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Parte V - Situações de urgência ou de crise
5.1. Urgências e emergências médicas

506. Convulsões
Rute Relvas
Manuel Gonçalves
André Biscaia
Eulália Calado
Karin Dias

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Robalo, J.

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Introdução
A convulsão é o problema neurológico mais frequente na criança e no adulto, com uma prevalência calculada de 20 por 1.000 para uma convulsão isolada e de 17 por 1.000 para convulsões recorrentes. Em termos globais calcula-se que cerca de 1% da população mundial apresente este tipo de situação, sendo a incidência anual 5-10% deste valor.
Num estudo de 1994 no serviço de urgência geral de pediatria do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, verificou-se que as convulsões constituíram 90,3% (503 casos) das doenças neurológicas agudas e 0,43 % da totalidade das patologias observadas naquele ano.
Este capítulo inicia-se por uma classificação de crises epilépticas. Seguem-se as causas de convulsões e os diagnósticos diferenciais mais importantes, abordando-se, depois, o caso especial das convulsões febris. Apresenta-se a atitude diagnóstica a seguir e a terapêutica das várias situações.
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Classificação
A convulsão pode estar associada a diversas condições patológicas como, entre outras, lesões estruturais intracraneanas, processos infecciosos ou distúrbios metabólicos. Também pode ser a manifestação exclusiva ou predominante em várias formas de epilepsia.
Em qualquer destas situações a convulsão resulta de uma descarga de alta-frequência, súbita e anormal ao nível dos neurónios cerebrais, que causa contracções súbitas e involuntárias de grupos musculares. Entre os vários tipos de crises epilépticas, a crise convulsiva é das mais frequentes, nomeadamente nos episódios de urgência.
A Liga Internacional contra a Epilepsia, classifica as crises epilépticas segundo o Quadro I.

8 Quadro I

Classificação das crises epilépticas segundo
a Liga Internacional contra a Epilepsia

I. Crises Parciais (focais)
A. Crises parciais simples (sem compromisso da consciência)
1. com sinais motores: motoras focais com ou sem marcha «jacksoniana», versivas, posturais, fonatórias
2. com sintomas somatossensitivos ou sensoriais: visuais, auditivos, olfactivos, gustativos, vertiginosos, alucinações simples
3. com sinais ou sintomas autonómicos, incluindo aura epigástrica
4. com sintomas psíquicos (alteração das funções mentais): disfásicos, dismenésicos (ex. «dejá vu»), cognitivos (estado de sonho, distorção do tempo), afectivos, ilusões, alucinações estruturadas
B. Crises parciais complexas (com compromisso da consciência)
1. inicio parcial simples com posterior alteração da consciência
a. parciais simples (A1 a A4) seguidas de alteração da consciência 
b. com automatismos
2. com alteração da consciência logo de início
a. só com alteração da consciência
b. com automatismos
C. Crises parciais evoluindo para generalizadas
II. Crises Generalizadas
A. Ausências
1. ausência com alteração da consciência apenas ou com componentes mioclónicos, componentes atónicos, componentes tónicos, automatismos, componentes autonómicos
2. ausências atípicas com alterações do tónus mais pronunciadas que em A1 e com inicio e /ou fim não tão abrupto
B. Crises Mioclónicas
C. Crises Clónicas
D. Crises Tónicas
E. Crises Tónico-Clónicas
F. Crises Atónicas
III. Crises Epilépticas não classificáveis (devido a informação insuficiente)

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Diagnóstico e diagnósticos diferenciais
O aspecto mais importante no diagnóstico de uma crise convulsiva é a descrição do episódio, quer recolhendo dados do próprio paciente quer de testemunhas oculares. É essencial perceber se houve algum sinal que permita determinar se a crise teve um início focal – sintomatologia do foro psíquico, sensorial ou motor localizado a uma parte do corpo. A presença de mordedura de língua, a incontinência urinária e a cefaleia pós-crítica são de importância fundamental para o diagnóstico. 
Deve-se averiguar a existência de factores precipitantes (privação do sono, privação de álcool nos casos de alcoolismo crónico, consumo de drogas ilícitas, alterações recentes na medicação anti-epiléptica crónica ou má adesão a esta), doenças subjacentes e história familiar. 
Nas crianças o diagnóstico diferencial das crises convulsivas é, por vezes, difícil, contribuindo as crises paroxísticas não epilépticas para cerca de 20% de falsos diagnósticos de epilepsia. As crises paroxísticas não epilépticas mais frequentes na criança são os espasmos do soluço, nas suas formas cianótica e mais raramente pálida, os terrores nocturnos, as síncopes vaso-vagais e a enxaqueca.

