índice parcial
Parte IV – Problemas clínicos
4.5. Abordagem do paciente com problemas hematológicos
246. Linfomas
Cristina João
Paulo Nicola
Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Canhota, Carlos;
Ribeiro, Letícia

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Introdução
A designação de linfomas compreende todas as neoplasias originárias em células do sistema linfóide, isto é, linfocitos B, destes tipos celulares e em diferentes estadios da sua maturação. Não é, por isso, surpreendente que os linfomas apresentem uma tão grande variedade de comportamentos biológicos bem como locais de aparecimento. 
Variado tem sido também o modo como os linfomas têm sido classificados. Classicamente, dividem-se em 2 grupos: linfomas não Hodgkin e doença de Hodgkin. Os linfomas não Hodgkin têm origem em células bem definidas como os linfocitos B, os linfocitos T e as células NK. Na doença de Hodgkin, pelo contrário, a origem celular tem-se mantido um enigma. Progressos científicos recentes, imunológicos, de culturas celulares e de biologia molecular, têm apontado a célula de Reed-Sternberg (RS) como fazendo parte da população de células malignas da doença de Hodgkin. As restantes células compreendem uma combinação de percursores da célula de Reed-Sternberg, células inflamatórias e outras células recrutadas para o local da doença por citocinas produzidas pela célula de RS. A doença de Hodgkin é a única neoplasia de etiologia e tipo celular incerto que se tornou um protótipo de neoplasia curável.
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Classificação
Várias têm sido as classificações adoptadas por hemato-oncologistas para agrupar de forma organizada os linfomas. A classificação usada actualmente é a REAL (Revised European-American Lymphoma Classification from the International Lymphoma Study Group) publicada em 1994 (Quadro I).

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Quadro I

Classificação dos linfomas REAL

Neoplasias de células B:
Neoplasias de Percursores de células B
- Linfoma/Leucemia de Percursores de células B
Neoplasias de células B periféricas
- Leucemia Linfática Crónica de células B (LLC-B)/ Leucemia Prolinfocítica/ Linfoma de linfocitos pequenos (SLL)
- Linfoma Linfoplasmocítico/ Imunocitoma
Doença de Hodgkin:
Predomínio Linfocitário (nodular +/- difuso)
Esclerose Nodular
Celularidade Mista
Depleção Linfocitária
Doença de Hodgkin clássica rica em linfócitos (sub tipo provisório)
Neoplasias de células T e de células NK:
Neoplasias de Percursores de células T
- Linfoma/Leucemia Linfoblástico de Percursores de células T
Neoplasias de células T periféricas e de células NK 
- Leucemia Linfática Crónica de células T/ Leucemia Prolinfocítica
- Leucemia de Grandes Linfocitos Granulares
tipo de células T
tipo de células NK
- Micose Fungoide/ Síndrome de Sézary
- Linfoma Periférico de células T, inespecífico 
Categorias provisórias: médio, mistas, grandes e linfoepitelioides
Sub tipos provisórios: linfoma de células T
gd hepatoesplénico, linfoma de células T subcutâneo, paniculítico- Linfoma Angioimunoblástico de células B
- Linfoma Angiocentrico (nasal T/ linfoma de células NK)
- Linfoma Intestinal de células T (com +/- enteropatia)
- Linfoma/ Leucemia de células T do adulto
- Linfoma anaplástico de grandes células (T/ “null cells”)
- provisório: Linfoma anaplástico de grandes células, Hodgkin-like

O conhecimento geral destes agrupamentos é também importante para o médico não hematologista, uma vez que as opções terapêuticas e o prognóstico dos vários doentes é muito diferente.
Está a ser preparada, sob os auspícios da Organização Mundial de Saúde, uma nova classificação em que os linfomas descritos são semelhantes aos da classificação REAL mas em que as categorias provisórias incluídas na classificação REAL serão já consideradas como tipos de linfomas.
Estes linfomas foram agrupados pelo Grupo Internacional de Estudo de Linfomas em categorias clínicas do seguinte modo (Canellos, 1998 e Hoffman, 1999) (Quadro II):

