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Parte IV – Problemas clínicos
4.8. Abordagem do paciente com problemas musculo-esqueléticos

310. Erros comuns no uso de meios terapêuticos
João Amoedo

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Nogueira, R;
Silva, Eugénia


Aspectos especiais no uso de meios terapêuticos
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1-Introdução e generalidades
As doenças musculo-esqueléticas constituem um dos principais problemas da pratica médica em cuidados primários, sendo por isso uma reserva frequente de erros terapêuticos. O facto da sua prevalência ser maior entre as pessoas idosas e de meia idade, populações que pela elevada frequência de outras doenças incorrem no risco da polifarmácia, contribui igualmente para a dimensão do problema.

Como em qualquer outra área nosológia, a boa prática de recomendação e uso de meios terapêuticos, pressupõe um equilíbrio harmonioso no conhecimento de três factores obrigatórios: o doente, a doença e os meios empregues para tratar. A disfunção dessa harmonia fundamenta a possibilidade do erro, embora outros factores dependentes do médico, do doente e de terceiros, possam igualmente contribuir.
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2-Erros atribuíveis ao médico
Poderemos considerar o défice de conhecimento sobre o doente, a doença e os tratamentos, a par de uma comunicação ineficaz, as principais causas de erro no uso de meios terapêuticos. Os problemas de formação básica e contínua, o isolamento no trabalho e a falta de tempo podem ser a possível explicação...
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2.1-Erros motivados por défice de conhecimento sobre o doente
A negligência das características da personalidade do doente, seu grau de instrução e suas capacidades cognitivas, autonomia, bem como as suas convicções pessoais, o seu ambiente socio-cultural e as suas possibilidades económicas, podem ser motivo de génese de erro na escolha da terapêutica. A história clínica e o exame objectivo oferecem as referências imprescindíveis à decisão. 

A idade do doente, a sua superfície corporal, o grau de integridade das suas funções orgânicas: hepática, renal e cardíaca, o estado tensional, nutricional e hidro-electrolítico, a concomitância de outras terapêuticas ou outra patologia, digestiva, ulcerativa ou inflamatória, a identificação de distúrbios metabólicos como a diabetes, a história de dependência ou hipersensibilidade a fármacos podem ser factores limitativos ou contraindicação ao uso de meios terapêuticos como. A possibilidade de gravidez e o tipo de contracepção devem igualmente ser tidos em consideração. A identificação de consumo de terapêuticas alternativas pode evitar riscos (fitofármacos, homeopáticos).
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2.2-Erros motivados por défice de conhecimento sobre a doença
Os conhecimentos relativos à fisiopatologia da doença, sua história natural e natureza dos meios terapêuticos provadamente adequados são condição essencial à escolha da terapêutica preventiva, paleativa, indutora de remissão ou curativa. A sua negligência pode levar à escolha da solução menos adequada à doença e sua fase evolutiva, preterindo o fármaco mais indicado ou privando o doente de uma referência atempada para reumatologia, ortopedia ou fisiatria. É importante ajustar o fármaco ao ritmo dos sintomas e sinais da doença. Tratar uma osteoartrose, um reumatismo metabólico como a gota, uma periartrite do ombro, uma artrite reumatóide ou uma espondilite anquilosante e uma Síndrome de Reiter não é rigorosamente a mesma coisa, embora possam ser usados em algum momento meios terapêuticos iguais. Não é irrelevante saber quando é adequado fazer uma artrocentese ou preferir uma aplicação intra- articular ou intralesional de um corticosteróide, ou não saber quando é adequado iniciar agentes modificadores da doença numa artrite reumatóide. 
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2.3-Erros motivados por défice de conhecimento sobre os meios terapêuticos
Ainda que a escolha da terapêutica tenha sido a mais correcta, é nas opções farmacológicas que encontramos maior possibilidade de erro. A selecção de um fármaco deve ter em conta as características do sujeito, da doença e seus ritmos, considerando as suas propriedades farmacocinéticas e sua farmacodinamia, os dados sobre eficácia e os seus dados de segurança, de que resulta: a natureza das suas indicações específicas e contra-indicações, risco teratogénico e mutagénico, a possibilidade de interacção com outros fármacos, com alimentos e com bebidas alcoólicas, consequências para a amamentação e as recomendações posológicas. São ideais os fármacos que, na mais pequena dose diária, administrável no menor número de tomas, confiram para a indicação correcta, a máxima eficácia, com a melhor segurança e ao mais baixo custo.