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Quadro II

Diagnóstico diferencial das crises convulsivas nos adultos

Síncope
A. Síncope reflexa
Postural
«psicogénica»
Síncope miccional
Manobra de «Valsalva»
B. Síncope cardíaca
Disrritmias (bloqueios, taquicardias...)
Doença valvular
Cardiomiopatias
Shunts
C. Falência de perfusão
Hipovolemia
Síndromas de falência autonómica
Crises psicogénicas
A. Pseudocrises
B. Crises de pânico
C. Hiperventilação
Acidentes Isquémicos transitórios
Enxaqueca
Narcolepsia
Hipoglicemia

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Quadro III

Episódios paroxísticos não epilépticos nas crianças

EPISÓDIOS IDADE DE APRESENTAÇÃO
Sem compromisso da consciência
Tremores
Mioclonus benigno da infância
Torcicolo paroxístico benigno
Refluxo gastroesofágico
Vertigem paroxística benigna
Tiques e movimentos ritualistícos
Coreoatetose paroxística
Estados de ansiedade
RN e lactentes
Lactente
Lactente
Lactente
Criança jovem
Criança
Criança e adolescente
Adolescente
Com compromisso da consciência
Espasmos do soluço
Síncopes vaso-vagais
Enxaqueca complicada
Síndrome de «Meadow» («Munchausen by proxy»)
Narcolepsia
Doenças metabólicas
Disrritmias cardíacas
Criança jovem
Criança e adolescente
Criança e adolescente
Lactente e criança jovem
Criança e adolescente
Qualquer idade
Qualquer idade 

Depois de serem afastadas as eventuais situações que fazem diagnóstico diferencial com crises convulsivas (Quadros II e III), deve tentar-se fazer o diagnóstico etiológico (Quadro IV). Para a avaliação posterior é necessário manter presente que algumas das entidades que fazem diagnóstico diferencial de crises convulsivas, podem-se complicar secundariamente às mesmas, como as disrritmias cardíacas, a hipoglicemia e as síncopes devido à baixa da perfusão cerebral.

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Quadro IV

Causas de crises convulsivas

Factores genéticos, pré e perinatais
Influência genética (primária, idiopática, essencial)
Anomalias congénitas (incluindo as cromossómicas)
Factores pré-natais (infecções, drogas, anoxia)
Factores perinatais (trauma durante o nascimento, asfixia, infecções)
Infecções
Meningite, encefalite
Abcessos epidurais ou subdurais
Abcessos e granulomas cerebrais
Infecções congénitas (Herpes simplex, rubéola, HIV, toxoplasmose, citomegalovírus)
Factores tóxicos
Substâncias inorgânicas (ex. monóxido de carbono)
Metais (ex.: chumbo, mercúrio)
Substâncias orgânicas (ex.: álcool)
Drogas e síndroma de privação(cocaína, barbitúricos, benzodiazepinas, anticonvulsivantes, antidepressivos, álcool)
Alergias (ex.: medicamentosas)
Agentes físicos e trauma
Traumatismo crânio-encefálico agudo
Hematoma epidural e subdural
Cicatriz meningoencefálica pós-traumática
Anoxia ou hipoxia
Alterações circulatórias
Hemorragia subaracnoideia
Tromboses dos seios venosos
Encefalomalácia
Encefalopatia hipertensiva
Síncope
Disrritmias cardíacas
Alterações metabólicas e nutricionais
Alterações do equilíbrio hidroelectrolítico (hiponatremia, hipocalcemia, desidratação)
Alterações do metabolismo dos carbohidratos (hipoglicemia)
Alterações do metabolismo dos aminoácidos (fenilcetonúria)
Alterações do metabolismo dos lípidos (doença de armazenamento de lípidos)
«Kernicterus» (hiperbilirrubinemia)
Deficiência vitamínica 
Neoplasias
Primariamente intracraneanas (astrocitoma, meningiomas)
Metastáticas
Linfomas e leucemias
Tumores dos vasos sanguíneos e malformações vasculares
Doenças heredofamiliares
Esclerose tuberosa, Síndroma «Stuger-Weber», neurofibromatose
Convulsões febris
Doenças neurodegenerativas