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Quadro II

Classificação do Grupo Internacional de Estudo de Linfomas

Linfomas Indolentes (sobrevida aos 5 anos >= 70%):
Células B: LLC-B/ SLL
Linfoma Linfoplasmocítico/ Imunocitoma/ Macroglobulinémia de Waldenstrom
Linfoma do Centro Folicular (pequenas células e misto)
Linfoma de células B da zona marginal (MALT (“mucosal associated lymphoide tissue”, extranodais e linfoma esplénico da zona marginal com ou sem linfócitos vilosos) 
Tricoleucemia
Plasmocitoma/Mieloma
Células T: Leucemia de Grandes Linfocitos Granulares
Linfocitose Crónica de células NK
Linfoma/ Leucemia de células T do Adulto (ATL/L) (“smoldering” )
Micose Fungoide/ Síndrome de Sézary
Linfomas Moderadamente Agressivos (sobrevida aos 5 anos de 50 a 70%):
Células B: Linfoma Prolinfocítico (PLL)
Linfoma do Manto
Linfoma do Centro Folicular (grandes células)
Células T: LLC-T/ PLLLinfoma/ Leucemia de células T do Adulto (ATL/L) (crónico)
Linfoma Angiocentrico
Linfoma Angioimunoblástico
Linfomas Agressivos (sobrevida aos 5 anos de 30 a 50%):
Células B: Linfoma Difuso de grandes células B
Linfoma de grandes celulas B primário do mediastino
Linfoma cutâneo primário de grandes células
Granulomatose Linfomatoide
Doença Imunoproliferativa do intestino delgado
Leucemia a Plasmocitos
Células T: Linfoma de células T periférico
Linfoma Intestinal
Linfoma de grandes células T anaplástico
Linfoma de células T
gd hepatoesplénico
Leucemia de grandes linfocitos granulares de células T CD56+
Linfomas Altamente Agressivos (sobrevida aos 5 anos <= 30%):
Células B: Linfoma/ Leucemia de Percursores de células B
Linfoma de Burkitt
Células T: Linfoma/ Leucemia Linfoblástica de Percursores de células T
ATL/L (agudo e linfomatoso)
Linfoma de células NK agressivo
Leucemia de células NK promielocitos-like, CD3+, CD33-, DR+
Leucemia de células NK LLA-like
Leucemia de células NK/ mielóides indiferenciadas

(As sobrevidas indicadas são valores médios que dependem altamente dos índices de prognóstico (ver adiante) e dos regimes terapêuticos usados)
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Epidemiologia

Linfomas Não Hodgkin (LNH)
Os LNH têm uma incidência maior que a doença de Hodgkin. Nos países desenvolvidos a incidência ajustada à idade varia entre 3.7 e 14.0 por 100.000 pessoas-ano e nas últimas duas décadas aumentou quase 50%, em parte devido à epidemia da sida mas também por razões desconhecias. De notar que a incidência dos LNH de alto grau aumentou mais que a dos de baixo grau, em especial a incidência do linfoma difuso de grandes células, que sendo o LNH mais frequente corresponde a cerca de um terço da incidência de LNH. O linfoma do centro folicular, que é um linfoma indolente, tem uma incidência muito semelhante ao linfoma difuso de grandes células B (+/- 40%). Menos frequentemente encontram-se linfomas de pequenos linfocitos, linfomas de células T periféricos, linfomas anaplásticos, imunocitomas, linfomas do manto e ainda, menos frequentemente ainda, tricoleucemias, mielomas, linfomas linfoblásticos e linfomas de Burkitt.
Apesar dos LNH serem doenças esporádicas vários estudos epidemiológicos revelam importantes factores de risco ambienciais e de dieta. Assim, são factores de risco para o desenvolvimento de LNH: contacto com pesticidas, herbicidas, agentes químicos usados em lavandarias, madeiras, cosméticos, tintas de cabelo, grande ingestão de proteínas e leite, diminuída ingestão de vitaminas e vegetais, transfusões de sangue, exposição a quimioterapia, existência de familiares com linfomas ou leucemias, imunossupressão como sida, artrite reumatóide, S. Sjogren, transplantes, agentes infecciosos como EBV, HTLV-1, Helicobacter pylori, Borrelia burgdorferi, virus da hepatite C.
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Doença de Hodgkin (DH)
A incidência mundial ajustada à idade situa-se entre 0.8 e 4.0 por 100.000 pessoas-ano, sendo maior nos EUA e na Europa que na Ásia e Africa. A média de idade de diagnóstico é dos 26 aos 31 anos. Classicamente descreve-se uma curva de incidência bimodal com um pico dos 20 aos 29 anos e outro acima dos 60 anos mas estudos recentes mostram que o segundo pico corresponde na maioria dos casos a LNH mal diagnosticados. Assim a DH atinge tipicamente uma população adulta jovem, de raça branca (90% dos doentes são brancos), masculina acima dos 50 anos e abaixo dos 10 anos de idade, e feminina entre estas duas idades. 
A etiologia da doença de Hodgkin mantém-se incerta. Quer a susceptibilidade genética (com carácter familiar) como agentes infecciosos como o EBV têm sido considerados como agentes etiológicos. São factores de risco para doença de Hodgkin profissões que implicam contacto com madeiras e ter familiares com DH (1% dos doentes têm uma história familiar de DH).
Cerca de 90% dos casos de Hodgkin correspondem aos subtipos Esclerose Nodular (20 a 50%) e Celularidade Mista (20 a 40%). O subtipo Predomínio Linfocitário surge em cerca de 10 a 15% dos casos e a Deplecção Linfocitária em 5 a 15%. Doentes com o subtipo Predomínio Linfocitário têm uma doença imunológica, genética e até clinicamente diferente dos outros subtipos de doença de Hodgkin. Doentes com este subtipo apresentam-se em estadios de doença mais favoráveis e têm melhor prognóstico.
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Manifestações Clínicas

