abdominal
Tânia Pires Silva
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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Melo, Miguel

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Introdução
De um modo geral, o termo hérnia significa a saída de um órgão, parte de este ou de uma estrutura, da cavidade onde normalmente se encontra, através de um defeito ou de um orifício, seja este natural ou artificial. No caso das hérnias abdominais, estas podem ser por uma saída para o exterior (hérnias abdominais externas) através de defeitos da parede abdominal antero-lateral, da parede posterior - hérnias lombares, da parede superior ou diafragmática - hérnias diafragmáticas ou da parede inferior ou pélvica - hérnias pélvicas. Existem também as denominadas hérnias abdominais internas, que, embora raras, ocorrem quando se produz a passagem de uma cavidade a outra dentro do abdómen (como é o caso das hérnias paraduodenais que ocorrem por alterações congénitas no processo de rotação intestinal). Uma hérnia abdominal consta de três elementos (fig. 1): o defeito ou orifício através do qual vai passar a estrutura herniada; o saco peritoneal formado por peritoneu parietal que sai através do defeito em forma de dedo de luva e o conteúdo que pode ser qualquer víscera existente no interior da cavidade abdominal (com excepção do pâncreas, estão documentadas hérnias contendo qualquer dos órgãos abdominais). 
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Figura 1 

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Etiologia das hérnias abdominais
As hérnias abdominais são mais frequentes no sexo masculino que no feminino, em proporções variáveis dependendo do tipo de hérnia (nalguns casos a relação é de 6:1).
Os factores etiológicos podem resumir-se em dois grandes grupos:
1. os que diminuem a resistência da parede abdominal num determinado ponto, tornando possível a hérnia; e
2. os que aumentam a pressão intra-abdominal.
Os factores pertencentes ao primeiro grupo são os mais determinantes já que estes dão origem ao denominado defeito. Por sua vez, o defeito da parede abdominal pode ser congénito, muito embora a hérnia propriamente dita possa ou não aparecer, ou fazê-lo tardiamente, ou adquirido, mediante uma acção traumática, já seja acidental ou cirúrgica (hérnias incisionais ou eventrações). Nalguns casos existe a combinação de uma debilidade congénita da parede abdominal, acentuada com a idade, com a acção continuada de uma elevada pressão intra-abdominal (como no caso das hérnias inguinais).
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Semiologia geral das hérnias abdominais
No caso das hérnias abdominais externas, o doente vem à consulta por ter notado uma massa ou tumefacção que aumenta quando realiza certos esforços ou em certas posições e com frequência queixa-se de mal-estar ou inclusivamente dor na região da massa. Se, ao realizar a palpação abdominal, a tumefacção tiver uma consistência mole e existirem ruídos hidro-aéreos à pressão, estamos perante uma hérnia de conteúdo intestinal. Se pelo contrário, a consistência for granulosa, o conteúdo herniário é epíploo. Durante a exploração clínica, é também muito importante avaliar a redutibilidade da hérnia mediante exteriorização e redução da mesma. A exteriorização obtém-se em situações que aumentam a pressão intra-abdominal, já seja realizando manobras de Valsalva, tossindo ou pondo-se de cócoras. A redacção pode ocorrer de forma espontânea ao cessar qualquer das situações anteriores ou ser provocada manualmente exercendo pressão sobre a tumefacção até que esta deixe de ser visível ou palpável. Quando as manobras de reintrodução manual da hérnia (táxis da hérnia) não são eficazes, estamos perante uma hérnia irredutível que em geral traduz a existência de um processo inflamatório do epíploo, com formação de bandas fibrosas que impedem a restituição do conteúdo à cavidade abdominal. Nas hérnias abdominais internas, a tumefacção não é visível e raramente palpável, mas pode demonstrar-se a sua existência mediante técnicas radiológicas (estudos com contraste baritado) e, frequentemente durante uma laparotomia exploradora por suspeita de obstrução intestinal.
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Tratamento geral das hérnias abdominais
Uma vez diagnosticadas, as hérnias abdominais requerem um tratamento cirúrgico que consiste na correcção do defeito da parede que originou a saída do conteúdo intestinal (herniorrafia), a reintrodução desse mesmo conteúdo e a reconstrução das estruturas de forma a evitar uma nova hérnia (hernioplastia). Existem certas medidas paliativas, como a utilização de dispositivos ortopédicos (faixas de contenção) que tratam de manter reduzida a hérnia, que apenas devem usar-se quando está contra-indicada a intervenção cirúrgica por um grave risco operatório ou durante um curto período de espera pela intervenção cirúrgica. Ainda nestes casos, devem recomendar-se certas medidas higieno-dietéticas para evitar o aumento de tamanho da hérnia e as possíveis complicações: evitar realizar esforços, combater a obstipação e a tosse e tomar todas as precauções necessárias de forma a evitar aumentos bruscos da pressão intra-abdominal. 
