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Parte V - Situações de urgência ou de crise
5.1. Urgências e emergências médicas

514. Crise de asma
José Luís C. Nunes
Cecília Nunes

Documento de trabalho
última actualização em Dezembro 2000

Contacto para comentários e sugestões: Robalo, J.

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Definição
A asma é uma doença das vias aéreas caracterizada por inflamação crónica e crises de broncospasmo, que resultam da hiperreactividade a vários estímulos, reversíveis espontaneamente ou como resultado da terapêutica instituída.
A gravidade das crises varia, desde o acesso fácil e rapidamente reversível pela terapêutica broncodilatadora, até ao ataque grave, refractário aos broncodilatadores e que requer hospitalização e até cuidados intensivos (mal asmático).
O diagnóstico da agudização é baseado na história clínica (dificuldade em respirar, tosse, pieira audível, dificuldade em andar e em falar, síncope nas crises mais graves), exame físico (taquipneia, taquicardia, pulso paradoxal - indicador de gravidade - nas crises moderadas a diferença entre a tensão sistólica durante a inspiração e a expiração não ultrapassa os 10-12 mmHg, nas crises graves pode atingir os 18-20 mmHg, podendo no mal asmático atingir os 50 mmHg), e exames laboratoriais, nomeadamente na medição do «Peak Flow» (Peak Flow < 30-50% dos valores de referência significa obstrução grave).
As crises agudas de asma podem ser difíceis de diagnosticar. Por exemplo um crupe, uma bronquite agudizada, um ataque cardíaco ou uma disfunção glótica, pode assemelhar-se a uma crise de asma. Utilizando o «Peak Flow», avaliando a reversibilidade dos sintomas com os broncodilatadores e percebendo o que desencadeou a crise, pode ajudar no diagnóstico diferencial. A radiografia de tórax, ajuda a afastar a infecção, as lesões das vias aéreas, a insuficiência cardíaca congestiva, ou a aspiração de um corpo estranho.
Não se deve subestimar a gravidade de uma crise. Crises graves de asma podem por em risco a vida do doente.

Os doentes de alto risco são os que:
1. Usam corticóides sistémicos com frequência
2. Foram hospitalizados anteriormente por agudização de asma
3. Com problemas psicossociais
4. Não aderem ao plano terapêutico proposto

Os doentes deverão ser instruídos para procurar ajuda médica de urgência se:
1. A crise for grave: dificuldade respiratória em repouso, discurso entrecortado, agitação, frequência respiratória superior a 30 por minuto, sibilos ausentes ou muito ruidosos, pulso superior a 120 por minuto (superior a 160 por minuto nas crianças), PEF menos de 60% do valor previsto.
2. Se a resposta ao tratamento inicial, com broncodilatador, não é imediata e mantida durante pelo menos 3 horas.
3. Se não existe melhoria dentro de 2 a 6 horas após terapêutica com corticóides sistémicos.
4. Se a situação se continua a agravar.

A abordagem terapêutica a adoptar está dependente do grau de gravidade das crises de asma (Quadro I).
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Quadro I
Gravidade das crises de asma
Parâmetros Média Moderada Grave
Dificuldade respiratória a andar Falar  em repouso.
Discurso discurso normal Frases  entrecortado
Estado de consciência pode estar agitado normalmente agitado normalmente agitado
Frequência respiratória aumentada  Aumentada > a 30 mins
Utilização músculos acessórios não normalmente sim  normalmente sim
Sibilos moderados, só no fim expiração Altos altos ou ausentes
Pulso  < a 100 100-120 > a 120
PEF > 80% 60-80% < 60%
PaO2
PaCO2
Normal
< 45 mmHg
> 60 mmHg
< 45 mmHg
 < 60 mmHg
> 45 mmHg
SaO2 > 95% 91-95% < 90%


As crises de asma de gravidade média podem ser tratadas em ambulatório, com orientação do médico assistente e com avaliação precoce da resposta ao tratamento (Quadro II).

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Quadro II

Abordagem de uma crise de asma em ambulatório
Adaptado de Asthma Management and Prevention. Global Initiative for Asthma

Tratamento inicial
ß2-agonistas inalados de acção rápida, até 3 tratamentos numa hora.

A resposta ao tratamento inicial é…

Boa: se os sintomas cedem ao tratamento inicial e o alívio se mantém durante 4 horas. Se o PEF for superior a 80% do valor previsto.

Atitude: continuar o b2-agonista todas as 3-4 horas durante 1 a 2 dias

Incompleta: se os sintomas diminuem mas voltam em menos de 3 horas após o tratamento inicial. Se o PEF for entre 60 e 80% do previsto.

Atitude: juntar corticóides orais, continuar·2-agonistas.

Pobre: se os sintomas persistem ou agravam apesar do tratamento inicial. PEF menor do que 60% do valor previsto.

Atitude: juntar corticóides orais, repetir b2-agonistas, transportar o doente para um local de atendimento médico ou hospital.