Linfomas Não Hodgkin (LNH)

As manifestações clínicas dos LNH dependem do subtipo de linfoma e do local da doença. Assim, é necessário executar um exame objectivo sistematizado tendo presente que embora este possa ser indicativo do tipo de linfoma, é uma abordagem insuficiente para estabelecer o diagnóstico. O exame objectivo deve incluir, para além de uma avaliação do estado geral do doente, um exame das cadeias ganglionares periféricas e palpação abdominal cuidadosos. Deve ainda efectuar-se uma avaliação cardio-pulmonar, observação da pele e exame do esqueleto cuidadosos procurando repercussões e/ou extensões de uma possível doença hematológica. 
A divisão clínica em linfomas indolentes, moderadamente agressivos, agressivos e muito agressivos é muito útil. A maioria dos doentes com linfomas indolentes surge com linfadenopatias generalizadas centrais e periféricas, incluindo locais pouco frequentes como os gânglios epitrocleares e têm, muitas vezes, uma longa história de linfadenopatias que aparecem e desaparecem antes do diagnóstico. A presença de sintomas constitucionais como febre, perda de peso e suores, elevação de desidrogenase láctica (LDH) e anemia são caracteristicamente raros nos linfomas indolentes e quando surgem durante o curso da doença é de ponderar a progressão para linfoma de alto grau. De entre os linfomas indolentes os linfomas MALT atingem frequentemente locais extraganglionares, especialmente o tracto gastrointestinal, para além de linfadenopatias periféricas e envolvimento medular. Os linfomas agressivos e muito agressivos (ditos de alto grau pela classificação Working Formulation) tem normalmente uma disseminação precoce e apenas 30% dos doentes se apresenta inicialmente com doença localizada. Estes, ao contrário dos indolentes, apresentam-se, com frequência por dor motivada por compressão por linfadenomegalias, sintomas obstrutivos como síndrome da veia cava superior, edema dos membros inferiores, e sintomas constitucionais.
Os linfomas altamente agressivos são tipicamente doenças das crianças e jovens, embora ocasionalmente também se encontrem em idosos. O linfoma de Burkitt é caracterizado por crescimento rápido de grandes massas abdominais (no Burkitt Africano surgem massas mandibulares), com envolvimento medular e do sangue periférico, e valores de LDH extremamente elevados. 
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Doença de Hodgkin (DH)
A doença de Hodgkin surge normalmente com atingimento de gânglios supradiafragmáticos e só em fases tardias com atingimento ganglionar generalizado ou doença extra ganglionar. Doença infradiafragmática surge apenas em 10% dos doentes como manifestação inicial. Os gânglios linfáticos atingidos são normalmente de consistência firme, tipo borracha, não dolorosos e a presença de sinais inflamatórios locais, como eritema, é incomum podendo no entanto, existir desaparecimento transitório dos gânglios com tratamento antibiótico. À medida que as lindadenopatias aumentam de volume podem coalescer e tornarem-se grandes massas tumorais.
Uma análise detalhada dos locais mais atingidos por doença de Hodgkin em 719 doentes realizada por Maunch et al mostrou que:
- 59% dos doentes estudados se apresentou com linfadenopatias mediastínicas
- 58% com linfadenopatias do lado esquerdo do pescoço
- 55% com linfadenopatias do lado direito do pescoço
- 14% com linfadenopatias axilares esquerdas
- 13% axilares direitas
- 12% hilo esquerdo
- 11% hilo direito
- 5% cervicais superiores
- 3% infraclaviculares
- 2% epitrocleares
- 1% cardíacas
No pescoço as cadeias ganglionares mais frequentemente atingidas são as supraclaviculares mas pode também ocorrer doença a nível cervical profundo, lateral e posterior. As localizações submaxilar, occipital e preauricular são menos frequentes.
