índice parcial
Parte IV – Problemas clínicos
4.8. Abordagem do paciente com problemas musculo-esqueléticos

285. Prevenção das deformidades da coluna
JM Batista Marques

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Nogueira, R;
Silva, Eugénia

1
Introdução
Existem vários factores condicionantes de patologia vertebral, mas actualmente os principais são seguramente o sedentarismo, a obesidade e os hábitos de vida incorrectos, aos quais se junta o “stress” que a vida diária provoca. Até há não muito tempo a maioria das tarefas diárias obrigavam a um exercício físico muito maior do que actualmente acontece, motivado pela mecanização que invadiu não só quase todas as profissões, mas também o trabalho doméstico. O conforto e o rendimento aumentaram muito, mas o menor exercício físico praticado leva a uma atrofia dos músculos e dos ligamentos paravertebrais, com a consequente diminuição da protecção que estes proporcionam à coluna vertebral. Este facto provoca uma menor adaptação a eventuais esforços anormais que o indivíduo sedentário tenha de realizar, seja na sua actividade diária privada ou profissional, seja no lazer ou no desporto. É o que frequentemente sucede nos chamados “desportistas de fim-de-semana”, os quais não têm geralmente o cuidado de fazer um aquecimento nem uma adaptação progressiva a esforços a que não estão habituados. A obesidade é outro factor condicionante do aparecimento de raquialgias, sendo muito comum nas mulheres na pós-menopausa. Os hábitos de vida incorrectos, dos quais se destaca a ausência da prática de exercício físico regular adequado, juntamente com o “stress” que a vida actual acarreta, são os outros factores que contribuem para a manutenção ou agravamento do problema. Os habitantes dos grandes meios urbanos, que habitualmente começam as suas manhãs nas filas de trânsito, que durante o dia estão sujeitos a um “stress” constante, e que terminam os seus dias novamente nas filas de trânsito, quando não os prolongam assistindo na televisão, num cinema ou numa bancada de um recinto desportivo, a espectáculos com uma forte carga emocional, a qual provocando o aumento da tonicidade dos músculos paravertebrais leva frequentemente à sua contractura, são geralmente os mais sujeitos a queixas da coluna vertebral. Para interromper este círculo vicioso deve ser fomentada a promoção da protecção da coluna vertebral, a qual passa pela correcção de vícios posturais e pelo ensino das posturas correctas a adoptar nas actividades quotidianas, assim como de certos cuidados no modo de executar determinadas tarefas, para além da prática regular de exercício físico adequado e de medidas higieno-dietéticas.
2
Medidas de correcção da postura