No idoso, especialmente a partir dos 70 anos, o risco de convulsões é particularmente elevado, sendo as situações que mais frequentemente desencadeiam convulsões as relacionadas com descompensação de doenças sistémicas crónicas e também com doenças cerebrovasculares (sequelares ou agudas).
Na mulher grávida, outras hipóteses devem ser consideradas, nomeadamente a eclampsia, se surgirem crises pela primeira vez durante as últimas 20 semanas de gestação.
O período neonatal é das alturas da vida com maior risco de convulsões e epilepsia devido sobretudo à escassez relativa e imaturidade dos neurotransmissores inibitórios. A incidência das convulsões neonatais estima-se em 1-3%.
O reconhecimento das convulsões neonatais pode ser difícil com risco de sub ou supra-diagnóstico. O recém-nascido apresenta frequentemente movimentos involuntários que não são epilépticos, enquanto algumas convulsões subtis como o chuchar na língua, os movimentos de pedalagem, o desvio conjugado dos olhos e as apneias podem ser interpretadas como não epilépticas. Os tipos de convulsões no recém-nascido são diferentes dos observados na criança mais velha e no adulto. As convulsões tónico-clónicas não ocorrem, podendo as crises ser subtis (30%), mioclónicas (20%), clónicas (25%, predominantemente parciais ou focais mas também generalizadas) ou tónicas (20%). A maioria das convulsões neonatais são secundárias e só aproximadamente 5% são idiopáticas. 
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Convulsões febris
A convulsão febril (CF) surge associada a situações febris com temperaturas superiores a 38,5º C, numa criança entre os 6 meses e os 5 anos de idade, com exame neurológico e desenvolvimento psicomotor normais e sem evidência de doença infecciosa do sistema nervoso central (meningite ou encefalite). Têm uma incidência de 3 a 5%, com um pico entre os 12 e os 24 meses.
 
Habitualmente classificam-se em: 
Convulsões febris simples – representam 75% de todas as CF, são tónico-clónicas generalizadas, com duração inferior a 15 minutos, e evoluem sem défices neurológicos pós-ictais (paresia de «Todd») ou sequelas posteriores.
Convulsões febris complexas – crises de início focal (ou convulsão focal persistente) e/ou duração superior a 15 minutos (incluindo o estado de mal epiléptico, que pode ser inaugural em 5% das CF) e/ou mais de uma convulsão no mesmo episódio febril e/ou défices neurológicos subsequentes. 
As CF têm em geral um bom prognóstico, com um baixo risco de ocorrência posterior de epilepsia (2–5%). Não há nenhum factor preditivo de epilepsia numa criança com CF, mesmo com CF complexas incluindo estado de mal epiléptico febril. O que acontece frequentemente é que uma primeira convulsão “complicada”, num episódio febril, não é mais do que a primeira manifestação de uma epilepsia.
A esclerose mesial-temporal (do hipocampo) responsável pela epilepsia temporal, que frequentemente é refractária ao tratamento médico, foi durante muito tempo atribuída a CF prolongadas. A hipótese actualmente mais aceite é a existência de uma anomalia de desenvolvimento congénita, responsável pela convulsão complicada, actuando a febre como desencadeante.
As convulsões após as imunizações, que ocorrem em 1,4% dos lactentes, têm sido assunto de grande polémica, sobretudo no que se refere à vacina anti-pertussis. Pensa-se que na maioria dos casos são verdadeiras CF, sendo a relação com as vacinas apenas uma coincidência.
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Atitude diagnóstica
Perante uma crise convulsiva há que fazer o diagnóstico da situação subjacente, quer seja uma epilepsia primária ou secundária a uma alteração metabólica, tóxica, infecciosa, vascular, neoplásica, traumática, etc.

Três situações podem ocorrer:
a) Primeira crise convulsiva conhecida – após a observação geral com especial atenção aos sinais vitais, procede-se ao exame neurológico. Caso se detectem sinais focais, deve-se tentar identificar uma eventual lesão estrutural do SNC, tendo presente a possibilidade de se poder tratar de uma paresia pós-convulsiva de «Todd». A existência de rigidez da nuca é essencial no diagnóstico de uma meningoencefalite ou de uma hemorragia subaracnoideia.
Para excluir alterações metabólicas, tóxicas e infecciosas, deve-se obter um hemograma, função renal, ionograma, glicemia, calcemia, fosforemia e magnesemia, estes quatro últimos particularmente importantes no recém-nascido e lactente. Dependendo dos casos podem ser pedidas provas de coagulação sanguínea, doseamento de drogas ilícitas ou de fármacos, nomeadamente os antiepilépticos mais comuns – fenobarbital, fenitoína, valproato de sódio e carbamazepina.