As linfadenopatias axilares são mais frequentemente do ápex da axila, palpando-se melhor com o doente sentado e com o membro superior relaxado junto ao tronco.
O baço está envolvido em cerca de 27% dos doentes e gânglios abdominais altos e baixos surgem em 14% e 11%, respectivamente. Existe uma grande associação entre atingimento esplénico e ganglionar abdominal. Apenas 5% dos doentes com atingimento de gânglios abdominais não tem baço envolvido. Pelo contrário, 61% dos doentes com baço envolvido têm doença em cadeias ganglionares abdominais.
Se a doença torácica tem grandes dimensões o doente pode apresentar-se com sintomatologia resultante da compressão de órgãos como a traqueia ou os brônquios, o que pode motivar tosse ou dispneia que agrava na posição de decúbito ou pneumonia obstrutiva. Os derrames pleurais e pericárdicos que possam existir são normalmente assintomáticos e raramente consegue isolar-se células de Reed-Sternberg nestes líquidos. Mesmo em doentes com doença de grande volume é improvável que exista síndrome da veia cava superior, tromboses venosas dos membros superiores ou lesões compressivas do nervo recorrente, estas situações são muito mais prováveis em doentes com LNH. A disseminação extranodal de DH pode ocorrer ou por extensão directa, como no caso de atingimento pulmonar em doença mediastínica ou por disseminação hematogénica como quando há envolvimento da medula óssea. A DH extra nodal é rara na pele, no tracto GI e SNC, e o local mais frequentemente atingido é o pulmão. O baço, a medula óssea e o fígado são também locais onde a DH deve ser considerada. Como a presença de DH em locais extra gânglio linfático é rara é sempre necessário documentar a sua presença através de biópsias excisionais, uma vez que a citologia aspirativa é raras vezes positiva na DH.
Pode haver também sintomas sistémicos associados, como a fadiga, a febre (³ 38 °C), suores nocturnos e perda de peso (³ 10% do peso inicial do doente) nos 6 meses que precedem o diagnóstico de DH. Estes últimos três sintomas são denominados sintomas B e correlacionam-se com o estadio da doença e existência de doença volumosa e com o prognóstico. A febre surge mais frequentemente à noite e é contínua, tornando--se mais grave com o tempo. Raras vezes a febre ad DH pode remitir e reaparecer, isto é, pode persistir por 1 ou 2 semanas e depois desaparecer por vários dias ou semanas. A esta febre dá-se o nome de febre de Pel-Ebstein, caracteristicamente associada à DH mas rara. Os suores normalmente acompanham a febre mas podem existir sem elevação da temperatura e podem ser apenas descritos como um aumento da sudorese da cabeça ou pescoço. Outros sintomas que podem surgir menos frequentemente são o prurido e a dor nos locais atingidos após ingestão de bebidas alcoólicas. Estes sintomas não têm relação com o prognóstico. O prurido da DH, embora não específico da doença, pode antecipar a doença em meses até anos, e é normalmente intenso, de início localizado mas de generalização rápida, muitas vezes associado a hiperpigmentação e lesões de coceira. 
A dor atribuída a linfadenopatias retroperitoniais tem como característica agravar com a posição de decúbito dorsal e aliviar com o ortostatismo ou a posição de sentado, ao contrário das dores ostearticulares. 
Formas de apresentação raras da DH incluem semiologia relacionada com anemia e trombocitopenia ou infecções secundárias à leucopenia, aumento do volume abdominal, ascite, icterícia obstrutiva, défices neurológicos por compressão de raízes nervosas, síndromes paraneoplásicos neurológicos e outros como síndrome nefrótico e púrpura trombocitopénica idiopática (PTI).
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Diagnóstico e Estadiamento
O sistema de estadiamento aceite para os linfomas é a classificação de Ann Arbor. Inicialmente descrita para a doença de Hodgkin, é usada quer nesse caso como em LNH.

