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Parte IV – Problemas clínicos
4.8. Abordagem do paciente com problemas musculo-esqueléticos

304. Doença de Paget (Osteíte deformante)
Carlos Filipe
Luís Filipe Gomes
Elisa Cunha
Rosa Gonçalves
Conceição Leite

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Nogueira, R;
Silva, Eugénia

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Introdução
ICPC – L 99
A doença óssea de Paget é caracterizada por disfunção na remodelação do osso com hipertrofia e alteração da sua estrutura. Traduz-se nos doentes sintomáticos por dor e deformidade óssea. Frequentemente subdiagnosticada, atinge mais os homens que as mulheres (3/2), sendo a sua incidência familiar de 14%. É rara antes dos 40 anos de idade mas a sua incidência sobe a partir dos 60.
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O problema na prática clínica
Sendo a dor osteo-articular uma queixa bastante frequente na prática quotidiana, o Médico de Família deverá estar alertado para a possibilidade da existência desta patologia. As radiografias ósseas sistémicas podem evidenciar a doença em 3 a 10% dos indivíduos com mais de 50 anos e em cerca de 7% com mais de 80. É mais frequente na Europa, América do Norte, Nova Zelândia e Austrália.
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Avaliação diagnóstica
Na maioria dos casos, os doentes estão assintomáticos ou referem uma dor ligeira, normalmente pouco intensa. A dor é tipo moinha ou queimadura, podendo localizar-se a nível de um osso longo, bacia ou coluna vertebral. Quando a sua localização é a nível do crânio pode apresentar-se sob a forma de cefaleias. Em estádios mais avançados da doença podem ocorrer dismetrias ou deformações dos membros. Achados ocasionais em exames complementares de diagnóstico fornecem muitas vezes a primeira pista. A fosfatase alcalina é o marcador laboratorial mais importante, sendo a sua elevação numa análise de rotina o que muitas vezes nos alerta para o diagnóstico.
No Quadro I apresentam-se as possíveis alterações verificadas em EAD no contexto da Doença de Paget.

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Quadro I

Exames Auxiliares de Diagnóstico

  O que esperar: Observações:
Fosfatase Alcalina Elevada 2 a 10 vezes o normal na doença poliostótica; se superior a 10 vezes, o crânio está sempre envolvido.
Hidroxiprolinúria Elevada Com interesse essencialmente na avaliação da resposta à terapêutica. Baixa e aumenta mais precocemente que a FA.
Radiologia Inicialmente:Rarefacção óssea

Seguido de:
Espessamento cortico-medular
Aumento da peça óssea e densidade variável com predomínio da esclerose
Osteólise em «V» nos ossos longos ou “osteoporose focal” a nível dos ossos do crânio.
Cintigrafia do esqueleto Imagens de hiperfixação Principalmente quando se pretende investigar o estádio da doença em doentes jovens.
TAC e RM   Reservados para os casos em que há dúvidas em relação à existência de eventual neoplasia.
Biopsia óssea   Normalmente não é necessária(reservada para os casos em que há dúvidas quanto à existência de eventual neoplasia).

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Possibilidades de intervenção em MGF
A intervenção do CG/MF relativamente a esta patologia relaciona-se essencialmente com a possibilidade da investigação inicial, dada a facilidade de acesso a radiologia e exames laboratoriais. Em relação ao tratamento, os objectivos assentam essencialmente:
1. No alívio dos sintomas;
2. Na normalização dos parâmetros bioquímicos;
3. No controlo da actividade da doença.

Deverão iniciar terapêutica farmacológica os doentes que apresentem:
1. Sintomatologia dolorosa com origem na doença;
2. Deformidade progressiva;
3. Fosfatase alcalina duas vezes superior ao normal:
4. Síndroma de compressão neurológica;
5. Insuficiência cardíaca de alto débito;
6. Fracturas patológicas com imobilização;
7. Necessidade de preparação para cirurgia ortopédica.

São indicações relativas:
1. Doentes assintomáticos;
2. Com envolvimento de ossos de carga;
3. Com FA menos de duas vezes superior ao normal.

Não têm indicação terapêutica os doentes que:
1. Não apresentam envolvimento de ossos de carga;
2. Têm fosfatase alcalina normal;

O tratamento da Doença de Paget assenta essencialmente em dois grupos terapêuticos: Calcitoninas e Bifosfonatos
Com o surgimento dos bifosfonatos de segunda geração as possibilidades terapêuticas sofreram avanços significativos, constituindo estes medicamentos a primeira opção em doentes sintomáticos com remodelação óssea aumentada. Apresentam-se a seguir quadros respeitantes às terapêuticas referidas.