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Complicações das hérnias abdominais
Estrangulamento herniário – é a complicação mais importante pela sua frequência e gravidade já que pode ser causa de oclusão e isquemia intestinal. Manifesta-se como uma síndrome de oclusão intestinal e constitui uma autêntica urgência cirúrgica.
Contusão herniária – trata-se de um traumatismo fechado das ansas intestinais.
Peritonite herniária – é uma complicação rara em que o processo se limita ao peritoneu contido no saco herniário.
Irredutibilidade por perda ao domicílio – ocorre quando são hérnias muito volumosas, geralmente com vários anos de evolução, pelo que há uma diminuição de volume da cavidade abdominal.
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Hérnias inguinais
1. mais frequentes no homem de idade média
2. geralmente de etiologia congénita (manutenção da permeabilidade do processo vaginal, por onde descendem os testículos durante o período fetal), associada a factores que provocam aumento da pressão intra-abdominal
3. existem fundamentalmente 3 tipos segundo a sua localização:
Hérnia inguinal directa – produz-se através do Triângulo de Hasselbach
Hérnia inguinal indirecta – produz-se através do conduto inguinal (é a variedade mais frequente, cerca de 60% de todas as hérnias abdominais)
Hérnia femoral – constitui uma excepção à regra já que é mais frequente em mulheres (4:1), geralmente obesas e multíparas, na idade média da vida. Produz-se através do anel crural.
4. diagnóstico diferencial de uma massa inguinal:
Hérnia inguinal
Hérnia femoral
Adenite inguinal
Testículo ectópico
Lipoma
Varicocele
Hematoma
Hidrocele
Abcesso do psoas
Adenite femoral
Linfoma
Tuberculose
Neoplasia metastática
Epididimite
Torção do testículo
Aneurisma ou pseudo-aneurisma femoral
Quisto sebáceo
Hidradenite de glândulas apócrinas inguinais
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Hérnias umbilicais
1. ocorrem quando existe um defeito no fecho da cicatriz umbilical (geralmente maior de 2 cm)
2. são mais frequentes na raça negra
3. existem 2 variedades:
Hérnia umbilical infantil – geralmente desaparece de forma espontânea até aos 2 anos de idade e só se deve tratar a partir dos 4 anos, excepto se for de grandes dimensões ou apresentar complicações
Hérnia umbilical do adulto – são mais frequentes nas mulheres, sobretudo obesas e multíparas, embora apareçam com frequência em doentes cirróticos com ascite. As complicações são frequentes neste tipo de hérnias.
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Hérnias incisionais
1. aparecem devido à cicatrização inadequada de uma incisão prévia ou à tensão excessiva no local de uma cicatriz operatória na parede abdominal
2. existem vários factores que aumentam o risco de aparecimento deste tipo de hérnias: obesidade, idade avançada, desnutrição, aumento da tensão da parede abdominal (ascite, gravidez, hematoma pós-operatório), infecção deferida operatória (é o factor mais frequente), fármacos (esteróides, quimioterápicos), diabetes.
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Outras hérnias da parede anterior do abdómen
1. Hérnias epigástricas – aquelas que aparecem em qualquer ponto da linha alba. Geralmente são de pequeno tamanho e raramente apresentam complicações.
2. Hérnia de Spiegel – são raras na infância e localizam-se no ponto de cruzamento entre o bordo externo do musculo recto abdominal e o bordo superior do musculo transverso abdominal.
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Hérnia lombar
1. produz-se através de qualquer dos chamados «pontos débeis» da região lombar (Triângulo de Petit ou Triângulo de Grynfelt - zonas de intersecção de fibras musculares)
2. podem ser congénitas mas a maioria são adquiridas
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Outras hérnias pouco frequentes
1. Hérnia do canal obturador – produz-se através do canal obturador, sendo mais frequente em indivíduos muito magros com escasso panículo adiposo. Na mulher é mais frequente no lado direito.
2. Hérnia ciática – produz-se através do grande anel ciático
3. Hérnia perineal 
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Bibliografia
C Pera: Cirugia - Fundamentos, indicaciones y opciones tecnicas. Tomo II/I; pags. 352-374. Ed. Masson.

C: Alves Pereira: Cirurgia - Patologia e clinica. Pags 842-855. Ed. McGraw Hill.

Hernia Resource Center: info@herniainfo.com

M.J. Zinner e col.: Maingot - Operaciones abdominales; 10ª ediccion. Tomo I; pags 441-533. Editorial Medica Panamericana.

Sabiston: Tratado de cirurgia; 15ª edição. Vol. 2; pags 1130-1147. Ed. Guanabara Koogan.

Schwartz e col.: Principles of Surgery; 6th edition. Vol 2; pags 1517-1543. Ed. McGraw Hill.