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Quadro III

Sistema de Estadiamento de Ann Arbor

Estádio Critério
I Envolvimento de uma única cadeia ganglionar (I) ou de uma órgão ou local extra ganglionar (IE)
II Envolvimento de duas ou mais cadeias ganglionares do mesmo lado do diafragma (II) ou com contíguo envolvimento de órgãos extra ganglionares (IIE)
III Envolvimento de cadeias ganglionares de ambos os lados do diafragma (III), que podem incluir o baço (IIIs) ou com extensão contígua a órgãos extra ganglionares (IIIE) ou ambos (IIIEs)
IV Múltiplos ou disseminados focos de envolvimento de mais que um órgão extra ganglionar com ou sem envolvimento linfático

Estes estadios dividem-se ainda em A e B caso existam febre ou emagrecimento maior que 10% do peso inicial do doente ou sudorese (A) ou não (B).
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Linfoma não Hodgkin
O diagnóstico definitivo de uma linfoma é dado por uma conjunto de informações dadas pela clínica, morfologia, imunofenotipagem, citogenétca e biologia molecular. 
Deve estar-se atento às diversas manifestações clínicas e realizar um exame físico e uma recolha de história actual e pregressa pormenorizada. 
Quanto a pedido de exames complementares de diagnóstico analíticos, para além de um hemograma com plaquetas, doseamentos bioquímicos séricos extensos, deve sempre pedir-se doseamentos de desidrogenase láctica,
b2 microglobulina e proteinograma. As serologias dos vírus HIV, hepatite B e C, HTLV1 e EBV devem ser pedidas devido à sua associação com as doenças linfoproliferativas e a implicações que possam ter no tratamento.
Em termos de exames complementares de diagnóstico imagiológicos, todos os doentes com suspeita de linfoma não Hodgkin devem realizar radiograma de tórax, TAC de abdómen e pélvico. Caso se verifiquem alterações no radiograma de tórax deve pedir-se TAC torácico, e se existirem alterações das transaminases com TAC hepática normal deve realizar-se ecografia hepática, pois esta tem maior sensibilidade que a TAC em alguns casos. Na altura do diagnóstico, a cintigrafia com gálio está alterada, na grande maioria das vezes. Este exame tem o seu interesse máximo na reavaliação pós terapêutica, mostrando, com grande sensibilidade, áreas de doença residual. A RM parece ter a mesma sensibilidade que a cintigrafia com gálio na avaliação imagiológica de massas residuais. Todos os doentes devem ser sujeitos a punção aspirativa da medula óssea e biópsia osteomedular a fim de avaliar a extensão medular do tumor. Todos os locais de suspeita de envolvimento devem ser também biopsados.
Tem sempre de se recolher material tumoral (de linfadenomegalias ou outra) para análise morfológica, fenotípica, citogenética e molecular. Devem realizar-se biópsias excisionais e não citologias aspirativas. Punções lombares, avaliações endoscópicas e biópsia hepática devem realizar-se em situações específicas, que não cabem no âmbito deste trabalho. 
Todo o processo de estadiamento deve realizar-se em centros de especialidade, para onde os doentes devem ser enviados pelo médico assistente generalista quando existem suspeitas clinícas de doença linfoproliferativa, com os doseamentos séricos acima referidos e exames de imagem que comprovem ou não excluam a existência desta hipótese diagnóstica.
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Doença de Hodgkin
Apesar do diagnóstico fazer-se, em última análise, por exame anatomo-patológico, na presença de história e exame objectivo sugestivo de DH, alguns doseamentos bioquímicos podem aumentar a probabilidade diagnóstica. Deve, na suspeita de DH pedir-se os seguintes exames complementares de diagnóstico: hemograma com contagem de plaquetas, velocidade de sedimentação, fosfatase alcalina sérica, desidrogenase láctica,
b2 microglobulina, proteinograma, função renal, incluíndo ácido úrico, transaminases e função hepática.
A anemia, normalmente normocrómica, normocítica, é de causa multifactorial (por hemólise, sequestro esplénico, invasão medular). Pode existir leucocitose ligeira com neutrofilia e eosinofilia e linfopenia. A VS está normalmente elevada e pode ser o único sinal bioquímico da doença. O seu valor correlaciona-se com a extensão da doença e, para alguns autores, tem valor prognóstico. Um valor elevado de fosfatase alcalina (> 2x) com uma história de linfadenopatia localizada, com ou sem sintomas B deve fazer o clínico pensar em DH. Estes doentes surgem, muitas vezes, com icterícia que pode ter origem em várias causas: infiltração difusa hepática, obstrução biliar extrahepática por linfadenopatias, hemólise, hepatite viral ou induzida por drogas. O valor da desidrogenase láctica correlaciona-se com o volume da doença e com o prognóstico. 
A suspeita de Doença de Hodgkin obriga a diagnóstico rápido que deve ser realizado através de exame anatomo –patológico de uma gânglio excisado. Este deve ser realizado por hematopatologistas em centros com experiência. Assim, os doentes devem ser de início encaminhados para os Institutos de Oncologia/Serviços de HematoOncologia da área de residência de modo a que o diagnóstico, estadiamento e início do tratamento se realize no mais curto intervalo de tempo. Após o diagnóstico da doença, deve avaliar-se a extensão da doença. Radiologicamente, deve realizar-se radiograma de tórax (que permite definir doença volumosa do mediastino se este ocupar mais de 1/3 do maior diâmetro torácico), tomografia computorizada do pescoço, tórax, abdómen e pélvis, cintigrafia com gálio radioactivo e cintigrafia óssea ou radiogramas do esqueleto se existirem áreas dolorosas. Para além da biópsia excisional de um gânglio suspeito deve realizar-se biópsia osteo-medular e de locais em que se suspeite de invasão pela doença.
Tal como no caso dos LNH o processo de estadiamento deve realizar-se em centros de especialidade para onde os doentes devem ser encaminhados após suspeita clínica, laboratorial e/ou imagiológica da doença. 
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Terapêutica

