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Parte IV – Problemas clínicos
4.4. Abordagem do paciente com problemas digestivos
235. Pesquisa de sangue oculto nas fezes 
João Gabriel Rodrigues
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

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Melo, Miguel


A pesquisa de sangue oculto nas fezes foi introduzida no fim da década de 60 com o teste do Hemoccult. A sua finalidade é o diagnóstico das neoplasias colo-rectais na sua fase assintomática. Baseia-se no princípio de que a hemoglobina possui uma actividade peroxidásica, a qual adicionando água oxigenada, leva à oxidação do guaiaco incolor dando-lhe uma coloração azul.

Hemoglobina + 2H2O2--

------H2O + O2
O2 + cromogéneo---- --cromogéneo oxidado
(incolor)                           (azul)

Trata-se de uma pequena carteira contendo 2 janelas de papel de filtro impregnado com resina de guaiaco, que o doente leva para casa. Ele mesmo se encarrega de espalhar um fragmento de fezes em cada uma das janelas, fecha a carteira e leva-a ao laboratório, onde se procede à sua revelação com uma ou duas gotas de água oxigenada. O exame deve ser repetido em 3 dias seguidos ou alternados, pois a hemorragia intestinal é frequentemente intermitente. Fontes externas ao organismo de hemoglobina ou mioglobina como ingestão de carne vermelha mal passada, bem como de alimentos contendo peroxidase (fruta e vegetais frescos e crus) prejudicam a sensibilidade do teste ocorrendo falsos positivos, pelo que devem ser retirados da alimentação 3 dias antes da colheita da primeira amostra. A administração de medicamentos que provocam lesões da mucosa gastrointestinal (aspirina, AINEs) também deve ser ponderada. Doses de vitamina C superiores a 500 mg por dia provocam resultados falsos negativos, devido ao seu efeito anti-oxidante. O mesmo acontece com outras substâncias redutoras (ex.: ferro). A sensibilidade (proporção de indivíduos doentes que apresentam teste positivo) baixa quando as amostras de fezes permanecem mais de 2 dias à temperatura ambiente. A rehidratação antes da revelação, apesar de aumentar a sua sensibilidade, parece oferecer poucas vantagens pois que ao mesmo tempo diminui bastante a sua especificidade, originando um número exagerado de falsos positivos. A estratégia convencional em caso de detecção de sangue oculto nas fezes é de iniciar os exames com uma colonoscopia devido à sua superioridade diagnóstica e terapêutica sobre a sigmoidoscopia flexível e o clister opaco com duplo contraste. Se estes exames forem negativos e o doente continuar a apresentar sangue oculto, é então aconselhável fazer a investigação do tracto gastrointestinal superior. A contribuição relativa das hemorragias digestivas altas para a positividade das amostras de fezes não está ainda bem estabelecida. 

Entre os métodos químicos (guaiaco) de detecção de sangue oculto, utilizam-se actualmente o Hemoccult II, que tem adicionalmente um controlo que aumenta a sua fiabilidade, e o Hemoccult SENSA, mais sensível e de leitura mais fácil. Estão a ser testados métodos que têm em relação aos testes convencionais do Hemoccult a vantagem de atenuar a relação inversa entre a sensibilidade e a especificidade, bem como tornar o resultado independente da dieta alimentar. Entre estes métodos encontra-se o HemoQuant que se baseia na conversão do heme em porfirinas fluorescentes. É um teste quantitativo que mede directamente o conteúdo em hemoglobina das fezes. Há também técnicas imunoquímicas (Hemeselect) que detectam unicamente a hemoglobina humana sem reacção cruzada com o heme de procedência animal. O Monohaem utiliza um anticorpo monoclonal específico para a hemoglobina humana. No BM-test albumin é usada a albumina cólica. Teoricamente todos estes testes deveriam ser os mais específicos mas nos estudos que já existem esta vantagem não parece ser tão evidente, aguardando-se estudos adicionais. Estudos recentes sugerem que os testes imunoquímicos (Hemeselect) ou a combinação do teste de guaiaco com maior sensibilidade e imunoquímicos (Hemoccult SENSA e Hemeselect) são os mais sensíveis e específicos para a detecção do carcinoma colo-rectal e pólipos colo-rectais de tamanho igual ou superior a 1 cm. Um aspecto positivo dos estudos em populações assintomáticas é que se detectam mais cancros nos estádios A e B de Dukes em comparação com o estádio dos tumores encontrados em indivíduos que já apresentam sintomas. No entanto, não está demonstrado que o diagnóstico precoce do cancro colo-rectal aumente a sobrevivência dos doentes atingidos. A eficácia possível do rastreio depende não só da detecção precoce do cancro colo-rectal, mas também do achado de pólipos potencialmente pré-malignos. A exérese dos adenomas detectados poderia assim reduzir a incidência de cancro. Contudo os valores cumulativos de cancro colo-rectal após seguimento de 8-13 anos são semelhantes nos rastreios e nos grupos de controlo. A meta-análise dos resultados de estudos prospectivos aleatórios e controlados, iniciados nos anos 70 e 80 com o teste Hemoccult II, mostrou que a pesquisa anual de sangue oculto nas fezes reduz significativamente a mortalidade por cancro colo-rectal em populações com maior risco de morte por esta neoplasia. É o caso de indivíduos de famílias com uma predisposição genética conhecida para o cancro colo-rectal (polipose adenomatosa familiar, sindroma hereditária de carcinoma colo-rectal não polipóide) e familiares em primeiro grau de doentes com adenocarcinoma colo-rectal. Não é possível ainda avaliar os benefícios do rastreio generalizado a indivíduos com mais de 50 anos de idade, assintomáticos. A sensibilidade e a especificidade dos testes são relativamente baixas e, em consequência, muitos tumores podem, por um lado, não ser detectados e, por outro, muitos indivíduos sãos serão sujeitos a exames desnecessários.
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Bibliografia
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