A realização de um exame de imagem é fundamental nos casos de primeira crise convulsiva em adultos, quer existam ou não alterações no exame neurológico. Nas crianças, os exames de imagem deverão ser equacionados caso a caso, em função não só do quadro clínico, como da idade do doente e das disponibilidades no momento. Nos indivíduos idosos, em que as situações mais frequentemente associadas são os acidentes vasculares cerebrais, os traumatismos cranianos e as neoplasias primárias ou secundárias do SNC, a realização de tomografia computorizada crânio-encefálica (TC CE) é geralmente suficiente para esclarecimento.
Nos indivíduos jovens, a realização de TC CE não exclui todas as situações possíveis (como é o caso da displasia cortical), devendo-se realizar preferencialmente uma ressonância magnética nuclear crânio encefálica
No serviço de urgência, caso surja a dúvida de patologia com evidência a nível do líquido cefalorraquidiano, o doente deverá ainda ser submetido a uma punção lombar (se possível após a realização de TC CE), nomeadamente nos casos de suspeita clínica de hemorragia subaracnoideia ou meningoencefalite.
A realização de electroencefalograma, quando possível, é também desejável.

b) Doente com epilepsia não controlada – deverá ser submetido a avaliação geral e neurológica, para excluir patologia sistémica que tenha descompensado a sua doença de base assim como uma avaliação analítica com doseamento de fármacos antiepilépticos.
No caso da epilepsia ser secundária a uma doença progressiva (ex: neoplasia do SNC) ou subsequente a um traumatismo craniano o doente deve ser submetido a TC CE. 

c) Situação clínica desconhecida – dever-se-á proceder como se se tratasse de uma primeira crise, com doseamento dos fármacos antiepilépticos mais comuns o que poderá indicar se já se trata de um indivíduo medicado para epilepsia.

d) Convulsão febril – O tipo de investigações a efectuar numa CF, depende essencialmente da idade da criança e de se tratar de uma CF simples ou complexa. Numa criança entre os 6/12 meses com uma CF complexa é de considerar seriamente a realização duma punção lombar para excluir uma eventual meningite e de outras investigações laboratoriais, nomeadamente urocultura. Numa criança de 2/3 anos com CF simples e, por exemplo, uma otite óbvia, não se considera justificar-se qualquer investigação adicional. O EEG não tem indicação nas CF, mesmo nas complexas.
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Atitude terapêutica
a) crise isolada – Perante uma crise isolada, deve evitar-se que o doente sofra traumatismos graves, tornando o meio circundante o mais seguro possível. Devem ser avaliados os sinais vitais e o doente posicionado em decúbito lateral de segurança de modo a reduzir a possibilidade de aspiração de vómito. Deve-se garantir a desobstrução das vias aéreas, mas nunca colocar um objecto na boca. Se houver cianose pode administrar-se oxigénio por máscara (3 l/minuto). As crises convulsivas são habitualmente de curta duração não carecendo de maiores cuidados a não ser que se repitam (particularmente sem recuperação da consciência entre elas) ou tenham uma duração superior a 10 minutos. A confusão é uma alteração habitual após o evento, pelo que durante este período devem-se prevenir situações que coloquem em perigo o doente. No caso de ter uma duração prolongada deve administrar-se uma benzodiazepina de acção rápida, das quais a mais utilizada é o diazepam, por via rectal 0,5 mg/kg de peso por dose até um máximo de 10 mg por dose, podendo-se repetir mais duas vezes com intervalos de 15 minutos. O diazepam também pode ser administrado endovenosamente, em administração directa sem diluição na dose de 0,3 mg/kg/dose, até um máximo de 10 mg nas crianças e 10-20 mg nos adultos. Uma droga alternativa é o midazolam administrada endovenosamente em bólus, 0,2 mg/kg/dose ou intra-nasal na dose de 0,3 mg/kg, metade em cada narina, até um máximo de 10 mg (não se deve associar ao diazepam). A administração destas substâncias deve ser suspensa no momento em que a crise cessa. Deve ser considerado o risco de prolongamento da sonolência pós-crítica e a paragem cardio-respiratória na administração endovenosa.