Linfoma não Hodgkin

O tratamento dos LNH varia consoante o tipo histológico e a agressividade clínica, e em ultima análise, a vontade do doente. O tratamento e “follow up” destas patologias devem ser realizados em centros especializados para tal. Não serão detalhadas as terapêuticas mais frequentemente utilizadas em cada tipo de linfoma; salienta-se apenas que no caso dos linfomas indolentes a decisão de iniciar tratamento e o tipo de fármacos utilizados depende dos vários factores de prognóstico presentes no doente. No caso dos linfomas agressivos, e porque cerca de 75% são curáveis com esquemas de quimioterapia (QT) como CHOP (Ciclofosfamida, Adriamicina, Vincristina e Prednisolona), deve iniciar-se terapêutica o mais rapidamente possível. Esta consiste em regimes de quimioterapia com antraciclinas e corticosteroides, como o CHOP com ou sem radioterapia, se não existirem contra-indicações para o uso destes fármacos. Em alguns casos pode estar indicado quimioterapia de alta dose seguido de transplantação de medula óssea.
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Doença de Hodgkin
O tratamento recomendado para um doente com DH é individualizado e deve ser feito em centros especializados no diagnóstico e tratamento destas patologias, recorrendo às terapêuticas mais actualizadas e com melhores resultados. O objectivo é sempre tentar oferecer a cada doente a maior probabilidade de cura e a menor toxicidade a longo prazo. Não se detalham os vários regimes de QT disponíveis do tratamento da DH nem as vantagens e desvantagens de cada um, por sair fora do âmbito deste trabalho. Apenas se salienta que o tratamento da DH pode incluir radioterapia (RT) isolada ou em combinação com QT, poli QT ou QT de alta dose com transplantação de medula óssea.
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Problemas Clínicos após a terapêutica
São vários os problemas que podem surgir após uma terapêutica para linfoma, seja ela radioterapia ou quimioterapia. Estes relacionam-se com a toxicidade do tratamento e podem aparecer num período imediato ao tratamento ou surgir apenas anos mais tarde. São eles: supressão medular, fenómenos de inflamação crónica e lesão vascular nomeadamente a nível cardíaco e pulmonar, neoplasias secundárias e síndromes mielodisplásicos, esterilidade, hipotiroidismo, alterações neurológicas, problemas psicológicos.
A supressão medular é um dos efeitos mais temíveis e frequentes deste tipo de terapêuticas, aumentando o risco de infecções e, menos frequentemente, de hemorragias. As infecções surgem geralmente num período imediatamente a seguir ao tratamento e estão directamente relacionadas com o número de leucocitos circulantes no sangue periférico. Um doente neutropénico que surge com febre deve ser de imediato orientado para um centro especializado. 
Os efeitos da radiação progridem de uma reacção inflamatória aguda para uma inflamação crónica, geralmente manifestada por fibrose, cicatrização ou lesão vascular. A nível cardíaco pode existir lesão do endotélio das artérias coronárias, lesão valvular e/ou lesão do pericárdio. Doentes previamente sujeitos a radiações torácicas ou QT com antraciclinas devem ser avaliados quanto à função cardíaca. É importante que o médico assistente destes doentes, mesmo não sendo o médico que os trata destas patologias, saiba reconhecer a toxicidade cumulativa destes regimes terapêuticos, como seja a toxicidade neurológica dos alcalóides da vinca, a toxicidade pulmonar da bleomicina e do metotrexato e a toxicidade cardíaca das antraciclinas (os mais frequentes).
As neoplasias secundárias a RT ou QT incluem carcinomas e sarcomas dos locais previamente irradiados, leucemias agudas e LNH. A probabilidade de aparecimento destes últimos aumenta com o tempo, chegando a atingir 5% após 20 anos de tratamento da DH. As leucemias secundárias a QT prévia são maioritariamente mieloblásticas e antecedem-se, na maior parte dos casos, por mielodisplasia. Surgem, geralmente, entre os 1 e 7 anos pós QT.
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Prognóstico