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Quadro II

Calcitoninas

  Posologia: Efeitos Colaterais: Indicações: Duração do tratamento
Porco 50 – 60 UI/dia «Flush», prurido, náuseas, vómitos, diarreias Compressões nervosas, hipercalcemia, formas álgicas (c/cefaleias) ou osteólise dos ossos longos e nas respostas negativas aos bifosfonatos Tratamento por três meses seguido de duas vezes por semana durante dois meses com novo ciclo se necessário.(Por vezes tratamento a longo curso)
Salmão 50–200 UI/dia
Humana 0,25–1mg/dia 

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Quadro III

Bifosfonatos

  Posologia: Efeitos Colaterais: Indicações:  Duração do tratamento
Ác. Clodrónico 400-3200 mg/dia Alterações gastrointestinais, dores ósseas Doentes sintomáticos, jovens, localizações de risco.As formas EV estão reservadas aos casos de compressão medular lenta ou resposta negativa às calcitoninas Um mês «per os» ou 5 dias IV
Pamidronato dissódico 50-1600 mg/dia ou 180 mg IV Febre e leucopenia nas primeiras 48 h, proteinúria e dores ósseas Uma semana a seis meses
Alendronato 40 mg/dia Intolerância gastrointestinal 40 mg /dia durante seis meses

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Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial faz-se fundamentalmente com as seguintes patologias:
1. Metástases ósseas condensantes (caso do cancro da próstata);
2. Localizações ósseas de linfoma maligno;
3. O Hiperparatiroidismo nas formas desmineralizantes.
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Complicações
Osteo-articulares:
1. Fissuras ósseas sem fractura;
2. Fracturas;
3. Coxopatia pagética.

Complicações neurológicas:
1. Surdez;
2. Degenerescência sarcomatosa;
3. Insuficiência cardíaca de alto débito.
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Erros e limitações
As características radiográficas desta doença (alargamento da cortical, osteólise em V e «osteoporose circunscrita» a nível do crânio) podem ser confundidas com neoplasias o que pode criar grande ansiedade no doente. O CG/MF deve estar atento aos possíveis efeitos psicológicos nefastos quer do diagnóstico quer dos falsos positivos.
Sendo uma doença relativamente frequente mas subdiagnosticada, o CG/MF nem sempre está alertado para a sua existência.
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Pontos práticos a reter
1. Pensar em Doença de Paget em doentes:
Assintomáticos com Fosfatase Alcalina elevada;
Com radiografia revelando alterações a nível da cortical;
Com dor óssea tipo moinha ou queimadura.
2. Os bifosfonatos de 2ª geração são a melhor opção terapêutica;
3. Embora detecte mais precocemente as recidivas após terapêutica, a hidroxiprolinúria pode ser dispensada sem grande prejuízo em favor da Fosfatase Alcalina.
4. As radiografias e os exames laboratoriais são acessíveis e indicados para a utilização em MGF.
5. Os exames complementares de diagnóstico mais sofisticados (TAC, RM, biopsia óssea) só estão indicados em casos de suspeita de malignização ou quando houver sintomas de compressão medular.12


Quadro IV
Fluxograma de Diagnóstico


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Bibliografia
David Hosking, Pierre J Meunier, Joahann D Ringe, Jean-Yves Reginster, Carlo Gennari. “Paget’s disease of bone: diagnosis and management”. BMJ, volume 312. 24 February 1996, 491-494.

Goroll, Allan H.. “Primary Care Medicine”. J.B. Lipincott Company 1987. 706-708.

H. Winter Griffith and Mark R. Dambro. “ The 5 Minute Clinical Consult”. Lea & Febiger 1994. 696-697.

Leatitia Aubin. “La Maladie de Paget.” Fiches Soins 623. Mars 1998. XVII – XVIII.

M. Micaelo, M. da Paz Carvalho, R.ª Santos e J.ª Melo Gomes. “Doença Óssea de Paget”. Acta Reuma Port 74. 1995. 131-138.

Merkow R, Lane J. .”Paget’s disease of bone”.Endocrinial Metab Clin North Am 19 (1). 1990. 177-204.

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Pierre D. Delmas, M.D., Ph. D. and Pierre J. Meunier, M.D.. “The Management of Paget’s Disease of Bone.” The New England Journal of Medicine 336. February 20, 1997. 558-566.

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