A postura deitada
- Para além do normal repouso nocturno na cama, todas as pessoas, principalmente se já com queixas, deveriam fazer ao longo do dia um ou mais períodos de repouso de curta duração (10 a 15 minutos), dado que a coluna só está em verdadeiro estado de repouso quando se está deitado; para a proteger não basta uma pessoa sentar-se por alguns instantes, e quantas vezes em posição incorrecta. Os cuidados a ter no decúbito vão desde as características do colchão e da almofada até à posição adoptada pelo indivíduo. O colchão não deverá ser demasiado mole, de modo a evitar a curvatura excessiva do tronco, sendo aconselhável um colchão de molas firmes assente numa placa de madeira resistente. A almofada deverá ter a altura correcta de modo a possibilitar um apoio do pescoço sem obrigar a posições forçadas, devendo ter uma consistência que permita que no decúbito lateral se adapte ao espaço situado entre o ombro e a cabeça. A posição mais correcta para se dormir é em decúbito lateral com os joelhos em flexão, o que provoca que a lordose lombar se atenue ou mesmo se apague, facilitando o relaxamento dos músculos e ligamentos. Os membros superiores não devem ficar debaixo do corpo suportando o seu peso, nem devem ser colocados em posição muito elevada ou debaixo da almofada. Para impedir que a sobreposição dos joelhos possa provocar dor ou mal-estar, poderá colocar-se entre eles uma pequena almofada ou adoptar uma posição em que um deles fique um pouco mais à frente que o outro. Se apesar de se deitar de lado, durante o sono o indivíduo tomar uma posição menos correcta, como em decúbito dorsal ou ventral, poder-se-á utilizar ao longo do corpo almofadas ou cobertores dobrados para fixar a coluna, de modo a dificultar as mudanças de posição. No caso em que o indivíduo tenha o hábito de dormir em decúbito dorsal e não consiga adoptar o lateral, poderá então colocar uma pequena almofada na curvatura lombar ou então fazer uma ligeira flexão dos joelhos colocando uma almofada por baixo deles. É preciso estar atento para prevenir que se possa estabelecer um “flexum” dos joelhos. O decúbito ventral não é aconselhável, dado que aumenta a lordose da coluna lombar, assim como a da coluna cervical, a qual é além disso obrigada a ficar em rotação para permitir a respiração, sobretudo se for usada almofada. Se contudo for necessário adoptar esta posição, dever-se-á colocar uma pequena almofada debaixo do abdómen e uma almofada normal debaixo dos ombros, o que possibilita o apoio da cabeça sem obrigar à extensão nem à rotação cervical. Tão importante como saber estar deitado é saber levantar-se. Quando acordar, o indivíduo deverá aproximar-se do bordo da cama e, mantendo a posição de decúbito lateral, colocar as pernas fora da cama enquanto que com o membro superior que ficou apoiado na cama faz um pequeno esforço de alavanca para levantar o tronco, de modo a ficar na posição de sentado com os pés apoiados no chão. A partir desta posição facilmente alcança o ortostatismo sem sobrecarrega da coluna.
3
A postura em pé – A postura em pé prolongada, principalmente se for estática, provoca fadiga da musculatura que controla a coluna vertebral. Se for inevitável, é aconselhável manter os pés afastados, aumentando assim a base de sustentação, ou elevar alternadamente um dos pés, colocando-o num plano ligeiramente acima do chão.
4
A postura sentada – A adopção de uma postura sentada correcta é de grande importância, dado que actualmente esta é a regra para uma grande parte das actividades profissionais, obrigando os indivíduos a permanecerem sentados grande parte das horas do dia. Dever-se-á evitar cadeiras sem encosto e sofás demasiado moles e profundos, os quais levam à adopção de posições incorrectas. As cadeiras deverão ter encostos direitos ou com uma ligeira curvatura adaptada à lordose lombar, de modo a que a coluna fique totalmente apoiada, e os assentos deverão estar a uma altura que permita o apoio dos pés no chão, com as coxas e as pernas a formarem entre si um ângulo recto. Um assento demasiado alto obriga a uma postura em hiperlordose lombar, podendo desencadear ou agravar problemas neste segmento da coluna. Caso um indivíduo tenha necessidade de permanecer sentado e esta posição lhe provoque dores, poderá apoiar os pés num estrado com alguns centímetros de altura, o que lhe permitirá corrigir a hiperlordose lombar. Se a cadeira for utilizada para nela se efectuarem tarefas, como costurar ou ler, esta deverá estar munida de braços que tenham a altura correcta para que o indivíduo, apoiando os cotovelos ou os antebraços neles, possa executá-las sem esforço, porque de outra forma o peso dos membros superiores provocará um estiramento e uma sobrecarga dos músculos e ligamentos dos segmentos cervical e dorsal da coluna, o que pode originar dores. A condução automóvel pode também originar raquialgias, dado a maior parte dos bancos dos automóveis serem incorrectamente concebidos, não permitindo um bom apoio da coluna. Quando acontece ter havido cuidado na sua concepção o modelo nem sempre é coincidente com as características estato-ponderais da nossa população, e com excepção dos veículos de topo de gama, não há a possibilidade de se fazer a adaptação individual. Deverá assim utilizar-se um acessório que colocado sobre o encosto do banco, permita o apoio correcto da coluna. Outro problema na condução é a distância do banco aos pedais, a qual deverá ser regulada para que os pés possam alcançá-los, mantendo-se a coluna correctamente apoiada. Além da adopção de uma posição correcta ao volante há que recomendar que quando houver que fazer percursos longos, se deve parar regularmente, nem que seja por breves instantes, para pelo ortostatismo ou pela marcha, se conseguir o relaxamento dos grupos musculares fatigados pelo tempo de condução. Há também que aconselhar da forma correcta de sair do veículo. Deverão colocar-se as duas pernas simultaneamente de fora, rodando o tronco em bloco sobre o assento, e só quando os dois pés estiverem assentes no chão deverá então levantar-se, com o apoio dos membros superiores. 
O hábito de ler ou ver televisão sentado na cama é também prejudicial para a coluna vertebral, tanto a nível cervical, dado esta ficar em hiperflexão, como a nível lombar, devido ao facto de o corpo acabar por deslizar ao longo da cama e ficar principalmente apoiado sobre a região lombo-sagrada, ocasionando um forte estiramento dos músculos e ligamentos deste segmento vertebral, provocando ou agravando algias.
5
Cuida
dos no modo de executar determinadas tarefas