Os fármacos mais usados na terapêutica são: os AINEs, os corticosteróides, os analgésicos centrais fracos e fortes, os agentes modificadores da doença como os sais de ouro, antimaláricos (cloroquina) e citostáticos ( metotrxato e azatioprina). São frequentes os erros posológicos: doses diárias subterapêuticas, de que resulta habitualmente reduzido benefício (frequente com os opióides, muitas vezes prescritos em SOS); não respeito pelos intervalos posológicos recomendados pelo fabricante, de que pode resultar ineficácia ou efeito adverso; ou superação da dose máxima recomendada, de que resulta o aumento de efeitos adversos, que no caso dos AINEs sem qualquer melhoria da eficácia (efeito tecto). Os erros de associação: associação entre AINEs com diferentes princípios activos, de que resulta incremento doe efeitos adversos de que é exemplo a associação de clonixina ou metamizol com outro AINE; a associação entre opióides agonistas (codeína, tramadol, morfina) e agonistas-antagonistas (pentazocina); e interacções perigosas, de que é exemplo a associação de AINEs ou corticsteróides a anticoagulantes, antidiabéticos orais, antihipertensivos. Não consideração das inerências de grupos especiais: idosos, crianças, malnutridos, insuficiências orgânicas (fígado, rim, coração), gravidez e amamentação, história de hipersensibilidade ou outra reacção adversa prévia (todos); doença péptica ulcerosa ou gastritroduodenite activa ou antiga, hipertensos, diabéticos (AINE, corticosteróides); asmáticos (AINE, codeína); osteoporose e osteopénia (corticóides); história de dependência (opióides fracos e fortes). Erros de duração: sucede a interrupção prematura (surgimento de vómitos ou náuseas transitórios no início da terapêutica com opióides fracos ou fortes) e o uso prolongado desnecessário (persistência do uso de anti-inflamatórios como analgésicos sem alívio da dor ou perante persistência de efeitos adversos gastrintestinais ou outros). 
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2.4-Erros de comunicação
O acto da recomendação da terapêutica não pode confinar-se ao acto da prescrição acompanhada de uma informação verbal telegráfica. Uma boa adesão do doente à terapêutica subentende um largo investimento na educação dos doentes. Sobretudo nas situações crónicas, a explicação dos fundamentos da escolha face aos mecanismos da doença, os seus benefícios e riscos, as regras de uso, bem como a definição clara de objectivos esperados e a negociação com o doente dos objectivos possíveis, são necessárias mesmo nos doentes culturalmente mais débeis ou com défices de cognição, recorrendo a linguagens e pedagogias acessíveis ou ao envolvimento de um familiar ou outro prestador de cuidados. Aquilo que parece claro para o médico, pode não sê-lo para o doente. É importante saber a preferência do doente sempre que estão em equação diferentes possibilidades de escolha, e é necessário ter a máxima flexibilidade para acatar as convicções do doente sobre automedicação ou caminhos alternativos, sobretudo quando as soluções apresentadas pela medicina são aapenas paliativas. 
A atitude magistral, a distância, o tecnicismo e o hermetismo da linguagem, a pressa, a impaciência, dificultam uma boa relação de apoio-confiança e são obstáculo a uma adesão adequada e esclarecida à terapêutica.
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3-Erros gerados no doente ou por terceiros
É frequente nos doentes crónicos, sobretudo nos idosos menos abastados, o enviesamento das recomendações posológicas por razões económicas. Também é vulgar o enviesamento da recomendações do médico ouvido o conselho de um familiar, visinho ou por deturpação de informações obtidas na comunicação social. O fenómeno moda também influencia as convicções e os receios dos doentes relativamente às terapêuticas.

A popularidade dos medicamentos à base de plantas e os suplementos alimentares, são exemplo disso. O recurso à medicina privada, às práticas alternativas ou automedicação, são motivos que levam frequentemente os doentes a omitir ou a mentir ao seu médico, quanto ao cumprimento da terapêutica, podendo explicar por vezes um insucesso não compreendido... O farmacêutico é um importante cúmplice do doente que pode ser importante consultar. 
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