Se não existe resposta à terapêutica ou se a crise, à partida, é moderada ou grave, a terapêutica deve ser orientada num serviço de urgência não hospitalar ou hospitalar (Quadros III e IV)

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Quadro III
Tratamento não hospitalar



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Quadro IV

Tratamento na sala de urgências hospitalares
Adaptado de Asthma Management and Prevention. Global Initiative for Asthma

Tratamento inicial

· ß2-agonistas inalados de acção rápida, de 20 em 20 mins durante 1 hora
· Oxigénio com débito necessário para obter saturações > a 90% no adulto e 95% nas crianças
· Corticóides sistémicos
· Contra-indicação absoluta a utilização dos sedativos








Doses habituais nas exacerbações agudas

Oxigénio
Numa crise ligeira a PaO2 está habitualmente nos limites inferiores da normalidade, mas a terapêutica com xantinas e b2 agonistas leva habitualmente à normalização.
Deve ser iniciado O2 com um débito de 3 a 5 l/m por sonda nasal ou FiO2 com máscara a 30 ou 40%.

Broncodilatadores

Aminofilina – Tem um efeito mais lento mas mais prolongado. Começar por uma dose de impregnação de 5 a 6 mg/kg diluída em 100 cc de soro fisiológico a correr em 30’(se o doente não estava a fazer xantinas). Em seguida perfusão contínua, cuja dose varia de 0,2 a 0,9 mg/kg/h.
Crianças: a dose de impregnação é de 6 mg/kg ou de 3 mg/kg, se já estava a tomar xantinas.
A dose de manutenção de aminofilina é de:

Idade  Dose
1 a 6 meses 0,5 mg/kg/h
6 meses a 1 ano 1 mg/kg/h
1 a 9 anos 1,5 mg/kg/h
10 aos 16 anos 1,2 mg/kg/h


ß2 agonistas - Indicados no tratamento inicial. Utilizar a câmara expansora, 4 a 6 inalações de 20 em 20 mins e posteriormente aumentar o intervalo de 1/1, 2/2 e de 4/4 horas.
Crianças: até à idade de 1 ano, utilizar o nebulizador com salbutamol 0,5 ml (2,5 mg) diluída em 2 a 2,5 ml de soro fisiológico. Se melhorar, aumentar o intervalo 1 a 2 horas; se tal não acontecer, passar a contínuo. Nas crianças que já conseguem colaborar, utilizar a câmara expansora: 2 inalações de 5/5 mins. até 12 «puffs», se não melhorar, mudar para o nebulizador; se melhorar reduzir para 4 «puffs» de 1/1 hora.

Corticosteróides

Devem ser dados intravenosos, sempre que um doente recorre ao serviço de urgência com uma crise de asma.

Metilprednisolona – 60 a 80 mg em bolús de 6/6 ou de 8/8 horas ou
Hidrocortisona – 2 mg/kg ev de 4/4 h, ou um bolús inicial de 2 mg/kg seguido de 0,5 mg/kg/h em perfusão continua.

Nota: A hidrocortisona tem um início de acção mais rápida pelo que é a preferida.

Crianças: 1 a 2 mg/kg/dose de metilprednisolona ev de 6/6 h nas primeiras 24 h, em seguida continuar com terapêutica oral de 1 a 2 mg /kg/dia numa dose única ou dividida (durante 3 dias).
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Terapêuticas não recomendadas durante uma crise de asma

1. Sedativos
2. Mucolíticos: podem agravar a tosse.
3. Sulfato de magnésio: não existem provas da sua eficácia.
4. Cinesiterapia respiratória: pode aumentar o desconforto do doente.
5. Hidratação: nos adultos, ou nas crianças mais velhas, grandes quantidades de líquidos podem agravar o quadro.
6. Antibióticos: não tratam as crises de asma, mas podem estar indicados se houver infecção.

Outras medidas:
Lavagem broncoalveolar (em centro hospitalar) – se não se conseguir retirar os rolhões de secreções de outro modo.
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Terapêutica da asma na grávida

A terapêutica da asma na grávida não difere da descrita anteriormente, dando sempre que possível, preferência à via inalatória.
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Bibliografia
Enciclopédia Médico-Cirúrgica de Pneumologia

Fishman AP. Pulmonary Diseases and Disorders. 1999.

Guidelines for the Diagnosis and Management of Asthma, National Institutes of Health, 1999.

Guidelines for the Diagnosis and Management of Asthma. Journal of Allergy and Clinical Immunology, Setembro de 1991.

Normas de Actuação Terapêutica num Serviço de Urgência Pneumológica, 1998.

Normas de Actuação Terapêutica. Global Initiative for Asthma, 1998.

Pauwels R, Snashall PD. Practical Approach to Asthma. 1998.

Principles of Critical Care - Jesse and Hall.

Skinner DV, Vincent R. Cardiopulmonary Resuscitation. 1993.

Urgências em Pneumologia – 24º Curso de Pneumologia para pós graduados, 1991.