Levantar um objecto do chão
– A generalidade dos indivíduos para levantar um objecto do chão procede a uma flexão anterior da coluna vertebral, o que provoca um aumento da pressão exercida sobre os discos intervertebrais da região lombar. A maneira correcta de o fazer consiste em executar a flexão dos joelhos mantendo a coluna direita, e se o objecto for pesado, levantá-lo do chão deslizando-o encostado ao corpo. No caso de o objecto que se levanta tiver de ser colocado num plano situado atrás do indivíduo, este não deve fazer a rotação da coluna para depositar o objecto, devendo sim rodar todo o corpo em bloco até ficar de frente para o plano onde vai colocar o objecto. A rotação da coluna, principalmente se associada a uma inclinação, é um movimento complexo que sobrecarrega as articulações posteriores do lado da flexão e os músculos e ligamentos do lado oposto, situação que será agravada se o movimento estiver associado ao porte de pesos.
6
Transporte de objectos pesados – O transporte de um volume pesado de um só lado do corpo é prejudicial para a coluna, sendo aconselhável dividi-lo em dois volumes simétricos que serão carregados pelos dois membros superiores. Quando tal não for possível deverá ser transportado apoiado na anca, ou então colocado sobre a cabeça. Dever-se-á recomendar não se usar uma bolsa ou mala de mão muito pesadas, e especialmente em relação às crianças e adolescentes o uso de uma mochila em vez de uma mala, no transporte do material necessário aos estudos. Esta contudo não deverá ser muito pesada, pelo perigo de poder desencadear atitudes posturais incorrectas.
7
Alcançar um objecto elevado - Se for necessário retirar ou colocar um objecto num plano situado acima dos ombros, como é o caso de uma prateleira alta, não deverá elevar-se os membros superiores até essa altura, mas antes subir-se a um banco ou a uma escada firme, de modo a que o plano passe a ficar situado ao nível do tronco. O movimento de elevação dos membros superiores acima dos ombros leva a uma hiperextensão da coluna, provocando uma sobrecarga principalmente marcada sobre o segmento posterior da região lombar, mas afectando também a cervical, ocasionando frequentemente algias. A hiperextensão cervical pode também provocar tonturas e levar mesmo a uma perda súbita e breve do conhecimento, devido a um défice momentâneo da irrigação do cérebro. Por este motivo, indivíduos que sofram de tonturas relacionadas com as posições da coluna cervical, devem evitar esta posição, particularmente quando se encontram em planos situados acima do chão, pelo perigo duma queda se a tontura se manifestar.
8
Medidas higieno-dietéticas

A obesidade representa um risco acrescido para desencadear ou agravar as raquialgias, principalmente a nível lombar, pelo que é de grande importância evitar o aumento excessivo de peso por meio de uma dieta adequada.
Os saltos altos nos sapatos, aumentando a lordose lombar, são também de evitar.
Certos desportos são igualmente causadores de problemas na coluna, como é o caso entre outros do halterofilismo, do râguebi, do hóquei e das artes marciais, sendo de não aconselhar a sua prática, enquanto que outros, como a marcha e a natação, são de recomendar.
As alterações da estática existentes deverão ser, sempre que possível, corrigidas, tratem-se de alterações nos membros inferiores ou na própria coluna, dado serem sempre factores passíveis de provocarem raquialgias.