Linfoma não Hodgkin

O tipo histológico é o maior determinante do prognóstico em doentes com LNH. No entanto, vários modelos prognósticos têm sido desenvolvidos. Não se pormenorizará cada modelo mas é importante nomear as variáveis consideradas como tendo valor prognóstico nestes doentes. 
Assim, estão associados com pior prognóstico:
- Idade > 60 anos
- Performance status < 70% (escala de Karnofsky) 
- Níveis séricos de LDH acima do normal
- Estadio III e IV da doença
- Mais de 1 local extra ganglionar envolvido
- Massa tumoral > 7 cm
- Níveis séricos de b2-microblobulina acima do normal
- Presença de sintomas constitucionais
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Doença de Hodgkin
Várias são as variáveis com valor prognóstico em casos de DH:
- Melhor prognóstico: Subtipo nodular com células L&H e subtipo esclerose nodular 
- Pior prognóstico: VS elevada, níveis de Hg < 10,5 g/dl, níveis de albumina sérica < 4g/dl, níveis de LDH sérica elevados, íveis de
b2-microglobulina sérica elevados, prurido generalizado, linfopénia (< 600x109/L), eucocitose (> 15000 x 109/L), estadio IV de Ann Arbor, volume tumoral, idade < 45 anos, performance status < 70% (escala de Karnofsky).
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Linfomas em crianças
Os linfomas são a 3ª neoplasia mais frequente nas crianças. Antes dos 15 anos de idade são mais comuns os linfomas não Hodgkin mas acima dos 18 anos a Doença de Hodgkin é mais prevalente. Os LNH nas crianças são predominantemente linfomas agressivos (de alto grau). As diferentes histologias explicam a diferente clínica, curso da doença e abordagem terapêutica quando comparamos estes linfomas com aqueles que são mais frequentes nos adultos. Um dos pontos fundamentais destas diferenças relaciona-se com as sequelas da terapêutica, que nas crianças se revestem de uma importância maior. São exemplo as alterações que as radiações provocam no crescimento ósseo ou a disfunção endócrina e a esterilidade provocadas por regimes de quimioterapia.
As populações pediátricas com risco acrescido para estas patologias compreendem especialmente as crianças com Síndrome da Imunodeficiência Humana Adquirida, as crianças com imunodeficiências primárias congénitas e aquelas que receberam terapêuticas imunodepressoras, nomeadamente as crianças transplantadas.
Os linfomas não Hodgkin mais frequentes nas crianças são os LNH de pequenas células não clivadas B – Burkitt (40%), os linfomas linfoblásticos (de células T em 95% dos casos) (30%) e os linfomas de grandes células (células B, T ou NK) (30%). 
Os Linfomas de Burkitt atingem preferencialmente o abdómen e a região da cabeça e pescoço, os Linfomas Linfoblásticos ocorrem mais no mediastino e na cabeça e pescoço e os LNH de grandes células são mais frequentes no mediastino, abdómen ou cabeça e pescoço. Todos os três tipos de LNH podem atingir a medula óssea. O SNC pode estar inicialmente atingido nos Linfomas de Burkitt e nos Linfomas Linfoblásticos mas muito raramente em LNH de grande células. As crianças que surgem com doença a nível do mediastino podem surgir com sintomas que vão desde a tosse até à dificuldade respiratória grave ou, por compressão da veia cava superior, síndrome da veia cava superior. As crianças com doença abdominal podem apresentar náuseas, vómitos e dor abdominal. O envolvimento da medula óssea manifesta-se com pancitopénia, com anemia, infecções e equimoses frequentes. O envolvimento do SNC pode originar paralisias de pares cranianos e/ou sintomas relacionados com o aumento da pressão intracraniana como alterações visuais ou cefaleias. Pode também haver envolvimento da pele, mais frequente nos linfomas de grandes células B CD30+ e nos Linfomas Linfoblásticos.
Estes diferentes linfomas estão normalmente associadas a alterações citogenéticas mais ou menos frequentes. Realça-se que os linfomas Burkitt se associam em cerca de 85% à t(8;14) e nos restantes casos à t(2;8) ou t(8;22). Estas translocações promovem a associação do proto-oncogene c-myc com um dos três genes das cadeias das imunoglobulinas existentes nos cromossomas 2, 14 e 22, o que induz a sua desregulação. Existem, no entanto, outros marcadores citogenéticos e moleculares deste linfoma.
O linfoma linfoblástico parece corresponder a uma outra forma de apresentação da Leucemia Linfoblástica Aguda, sendo por isso tratada de modo semelhante.
Os linfomas de grandes células são um grupo heterogéneo de linfomas, com graus de malignidade que variam com a histologia e com o fenótipo. A t(2;5) associa-se a cerca de 50% destes linfomas na criança.