Nos casos de uma crise convulsiva isolada, sem causa aparente, o doente não deve ser submetido a terapêutica com fármacos antiepilépticos (com excepção de alguns casos particulares e depois de avaliação por neurologista), sendo depois o doente enviado à consulta de Neurologia / Epilepsia para reavaliação.

b) Crises seriadas ou em salvas – No caso de crises seriadas ou em salvas (crises que recorrem a intervalos variáveis com total recuperação da consciência entre elas) deve-se iniciar terapêutica com fármacos antiepilépticos para prevenir a progressão para o estado de mal convulsivo. A abordagem terapêutica é sobreponível à do estado de mal convulsivo.

c) Estado de mal convulsivo – Nos estados de mal convulsivo (crises convulsivas que se prolongam por mais de 30 minutos, ou repetidas e sem recuperação da consciência entre elas), devem ser iniciados fármacos antiepilépticos, por via endovenosa, com contacto imediato com a unidade de cuidados intensivos para se proceder à transferência do doente no mais curto período possível. O fármaco a utilizar é a fenitoína na dose de 15-20 mg/kg num soro não glicosado, nunca excedendo os 1000 mg na dose total nem 1 mg/kg/min. ou os 50 mg por minuto (20 mg por minuto nos idosos). Um fármaco alternativo é o valproato de sódio injectável (bólus de 15 mg/kg em 15 minutos seguido, 30 minutos depois, de perfusão endovenosa 1 mg/kg/hora até se atingirem os níveis séricos desejados, 50-100 microgramas/ml). Se desta forma não se conseguir controlar as crises a terapêutica a efectuar em seguida é o fenobarbital endovenoso (20 mg/kg) e, em alguns casos, é requerida a anestesia geral (tiopental sódico e propofol). Os efeitos secundários dos vários fármacos, como a depressão respiratória ou disrritmias cardíacas, têm de ser considerados, principalmente devido à somação dos mesmos à medida que se iniciam diferentes drogas.

d) Convulsões febris – Nas convulsões febris o uso de diazepam rectal, 0,5 mg/kg de peso por dose (até um máximo de 10 mg) é eficaz na maioria das convulsões, podendo ser usado pelos pais no domicílio. Poderá ser repetido mais duas vezes, com intervalos de 15 minutos, em caso de convulsão prolongada ou recorrência das convulsões, sendo nestes casos obrigatória a observação em serviço de urgência pediátrico.
À luz dos conhecimentos actuais não se justifica o uso de profilaxia contínua nas CF, com um anti-epiléptico. Embora possam diminuir a incidência da recorrência das CF, não evita o desenvolvimento de uma epilepsia posterior se for esse o caso. Se as CF forem frequentes alguns autores aconselham o uso de diazepam rectal (0,5 mg/kg/dose) ou diazepam oral (0,3 mg/kg/dose), num máximo de 10 mg, de 8/8 horas nos primeiros dois dias de febre, em que a possibilidade de ocorrência de CF é maior. 
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Resumo
Face a uma crise convulsiva:

Garantir a desobstrução das vias aéreas, monitorizar os sinais vitais, e posicionar o doente em decúbito lateral de segurança.

Se a crise convulsiva for prolongada, deve-se administrar diazepam por via rectal, 0,5 mg/kg de peso por dose até um máximo de 10 mg por dose, podendo-se repetir até mais duas vezes com intervalos de 15 minutos. O diazepam também pode ser administrado endovenosamente. 

Se se registarem crises seriadas ou no estado de mal convulsivo devem ser iniciados fármacos antiepilépticos por via endovenosa (fenitoína), e providenciar a transferência para unidade especializada assim que possível. Atenção à possibilidade de depressão do centro respiratório ou de disrritmias cardíacas.

Após a crise procede-se ao exame neurológico. Caso se detectem sinais focais, deve ser avaliada a possibilidade de uma lesão estrutural do SNC. A existência de rigidez da nuca deve determinar a realização de uma punção lombar. Deve-se obter hemograma, função renal, ionograma, glicemia, e, principalmente no recém-nascido e lactente, também calcemia, fosforemia e magnesemia. Dependendo dos casos podem ser pedidas provas de coagulação sanguínea, doseamento de drogas ilícitas e de fármacos antiepilépticos.

O diagnóstico diferencial das crises convulsivas é, por vezes, difícil, particularmente nas crianças. A observação da crise e a recolha de dados de acompanhantes ou testemunhas oculares é da máxima importância para um eventual diagnóstico etiológico. 

É essencial perceber algum sinal que permita determinar se a crise teve início focal. Deve-se averiguar a existência de factores precipitantes e doenças subjacentes.

Um subgrupo importante é as convulsões febris. As CF têm em geral um bom prognóstico, com um baixo risco de ocorrência posterior de epilepsia.
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Agradecimentos: Aos Drs Pedro Rosado (neurologista), Maria José Fonseca (neurologista pediátrica) e Paulo Nicola (interno de clínica geral) e Vítor Biscaia pela revisão do texto e propostas de alterações.