O diagnóstico diferencial destas situações faz-se com doenças infecciosas como a adenite bacteriana, a tuberculose, a infecção por EBV, etc., com neoplasias como o sarcoma de Ewing, neuroblastoma, o radbomiosarcoma, entre outros. Quando se suspeita, pela sintomatologia recorrente, exames analíticos ou exames imagiológicos mostrando massas nas localizações citadas, deve sempre enviar-se a criança ao pediatra oncológico de modo a que seja este a encaminhar o pedido de exames complementares de diagnóstico capazes de confirmar o diagnóstico, o mais urgentemente possível. O estadiamento dos linfomas bem como o seu tratamento e acompanhamento deve também ser realizado em centros de especialidade.
O tratamento é escolhido consoante o tipo de linfoma e o estadiamento e inclui normalmente regimes de poli quimioterapia longos (podem durar até cerca de 3 anos), muitas vezes com profilaxia de infiltração do SNC com injecções intratecais de quimioterapia. A radioterapia, pelos motivos, que referi no início, não é muito utilizada excepto em casos de emergência oncológica de síndromes compressivos graves.
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Linfomas em doentes com SIDA
Os linfomas que surgem em contexto de SIDA representam uma manifestação tardia da infecção HIV, ocorrendo geralmente em estadios de elevada imunodeficiência e desregulação imunológica.
A incidência de linfomas em doentes HIV + está estimada entre 4 a 10% e esta é a segunda neoplasia mais frequente em doentes com SIDA, sendo o primeiro critério para diagnóstico de SIDA em aproximadamente 3% dos doentes nos EUA e na Europa.
A doença linfoproliferativa associada à SIDA está normalmente já disseminada na altura do diagnóstico, envolvendo um ou mais locais extranodais em 60 a 90% dos casos. Estes locais incluem o SNC em cerca de 30% dos casos, a medula óssea em 20 a 30%, o tracto gastrointestinal em 9 a 26%, e outras áreas como os testículos, as suprarenais, o miocárdio, os músculos esqueléticos, etc.
Os tipos de linfoma mais frequentemente (70 a 90%) associados à SIDA são linfomas de células B com alto grau patológico (linfomas agressivos). Destes os mais comuns são os linfomas imunoblásticos e os linfomas de pequenas células não clivadas (Burkitt ou não Burkitt). Os restantes 30% correspondem a linfomas difusos de grandes células B. São muito menos frequentes o aparecimento de linfomas de baixo grau e de linfomas de células T.
Estes linfomas ocorrem com igual frequência em todas as categorias de risco para a infecção HIV, ao contrário do sarcoma de Kaposi que é mais frequente em homens homo ou bissexuais. A idade em que estes linfomas são mais comuns tem uma distribuição bimodal com o 1º pico na adolescência (10 a 19 anos – especialmente linfomas de Burkitt) e o 2º pico na idade adulta média (50 a 59 anos – especialmente linfomas imunoblásticos).
Estes doentes surgem normalmente com sintomas B sistémicos, o que leva, muitas vezes, o médico a considerar com 1ª hipótese diagnóstica uma infecção oportunística. Estes sintomas ocorrem em cerca de 80% dos doentes com linfoma associado a SIDA e em 90% se este for do sistema nervoso central (SNC).
O estadiamento destes linfomas é em tudo semelhante a de todos os linfomas. Todavia deve incluir uma punção lombar pois existe envolvimento meníngeo assintomático em 20% dos casos e deve, em todos os casos, realizar-se profilaxia da infiltração do SNC através de introdução intratecal de QT. Todo este processo deve ser realizado por especialistas nesta área. 
O tratamento óptimo destes linfomas continua por definir. No entanto, opta-se normalmente por QT em baixas doses, QT intratecal e/ou RT. Em 50 a 60% conseguem-se remissões completas, na maioria dos casos duráveis. Todavia, os doentes com linfomas primários de SNC associados a SIDA (a maioria dos quais imunoblásticos) têm pior prognóstico com sobrevidas médias de 2 a 3 meses independentemente de serem sujeitos a terapêutica ou não. No entanto, a RT holo craniana tem um papel muito importante na paliação destes doentes, conseguindo melhorias significativas da qualidade de vida em cerca de 75% dos doentes.
Para além do tipo histológico de linfoma como já vimos outros factores influenciam o prognóstico destes doentes: 
- Estadio IV;
- Níveis séricos elevados de LDH;
- Existência de doença extranodal;
- Vigor do doente (idade e performande status < 70%);
- Existência de SIDA prévia ao diagnóstico do linfoma;
- Contagem de CD4 < 200 x 109/L.
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Bibliografia
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